Cultura

Lulu Santos: 'Não consigo deixar de ver a vida melhor no futuro'

No Dia dos Namorados, compositor canta para o drone música dedicada ao companheiro, com quem passou a morar junto na quarentena
Lulu Santos na janela de seu apartamento enquanto dá entrevista e é fotografado por um drone Foto: O GLOBO
Lulu Santos na janela de seu apartamento enquanto dá entrevista e é fotografado por um drone Foto: O GLOBO

Depois da "live para dançar", assistida por mais de três milhões de pessoas, Lulu Santos faz, neste dia dos Dia dos Namorados, a "live para sentir". Com repertório calcado nas canções de amor do "último romântico", "LoveLuluLive" será transmitida ao vivo do Copacabana Palace e contará com participações de Gabriel O Pensador e de uma versão reduzida da Orquestra Petrobras Sinfônica. Os músicos tocarão separados, cada um numa suíte do 5° andar do hotel, e a live será transmitida pelo canal de Lulu no YouTube.

O cantor e compositor, que completou 67 anos no isolamento, conta que o clima será "etílico, porque tem horas que a gente precisa de um pouco de escapismo, depois, voltamos à luta". Ele também acredita que as lives viraram ponto de encontro e ajudam a amenizar a "carentena".

— Será que entre as pessoas que estavam assistindo à minha outra live não estava a pessoa que os amigos "solteirxs" procuram? — pergunta. — Encontrei meu marido em uma rede social, nós nos pescamos.

Em uma conversa por telefone com a repórter Maria Fortuna, enquanto era gravado por um drone, Lulu Santos falou da sua live no dia dos namorados, sobre a quarentena com o marido Clebson Teixeira e cantou uma nova versão de 'Ela me faz tão bem' dedicada ao amado.
Em uma conversa por telefone com a repórter Maria Fortuna, enquanto era gravado por um drone, Lulu Santos falou da sua live no dia dos namorados, sobre a quarentena com o marido Clebson Teixeira e cantou uma nova versão de 'Ela me faz tão bem' dedicada ao amado.

Lulu refere-se à troca de mensagens virtuais pelo Instagram que acabou em casamento entre ele e o baiano Clebson Teixeira, de 28 anos. É isso: os dois juntaram as escovas de dentes bem no meio da quarentena, e agora dividem o mesmo apartamento no Rio.

O músico é o convidado da "Entrevista na janela", série em vídeo produzida pelo GLOBO, para este período em que cientistas e autoridades médicas recomendam o distanciamento social — o humorista Fábio Porchat , e os atores Antonio Fagundes , Maitê Proença , Deborah Secco e a cantora Anitta já participaram. A entrevista foi realizada pela repórter Maria Fortuna por telefone e gravada por um drone.

Nesta entrevista, Lulu fala de amor, de homofobia, do futuro dos shows e até canta para o drone - uma música dedicada ao companheiro, além de uma canção inédita, "Babel", que compôs na quarentena.

Lulu Santos Foto: Leo Aversa
Lulu Santos Foto: Leo Aversa

Como está passando o isolamento? Alguma inspiração para compor?

Sim. Me ligaram pedindo um jingle para uma marca de automóvel. Eu pensei: "Nessa altura do campeonato? Será que conseguiria fazer se eu quisesse?". Então, falei "vou fazer uma canção". Mas o que poderia sair? Algo baseado no que estamos vivendo hoje, né? E aí não era muito apropriado para um comercial de carro ( risos )...

E o que diz a canção?

Diz: "Será que alguém aqui consegue explicar/ Como é que a gente abriu mão de tanta conquista / De tantos passos que demos para nos libertar/ Será que a velha ideia ficou  na pista?/ Todo mundo acha que está certo o tempo todo / E o contrário é só a sua opinião/ E o resultado, a quem interessa? O conflito.../ Todo mundo está atrás de um paraíso/ Reconstruindo a Torre de Babel". É isso! Você é a primeiríssima pessoa a escutar, fora a pessoa da marca de carro ( risos ). Não sei se acertei as palavras todas... Mas é sobre essa coisa conflitante, né?

Você completou 67 anos durante a quarentena. Como foi fazer aniversário no isolamento?

Sou uma pessoa muito caseira e reservada. Tenho um complexo de esquilo e sou estoquista. Tenho tudo que preciso na minha casa e em grandes quantidades. Sou formado pela época da inflação, né? Quando tínhamos que aproveitar o preço que no outro mês subiria em 50%. A gente é herança do que acontece política e economicamente. O golpe de 1964 aconteceu quando eu tinha 11 anos e, praticamente, na frente da minha casa. Desde então, minha vida tem se passado sobre esse carrossel que é a política brasileira.

Você e Clebson, seu companheiro, com quem você assinou união estável, passaram a morar juntos na quarentena, no seu apartamento, no Rio. A música "Pra sempre", em que você o convida para dividir o lar, surtiu efeito, né?

Se ele não tivesse aceitado, eu ia ficar com a cara no chão ( risos ). Estávamos de férias no exterior quando a pandemia começou. Viemos no último voo da American Airlines para o Brasil, tipo a Arca de Nóe. O combinado era, na volta de Miami, a gente finalmente morar junto. E foi interessante: a gente confinado um ao outro depois de ter vivido em estados separados... Relação é como uma jangada: duas pessoas se ajudam a sobreviver às intempéries. Uma hora o mundo é convidativo, tranquilo e refrescante; outra hora, ele quer te dar um caldo.

Lulu Santos faz love de Dia dos Namorados Foto: Leo Aversa
Lulu Santos faz love de Dia dos Namorados Foto: Leo Aversa

Esse Dia dos Namorados jamais será igual ao que passou. Estamos no meio da "carentena", solteiros não podem sair para pegar gente... O que esperar de um sábado à noite no isolamento?

O que a pessoa quiser dela também... Tenho pensado que Dia dos Namorados é excludente. Ultimamente, até chamo de dia dos "amorados". Quando acabou a última live, tinham 3 milhões de pessoas assistindo. Amigos e amigas "solteirxs". Será que ali não estava quem eles estão procurando? É um ponto de encontro, né? Aproveitem! Encontrei meu marido em uma rede social, nós nos pescamos. Penso que essa pandemia que se abateu sobre a gente nos oferece a oportunidade de evoluir. Tem que buscar em si próprio uma renovação em busca da sobrevivência. Já dizia Charles Darwin: "Sobreviver é evoluir". Tem muita coisa chata e trágica, estamos atravessando talvez o pior momento das nossas vidas. Que a gente não disperdice a oportunidade de evoluir e tirar benefícios disso! Como já dizia o poeta maravilhoso Nelson Motta: "Tudo passa, tudo sempre passará".

Vai fazer dois anos que você e Clebson assumiram a relação. A percepção do público em relação à você mudou? Há carinho, mas também ataque?

A gente se adaptou a uma nova realidade, não ficamos presos a isso. Uma coisa bacana que a Fernanda Gentil disse sobre o processo dela foi que aconteceu com ela e o mundo não acabou. É isso. Tomar partido, sempre se toma. Quem gosta, gosta, que não gosta, não gosta.

Você postou um vídeo no Twitter em que diz: "Aqui é o gabinete do amor". Só o amor salvar esse mundo repleto de ódio, homofobia e racismo?

Primeiro vamos discutir como uma criança despenca do nono andar... Isso parece um filme do Kleber Mendonça pronto: "Um estrondo ao redor". Todos os componentes classistas que a tragédia brasileira tem na sua pior face. Acho que a garotada dos Estados Undos está dando uma demonstração do que fazer com essa energia agora.

Curioso é que o movimento ainda precisa vir de lá para os brasileiros se manifestarem, né?

Aqui chega de uma forma diferente. Talvez a gente não tenha uma coalizão em cima do fato. Acho que há a ideia oposta à opressão. Outro dia, li um texto o GLOBO dizendo que o Felipe Neto é uma representação clara do que seria uma oposição. O brasileiro se adaptou à rede social desde o Orkut. O país é muito grande, e isso encurta a distância, agrega as ideias. Acho que ali há uma movimentação. Não é uma questão de replicar o movimento das ruas do jovens americamos, mas eles estão mostrando a realidade deles. Agora, tem uma discussão mais importante sobre a questão da militarização da resposta a essa questão. Isso está rachando a própria cúpula do governo americano.

O que a gente pode fazer nesse momento é ler, se informar...

Sim, pensar. A energia é essa. A ainda que cada um na sua bolha, né? Não há outro jeito. Porque estamos diante de um fato que a gente tem que fazer oposição. As pessoas falam isso de direita e esquerda, mas há tantas coisas nessa discussão que parece que a gente está na década de 1960. Achei que nunca mais fosse ouvir a palavra comunista.

É muito mais complexo do que resumir em esquerda e direita, são muitas camadas, né?

Menina, um pavê! A realidade é um pavê ( risos ).

Ao revistar seu repertório, assistir à sua live, a gente percebe o quanto as suas músicas são atuais. "A cura", que você compôs durante a explosão da epidemia de Aids, "SOS Solidão", tipo um hino da quarentena...

Elas tomam um significado novo. O que vai acontecer, de uma forma ou de outra, a gente já sabe: vacina. Sou uma pessoa realista. E,como bom realista, sou mais para pessimista. Mas não consigo deixar de ver a vida melhor no futuro. Se você olhar historicamente, o fascismo foi derrotado toda vez que veio à tona.

Recentemente, tuitou a seguinte frase: "Hoje acordei, li as notícias e fiquei com a impressão de que o Estado, representado pelo governo, é uma ameaça à minha integridade física". Pode explicar?

Passei por tantas convulsões do Estado que, às vezes, parece que ele atrapalha a vida do cidadão. Claro que a ideia não é essa, é preciso acreditar numa ordem institucional, a gente se apoia no fato de tentar uma conversa pacífica, com diferenças de ideias. Mas, muitas vezes, a atitude... O Plano Collor, por exemplo... Aquilo me tirou muito o sono, gastou muita energia, foi difícil de me recuperar, sabia? Era uma terça-feira quando a Zélia ( Cardoso de Mello, então ministra da Economia ) anunciou o plano que confiscou a poupança da população. Eu estava com uma equipe de 22 pessoas indo para São Paulo fazer shows. Tinha que pagar diária, alimentação...As pessoas queriam comprar ingresso e não podiam. Foi uma quebra, um dos episódios mais bisonhos que aconteceram com a população. Eu passei por ele e quero uma compensação!

Você teve que interromper a turnê o disco "Pra sempre" por causa da pandemia. Pensa em retomá-la quando tudo acabar? Como vê esse cenário futuro dos shows?

Algum público, de alguma forma, haverá. As lives patrocinadas são um caminho. Para mim, o mais importante é manter o pessoal que trabalha comigo. Do meu irmão ao cara que bate a carga do caminhão. A classe artística está prejudicada, e a live já é uma resposta, porque tem o patrocínio. Isso tudo custa dinheiro, e a gente está oferecendo gratuitamente para quem quiser assistir. Os artistas estão fazendo a sua parte, trazendo conforto à Humanidade, de uma forma recompensada e estruturada pelos patrocínios. É um agradecimento e retribuição pelo fato de o público ser fiel, estar presente. O negócio precisa ser tocado, famílias dependem desse dinheiro. Basicamente, essas pessoas não são assalariadas, ganham se trabalham. A live é uma forma de evoluir essa história. O futuro digital é o melhor para o momento. As pessoas ouvem em casa, em seus fones. Outro dia, pela primeira vez, me contaram que estavam nos consultando para um show em drive-in. Achei interessante.

No climão de amor da sua live, há alguma poesia ou letra que queira dedicar ao Clebson no Dia dos Namorados?

A canção "Tão bem", do disco "Tudo azul", de 1985. Ela está nesse contexto super romântico, mas atualizei a letra. Em determinada parte, em vez de cantar a estrofe, digo: "Deixar de cantar essa cantiga, que ainda que sincera quando escrita, já não representa mais a minha condição. Também achei injusto na hora que chega bem no refrão, acaba de deixar de fora mais da metade da população. É que só uma mina gay ou cara hétero seriam capazes de cantar as palavras com sinceridade e convicção. Ressignifico o pronome nessa intervenção para que todos nós, todos os gêneros, possamos compartilhar a emoção da canção" E continuo: "Ele demonstrou tanto prazer estar em minha companhia/ Que eu experimentei uma sensação que até não conhecia.../  Ele me faz tão bem, ele me faz tão bem/ Que eu também quero fazer isso por ele".