Cultura

Maria Ribeiro se despede de Fernanda Young: 'Ela era punk e devota, terço e cinta liga'

'Fernanda era daquelas mulheres que, apenas cumprindo sua psiquê nos libertava de tudo o que não era natural, e sim, convenção'
Maria Ribeiro publicou foto com Fernanda Young no Instagram Foto: Reprodução/Instagram Maria Ribeiro
Maria Ribeiro publicou foto com Fernanda Young no Instagram Foto: Reprodução/Instagram Maria Ribeiro

RIO — Fernanda Young gostava de se vestir de noiva. E também de posar pelada. Gostava de plano de saúde. De apartamento na planta (“sou touro, amor; ridiculamente terra”). De feijão preto. Tatuagem. Cerveja. Batom vermelho. Post it.

Fernanda Young gostava de mudar o cabelo. Corte, cor, textura, penteado. Isso quando não tava de lenço. Ou de chapéu. Ou usando tranças e flores à la Frida Kahlo.

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Fernanda Young gostava de Frida Kahlo. E também da Madonna. E da Marisa Orth. E da Hebe. E da Virgina Wolff. E da Virgem Maria. Fernanda era Maria. Um nome seguido do outro. Era punk e devota, maternal e vingativa, metódica e provocante, terço e cinta liga.

Fernanda Young gostava de desenhar. E também de bordar, escrever, fazer orçamento. De aparecer, de se esconder, de chocar, seduzir, surpreender, ser do contra. É responsável, praticamente sozinha, por tornar minha existência possível. Ou viável. Assim como Leila Diniz, era daquelas mulheres que, apenas cumprindo sua psiquê — como se isso fosse pouco — nos libertava de tudo o que não era natural, e sim, convenção. Sim, quero ter filhos. Sim, quero escrever livros. Sim, quero ser respeitada — e tambem desejada, e sair nos cadernos de cultura, e na "Playboy", e falar coisas incríveis, bobagens, mais incríveis ainda, e ser de um jeito, e depois, de outro, ou então ser de dois jeitos ao mesmo tempo.

Estamos na tal primavera feminista, e ai de quem não perceber a importância de todas as hashtags e movimentos. Dito isso, neste agosto de 2019 e ainda sob o impacto de uma noite virada em cima de áudios e saudades, eu gostaria de dizer que Fernanda Young foi mais feminista que todas nós, e sua morte deixou transparente o tanto de estrada que ainda temos pela frente.

Fernanda foi louvadíssima em sua morte, mas e em vida? Será que estávamos preparados pra alguém que queria fazer selfie e ir pra Flip? Será que damos conta das duas coisas? Ou só agora perceberemos que seu talento — ao lado do seu parceiro de amor e trabalho, Alexandre Machado, ou não — mudou pra sempre o humor da televisão brasileira?

Obrigada, Fernanda. Sei que o certo agora era dizer “derrama o leite bom também para os caretas”, mas, no atual momento do Brasil, tô mais identificada com a tua fase revoltada. E como você bem disse na sua última coluna aqui nesse jornal , não tem nada mais cafona do que não amar você.