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Cultura

Marcelo D2, desiludido com o Rio, pensa em morar na Califórnia e virar streamer

Em conversa para a série de vídeos 'Entrevista na janela', artista carioca conta como foi transmitir ao vivo o processo de gravação do nono álbum, 'Assim tocam os meus tambores', diz que está 'desiludido' com o Rio, pensa em se mudar para a Califórnia e virar 'streamer'
Marcelo D2 em Entrevista na Janela Foto: O Globo
Marcelo D2 em Entrevista na Janela Foto: O Globo

SÃO PAULO — A ampla janela de seu apartamento no Leblon, onde conversou com o GLOBO para a série de vídeos “Entrevista na janela" não foi a única que conectou Marcelo D2 ao mundo exterior nos últimos meses. As janelas de seu computador fizeram ligação direta com diversos parceiros (da linha de Russo Passapusso, Juçara Marçal, Djonga e Jorge Du Peixe) durante as sessões de gravação de seu nono disco, o inesperado (até para ele) "Assim tocam os meus tambores". D2 abriu a câmera e mostrou todo o processo de criação e composição do álbum em transmissões na plataforma de streaming Twitch: das pesquisas de referência à produção das batidas (e os almoços de família aos sábados), nada deixou de ser mostrado.

Na conversa com o GLOBO, o artista, um grande personagem da cidade de sua geração, fala da desilusão com o Rio e revela planos de morar na Califórnia, investindo na carreira de streamer e criador de conteúdo digital.

— Parar um pouco de depender só de show, né? Tô ficando velho — brinca enquanto fala sério, aos 52 anos, no melhor estilo D2.

Em uma conversa por telefone com o repórter Luccas Oliveira, enquanto era gravado por um drone, Marcelo D2 falou do seu novo disco 'Assim tocam MEUS TAMBORES' produzido em lives durante a pandemia. O rapper também comentou sobre a possibilidade de deixar o Rio de Janeiro e se mudar para Califórnia.
Em uma conversa por telefone com o repórter Luccas Oliveira, enquanto era gravado por um drone, Marcelo D2 falou do seu novo disco 'Assim tocam MEUS TAMBORES' produzido em lives durante a pandemia. O rapper também comentou sobre a possibilidade de deixar o Rio de Janeiro e se mudar para Califórnia.

Estar na janela, valorizar que tem uma vista, era algo que você fazia antes da pandemia?

Especialmente nesse apartamento aqui. Eu o escolhi por causa desse janelão, sabe? Tem um pôr-do-sol bonito aqui. Mas eu tenho que dizer que valorizo mais [a vista] agora do que antes. Tenho o privilégio de ter essa janela gigante na sala. Nesses momentos sombrios, ela tem sido um lugar essencial nessa casa.

Você criou o disco dentro de casa, usando diferentes janelas virtuais. Esse disco só existe por causa do coronavírus?

Nem tinha pensado nele, eu não iria fazer esse disco se não fosse essa janela aberta pela pandemia, se não fosse a quarentena.

O disco tem um lado que se conecta às religiões de matriz africana e ancestralidade, de um jeito que você não tinha usado ainda.

O tambor é um instrumento muito religioso, é por si só uma entidade, um mensageiro. Sempre esteve ali, com o samba, meio que escondido. Eu sempre gostei muito disso e usei pouco na minha música. Nesse disco, o nome naturalmente levou a esse caminho. Eu escolhi o nome antes de qualquer coisa.

E a presença do (historiador carioca) Luiz Antônio Simas foi muito forte. Ele entrou numa live minha e contou uma história que está no disco, narrada pelo Criolo (a faixa "Tambor, o senhor da alegria"), e esse conto mexeu muito comigo: é sobre o Ng'oma, o primeiro tambor do mundo. Acho que vai ser a minha tônica daqui pra frente: quero fazer o volume 2 do disco, acho que vou entrar mais ainda nesses tambores.

Outro lado do álbum é o que fala do amor e da intimidade, com a sua mulher, a produtora Luiza Machado, participando do filme e cantando em algumas faixas. Seus filhos também aparecem. Por que trazê-los para frente da câmera agora?

Esse disco me tirou do lugar de ódio e raiva em que eu estava antes com essa situação do país, pandemia e tudo mais, para um lugar de empatia. A gente foi achando espaço para cada um aqui de casa. A Luiza é uma baita artista, quero muito que trabalhe mais comigo nessa parte, ela trabalhou até pouco nisso, podia ter feito mais na parte de arte e ficou muito na produção.

Marcelo D2 na intimidade de sua casa com sua mãe, durante as sessões de gravação do disco 'Assim tocam meus tambores' Foto: Divulgação / Alex Machado
Marcelo D2 na intimidade de sua casa com sua mãe, durante as sessões de gravação do disco 'Assim tocam meus tambores' Foto: Divulgação / Alex Machado

O disco foi todo feito à distância?

Tudo, nada de estúdio, eu daqui olhando tudo, fazendo as lives. Não encontrei ninguém do disco. A única pessoa que veio aqui em casa foi o Pedro Garcia, baterista do Planet Hemp, para gravar minha voz aqui na sala , eu estava com medo de fazer sozinho e ficar ruim. É um disco feito numa pandemia, feito todo dentro de casa via live. Tentei ser o mais esperançoso possível e buscar uma saída para esse momento que estamos vivendo, nas letras, estética, em tudo, mas a ideia do disco era retratar esse momento.

Com a experiência de dividir o processo de criação com os fãs, sente que cada vez mais a arte fala mais com o seu próprio público?

A gente está total se fechando no nosso lugar. Eu não gosto, eu quero falar com todo mundo, espero que esse disco alcance todo mundo, que as pessoas ouçam e se sensibilizem, pensem no que está ali.

Nas poucas vezes que você saiu de casa, tocou para uma arena vazia (Jeunesse Arena) e num estádio com carros (Allianz Parque). Experiências inesperadas, né?

Estamos vivendo num momento distópico e aquilo ali foi o retrato disso. Quando eu vi o ginásio totalmente vazio, eu sozinho lá no meio, e o estádio de futebol cheio de carro, falei “cara, esse é o lugar mais distópico que consegui imaginar”.

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O Zegon, um dos produtores do disco, contou que você está pensando em ir morar na Califórnia. É isso mesmo?

Estou pensando muito. É meu sonho desde moleque, quando comecei a andar de skate, mas não consegui morar lá ainda. Agora, nesse momento, se eu conseguir me firmar nesse lugar de streamer, de me comunicar, vai acontecer... Show agora vai ser muito difícil, e esse lugar aqui está muito bom para mim, cara, eu consigo fazer mais do que só performance de show, sabe? Isso para mim é muito importante. É mais do que só beat e rima. E quero depender menos do shows. Estou ficando velho, né (risos).

Você é um símbolo carioca, pelo sotaque, gírias, mas quer mudar de cidade. Está desiludido com o Rio?

Estou bem desiludido. A política do Rio massacra o que o carioca tem de melhor, e isso está me deixando bem triste. Não que já tenha sido muito melhor ou pior, não era uma Suíça há cinco ou dez anos, mas com o tempo eu tenho lutado contra essa falsa guerra às drogas e nada, tudo isso me deixa num lugar de desesperança. Eu quero morar no meio do mato. Na Califórnia, seria isso, perto de Los Angeles, mas no meio do mato, é o que eu estou buscando para mim.


Marcelo D2, no centro, com mais dois integrantes do grupo Planet Hemp durante a prisão na Coordenacão de Polícia Especializada (CPE), em Brasília.
Foto:
Ivo Gonzalez
/
Arquivo O Globo - 10.11.97
Marcelo D2, no centro, com mais dois integrantes do grupo Planet Hemp durante a prisão na Coordenacão de Polícia Especializada (CPE), em Brasília. Foto: Ivo Gonzalez / Arquivo O Globo - 10.11.97

Seus tambores hoje tocam da mesma forma que tocavam lá em 1997, quando foi preso com o Planet Hemp em Brasília por apologia a maconha?

A primeira vez que eu percebi que tinha um disco novo, há uns meses, a partir desse momento tive a mesma sensação que senti em 1995 quando lancei o primeiro disco do Planet Hemp, com a ideia de que queria revolucionar, mudar o mundo. Acho que esse disco tem uma posição muito bonita para mim de me botar nesse lugar.

Um dos versos do disco novo fala algo como "se fosse por dinheiro, eu não tava mais nisso". O que pode ser dúbio, de certa forma. Você ganhou muito? Ou pouco?

Eu costumo dizer que eu ganhei mais do que eu preciso e menos do que eu mereço. (risos)

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Como você se vê saindo desa temporada de lives, essa troca única com o público?

Eu sou o tipo de cara que a procura para mim vale muito, levantar e buscar coisa nova, assim. Essa maneira de fazer esse disco me renovou muito, me deixou com uma sensação que tem caminhos pela frente, não importa a idade, o lugar em que você está. Dá para ser criativo. Para mim, o caminho a percorrer ainda é muito longo, muita coisa pra fazer, estou buscando me afirmar nesse lugar de diretor, o que não quer dizer que eu vou fazer menos música. A revolução digital está só no começo. Temos muita coisa para descobrir, e isso me fascina muito. Estar participando, ativo, desse momento, e fazendo um álbum que seja relevante, para mim é muito importante.

Falamos desde a primeira semana da pandemia sobre como sairemos dela. Você é otimista ou pessimista?

Depende do dia. Ultimamente tenho estado mais pessimista, porque acho que a pandemia revelou o pior do ser humano. Lá no começo, quando todo mundo correu para comprar papel higiênico, eu vi que seria uma loucura. Sabe o ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro”? Isso me incomoda muito. Neste momento, estou pessimista.