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Cultura

Marina Íris prepara disco de sambas românticos inspirado no impacto da pandemia nas relações amorosas

Relacionamento da cantora com viúva de Marielle Franco também foi afetado; Péricles, Lenine, Diogo Nogueira, entre outros, fazem participação especial
Marina Íris: relacionamento com Monica Benício passou por turbulências na quarentena, mas elas estão se reaproximando Foto: Berg Silva / Divulgação
Marina Íris: relacionamento com Monica Benício passou por turbulências na quarentena, mas elas estão se reaproximando Foto: Berg Silva / Divulgação

“Vamos falar de amor?” O bordão que serve de deixa para puxar repertório romântico nas rodas de samba conduz o novo trabalho da cantora e compositora carioca Marina Íris , de 37 anos. Não que a artista, conhecida pelo engajamento que a levou a batizar seu último disco (praticamente, um manifesto) de “Voz bandeira” (de 2019), tenha deixado de lado as lutas feminista e antirracista. Essas causas não só marcam sua trajetória como constituem sua identidade. Mas o impacto gerado pela pandemia nos relacionamentos amorosos — inclusive no seu, com a vereadora Monica Benício , viúva de Marielle Franco — inspiraram Marina a gravar um EP todo dedicado ao sentimento.

Marina Íris buscou reproduzir sonoridade das rodas de samba no novo trabalho Foto: Berg Silva Divulgação
Marina Íris buscou reproduzir sonoridade das rodas de samba no novo trabalho Foto: Berg Silva Divulgação

Composto por seis canções que seguem uma linguagem mais popular, “Virada” traz convidados como Lenine , Moacyr Luz, Diogo Nogueira, Renato da Rocinha, entre outros, e será lançado no final de maio. Antes disso, sai o single que dá nome ao trabalho. Parceria de Marina com Manu da Cuíca, a música foi gravada em dueto com Péricles, um expert do pagode romântico.

Moacyr Luz: " Samba sem aglomeração é como gol sem abraço "

— Continuo sendo uma cantora-militante-lésbica-flamenguista — brinca a ex-professora de literatura nascida no Méier. — Como mulher preta, acho que falar de afeto é transformador. E, no isolamento, tudo mudou nos relacionamentos, né? Houve ou a reafirmação de um pacto de convivência e construção cotidiana ou o rompimento.

No caso de Marina, aconteceu a primeira opção. Ela e Monica precisaram passar por um “freio de arrumação”. Chegaram a se separar na quarentena e, agora, estão se reaproximando. E num clima de romance. No dia desta entrevista, Marina precisou interromper a conversa para atender ao interfone. Era o entregador das flores enviadas por Monica.

Algumas músicas do EP, a artista compôs pensando especificamente no próprio relacionamento. É o caso de “Pra tudo mudar”, parceria com Moacy Luz, que diz: “Engrossa o caldo com carinho e confiança, pois se a vida balança, nada do amor entornar/ E se o tempo esfriar o que foi chama, sabedoria é a dama da paixão, um belo par”.

Se não é fácil enfrentar as rusgas provocadas pela convivência intensa da quarentena, imagina estar no lugar de companheira da mulher que viveu durante 14 anos com Marielle, cuja vida foi interrompida tão violentamente? Também não é simples para Monica se relacionar com alguém após a tragédia. As duas conversam muito sobre esse assunto. Não sem dor.

— Se a gente pudesse, voltava no tempo. Mesmo que significasse o não surgimento do nosso amor. Isso não me incomoda, seria a vida seguindo de outro jeito — analisa Marina. — Nunca vou representar uma substituta, isso não existe. Não há comparação, a não ser no fato de sermos duas mulheres negras militantes.

Um aprendizado colhido pela compositora nessa relação foi o de jamais cobrar uma prestação de contas da namorada sobre o que ela sente em relação à antiga parceira.

— O sentimento da Monica pela Marielle é dela, e não meu. Tenho um respeito profundo por ele, que me faz admirá-la mais ainda.

A valorização da individualidade foi outro ganho.

— Sempre vivi relações muito simbióticas. Mas quando alguém é atravessado por uma história tão forte como essa, é preciso respeitar, dar espaço.

Toda forma de amor

No EP, Marina canta vários aspectos do amor. Não só o reencontro, como a separação (“sou daquelas que aproveitam a cebola para chorar por amor, mas tento sofrer com dignidade”, brinca). O rompimento é o tema da canção “Virada”.

— Existe a expectativa de que as separações são sempre traumáticas. Quero falar do amor também como entendimento da liberdade e do respeito ao outro. Entendo que nem sempre dá para ficar amigo de ex, mas vivemos um tempo em que atos de violência são justificados como amor demais. Mulheres são agredidas ou mortas por homens que não aceitam a separação.

A ideia de convidar Péricles para gravar a música veio como tentativa de falar sobre esse tema para fora da bolha.

— Por ser lésbica, achei interessante colocar outra perspectiva. O assunto separação amigável na boca de um homem tem um significado importante, vai na contramão dessa realidade perversa em que os homens são opressores das mulheres.

Na visão de Marina, Péricles é a escolha perfeita para espalhar a visão na direção de um público mais amplo.

— É um artista que ultrapassa fronteiras. Da minha mãe à filha de 17 anos de um amigo, todos gostam. Uma figura querida cantando que amor é seguir amando também quando o amor acaba pode ajudar a mexer em algo.

Por enquanto, Marina mexe é com o vazio provocado pela falta de um pandeiro e de um tamborim. Tenta preencher um tiquinho dele reproduzindo, no trabalho, a sonoridade da roda de samba Balaio Bom, que fazia na era pré-pandêmica.

— Os músicos da roda fazem a base musical das canções. Gravaram tocando juntos, ainda que separados no estúdio. Mas a verdade é que a experiência da roda não pode ser reproduzida. A palma de mão do público, a chegada de alguém que representa uma mudança de repertório, um copo que cai e lembra outro samba... Mas, assim que der a gente volta.

Ai, que saudade...