Cultura

Marcelo Moutinho lança coletânea de crônicas em live nesta quinta-feira

Evento tem participação do escritor e historiador Luiz Antônio Simas
Marcelo Moutinho, autor do Livro "Rua de dentro" Foto: Leonardo Aversa : Leo Aversa
Marcelo Moutinho, autor do Livro "Rua de dentro" Foto: Leonardo Aversa : Leo Aversa

Marcelo Moutinho acredita que a principal característica do olhar do cronista é a sensibilidade para a miudeza. Para onde a maioria das pessoas não está olhando, é para onde ele olha. Prestes a lançar sua segunda coletânea de crônicas, "A lua na caixa d'água" (Malê), ele admite que pensou em adiar o lançamento do livro por causa da pandemia. Afinal, não anda fácil enxergar beleza em meio à tanta morte e brutalidade. Mas uma passagem da obra do autor italiano Italo Calvino o fez seguir em frente na empreitada.

— No final do "Cidades invisíveis", tem uma frase que diz que, quando a gente está no inferno, precisa procurar o que não é inferno dentro do inferno — diz o escritor carioca, um contista premiado. — Me lembrei também de uma frase do (escritor e historiador Luiz Antônio) Simas, que nosso maior ato revolucionário nesse momento é reiterar a potência da vida contra a morte. Por isso, decidi que deveria lançar o livro, fazer a live de lançamento.

O lançamento do livro acontece nesta quinta-feira, às 19h, com uma live no canal da Livraria da Travessa no YouTube. O bate-papo terá mediação do jornalista Leonardo Lichote e participação de Simas.

A coletânea, dividida em três partes, faz uma celebração do gênero da crônica a partir do universo ficcional do próprio Moutinho, observado nos contos de "Rua de dentro" (2020) e "Ferrugem" (2017). Na primeira parte, estão presentes a infância, a casa, o subúrbio, a família. A segunda, coloca a luz sobre a cidade e seus personagens, conhecidos e desconhecidos. Por fim, a terceira parte é composta por apenas um texto, uma carta para 2065 para sua filha, Lia. A menina, de seis anos, é personagem onipresente das narrativas do cronista e atravessa todo o livro.

Moutinho reconhece Lia como quase um fio condutor da coletânea, desde a ultrassonografia que vai revelando a nova vida até a mulher de 50 anos a quem ele escreve na última crônica da obra. As pequenas grandes descobertas da filha também funcionam para o cronista como uma redescoberta do mundo. Por outro lado, sua presença opera também como uma espécie de elo entre o passado, o presente e o futuro do próprio autor, um movimento que acaba se refletindo nas crônicas do livro.

— A Lia me leva para trás ao me trazer para frente. Eu vejo nela um traço do rosto da minha mãe, o jeito que meu pai falava. Isso me dá uma perspectiva de ascendência, o que ficou em mim da memória deles, que tipo de herança eu trouxe dali e estou deixando para ela. O livro também reproduz esse movimento de passado, presente e futuro. Começa na infância, na minha e dela, vai para a rua, que é quando saímos de casa, e depois para o futuro.

Além de Lia, "A lua na caixa d'água" é dedicado também a Aldir Blanc, morto há um ano vítima da Covid-19. O título, que batiza a crônica de abertura escrita especialmente para a coletânea, é uma síntese do próprio ofício do cronista, na visão do escritor carioca. A imagem foi tomada emprestada de uma crônica de Aldir, em que o compositor relembra a madrugada que o avô o levou para ver "a lua da Zona Norte", refletida na caixa d'água da casa em Vila Isabel. Estão ali o sublime e o ordinário, o banal e o fantástico. Para Moutinho, a obra de Aldir representa uma educação estética e sentimental que ele quis homenagear no livro.

— Esse é o movimento da crônica, procurar o extraordinário no ordinário. Decidi chamar o livro assim e abrir como homenagem a ele, mas também porque é como se fosse uma carta de intenções e uma homenagem à própria crônica — explica.

A coletânea reúne textos publicados no site Vida Breve — depois da publicação da seleta de crônicas "Na dobra do dia" (Rocco) —, textos publicados em jornais e os mais recentes, na coluna quinzenal no jornal "Rascunho". A pandemia e o isolamento social dificultam o trabalho do cronista, sem a cidade para servir de inspiração. Moutinho cita Walter Benjamin, para quem o cronista deve andar na cidade como se estivesse perdido numa floresta, com os sentidos aguçados.

Mais preocupada com as singelezas do cotidiano do que com as grandes questões, o escritor vê a crônica viva nos flancos, depois de ter perdido seu espaço no palco principal da imprensa. No mercado editorial, também enfrenta dificuldades para vencer a hegemonia da narrativa longa, apesar do sucesso de coleções como "Para gostar de ler". Sinal dos nossos tempos.

—Vivemos tempos em que as pessoas estão cheias de certezas, perderam a capacidade de ficar em dúvida, de se colocar em questão. Os espaços estão mais voltados para a opinião, e não falo só da pandemia — aponta Moutinho. — Talvez seja emblemático que um gênero que não está no holofote procure o que é pequeno, o que está escanteado, e ocupe essa mesma posição no mercado.