Cultura

Manifestantes com roupas de 'Round 6' na Coreia do Sul expõem os 'problemas reais' do país, diz especialista

Daniela Mazur, pesquisadora vinculada ao MidiÁsia, enxerga uma relação entre o protesto e a condição dos personagens do K-drama: 'todos os dias é um jogo para se manterem vivos até mesmo em necessidades extremamente básicas'
Manifestantes vestidos como personagens de 'Round 6' em ato por melhores condições de trabalho na Coreia do Sul Foto: YONHAP NEWS AGENCY / REUTERS
Manifestantes vestidos como personagens de 'Round 6' em ato por melhores condições de trabalho na Coreia do Sul Foto: YONHAP NEWS AGENCY / REUTERS

RIO — Repercutiu nesta semana nas redes sociais um vídeo de manifestantes na Coreia do Sul vestidos como personagens do K-drama "Round 6" , que se tornou a série mais assistida da Netflix de todos os tempos. A cena, mostrada num post de Twitter feito pelo jornalista Lim Yun Suk, chefe da sucursal do "Channel News Asia" na Coreia, recebeu mais de 500 mil visualizações.

Segundo a imprensa local, o protesto foi organizado pela Confederação Nacional dos Sindicatos e visou a exigir melhores condições de trabalho e aumento do salário mínimo. No entanto, não foram só os fãs da obra que foram atraídos pela postagem. Especialistas em cultura sul-coreana perceberam que havia algo simbólico na escolha daquela vestimenta. Entre eles, estava Daniela Mazur, doutoranda do Programa de Pós-graduação em comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM/UFF), que compartilhou as imagens em seu perfil no microblog, com um breve comentário resumindo a situação.

'Round 6': Diretor explica final e adianta detalhes de uma possível segunda temporada

"É lindo ver o povo que entendeu de verdade o drama se utilizando da narrativa para mandar uma mensagem direta através de referências de um produto de grande popularidade. 'Squid Game' (nome em inglês da série usado em outros países que traduz o título original, "오징어 게임") é uma história ambientada na Coreia do Sul que fala SOBRE a Coreia do Sul e seus problemas reais", afirmou Mazur em sua postagem, que também repercutiu, somando quase 3 mil curtidas até a noite desta quinta-feira.

Leia mais: Série 'Round 6' vira sensação ao ter desigualdade da Coreia do Sul como espelho da disparidade de renda mundial

Pesquisadora vinculada ao Grupo de Pesquisa em Mídia e Cultura Asiática Contemporânea (MidiÁsia), Mazur comentou que percebeu uma relação entre a condição daqueles trabalhadores e o contexto em que estão inseridos os personagens de "Round 6".

— Os trabalhadores que foram às ruas para demandar melhoras nos direitos trabalhistas apontam, com suas fantasias remetendo a "Round 6" e seus símbolos, que estão sofrendo frente às injustiças para conseguirem se manter e terem uma vida digna, assim como os personagens do drama.

Na onda do K-pop: como a Hallyu fez do Brasil o terceiro maior consumidor de K-dramas na pandemia

Protesto por melhores condições de trabalho da Confederação Nacional dos Sindicatos da Coreia do Sul reuniu milhares de manifestantes em Seul Foto: YONHAP NEWS AGENCY / via REUTERS
Protesto por melhores condições de trabalho da Confederação Nacional dos Sindicatos da Coreia do Sul reuniu milhares de manifestantes em Seul Foto: YONHAP NEWS AGENCY / via REUTERS

Segundo o jornal coreano "Maeil Business", o sindicato estimou que 550 mil de seus membros realizaram uma greve em seus locais de trabalho na quarta-feira, enquanto 80 mil teriam participado de atos em 13 cidades de todo o país, incluindo 27 mil em Seul, onde eles não tiveram permissão do governo para se reunir devido às medidas contra a pandemia , que impedem aglomeração. Apesar da proibição e do risco de serem presos, houve uma participação expressiva. E sobre esse contexto da Coreia do Sul, Mazur destacou que o país "passa por sérios problemas de dívidas pessoais e falta de emprego, além de jornadas de trabalho extremamente longas e bolha imobiliária especialmente na capital Seul". Diante disso, ela reforçou o quanto o K-drama acaba expondo a realidade da população.

— A lógica do K-drama apresenta os participantes coaptados como peões do jogo, os trabalhadores mascarados que fazem o jogo acontecer e aqueles que organizam e patrocinam o jogo — descreveu.

Veja: Trailer de Round 6 feito por fã imagina segunda temporada da série

Mazur destacou ainda o fato de os jogadores estarem numa "situação de risco e vulnerabilidade a fim de sobreviver em uma sociedade em que o dinheiro está acima de tudo e a vida humana vale muito pouco".

— Então a dinâmica que se apresenta a eles (personagens em "Round 6") é de sobrevivência a todo e qualquer custo — acrescentou. — Apenas quem se diverte e ganha com essa carnificina são os VIPS, aqueles que estão no topo dessa lógica com suas fortunas milionárias.

Podcast: Round-6, K-pop e a febre da indústria cultural sul-coreana

Assim, para a pesquisadora, mesmo que os jogadores tenham ido à competição "por livre e espontânea vontade", eles não têm escapatória.

— Todos os dias é um jogo para se manterem vivos até mesmo em necessidades extremamente básicas, tanto dentro do "Squid Game", quanto fora — declarou. — Ninguém ali está realmente livre, todos estão desesperados exatamente por estarem presos a essas injustiças e desigualdades sociais inerentes aos seus cotidianos.