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Cultura

Marina Íris junta time de notáveis no disco ‘Voz bandeira’

Cantora com ‘o Brasil na dicção’, como diz Leandro Vieira, lança álbum que reúne artistas mulheres de várias gerações
Marina Íris levanta diversas bandeiras no sambas de seu terceiro álbum solo Foto: Pedro Curi / Divulgação
Marina Íris levanta diversas bandeiras no sambas de seu terceiro álbum solo Foto: Pedro Curi / Divulgação

RIO — Em março deste ano, Marina Íris cantou na Câmara dos Deputados, em Brasília, o samba-enredo da Mangueira “História para ninar gente grande”, durante uma sessão solene em homenagem a Marielle Franco . Logo após sua performance, o carnavalesco da escola campeã do carnaval deste ano, Leandro Vieira , publicou um texto emocionado: “O certo é que nada, nem ninguém, falta na ‘voz bandeira’ de Marina Íris. Em sua dicção está o Brasil”, diz um trecho. Foi ali, no meio daquela declaração, que surgiu a ideia que inspirou seu terceiro álbum solo, “Voz bandeira”, disponível nas plataformas digitais.

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— No geral, as pessoas elogiam as vozes dos intérpretes referindo-se ao timbre, à interpretação, à emoção, à potência... — conta Marina, famosa em rodas de samba cariocas por seu vozeirão — O Leandro fez essa descrição sobre como minha voz carrega outras vozes, como carrega um Brasil, assim como canta o samba da Mangueira.

“Voz bandeira” traz na ginga dos tambores a base para a cantora soltar a letra sobre questões como racismo, feminismo, ocupação do espaço público, liberdade, dança, a força da palavra e do som. Para tecer essa manhã de samba e luta, Marina trança música e poesia, convidando grandes artistas negras contemporâneas para a roda, em duetos musicais e faixas com declamações de textos.

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Assim, o grito de Marina no disco é apanhado por Elisa Lucinda, que o lança para Ana Maria Gonçalves, e daí para Fabiana Cozza , Leci Brandão , Conceição Evaristo e Marcelle Motta — vozes que vão tecendo essa alvorada de coro feminino.

— É um encontro geracional de mulheres que ocupam diferentes territórios — diz Marina, sobre o álbum, que é parte do projeto “Joia ao vivo”, da gravadora Joia Moderna. — E a roda de samba é justamente essa costura de vozes, do encontro, da ancestralidade.

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Já na abertura do disco, o samba sincopado “Voz bandeira” (parceria da cantora com Raul DiCaprio) traz versos como “Canto pra libertar corpo, alma, prazer” que sintetizam essa valentia forjada pela potência da música. É essa postura afirmativa que também se ouve em canções como “Pra matar preconceito” (Raul DiCaprio e Manu da Cuíca), hit cantado na palma da mão em dez de dez rodas de samba do Rio de Janeiro (“Sou Zezé sou Leci / Mercedes Baptista, Ednanci”).

Assim como em “Rueira”, seu último disco, o novo trabalho de Marina aposta numa sonoridade bem urbana, com a direção musical assinada por Ana Costa. O trabalho incorpora elementos do soul para dentro do tradicional ponto firmado do samba com cavacos, violões, pandeiros e tambores.

Arte do carnavalesco Leandro Vieira para o disco de Marina Íris Foto: Divulgação
Arte do carnavalesco Leandro Vieira para o disco de Marina Íris Foto: Divulgação

Em “Velha senhora” (de Teresa Cristina e Leandro Fregonesi), por exemplo, atabaques e teclado se misturam para evocar a orixá Nanã. Já em “Mana que emana” (Thiago da Serrinha e Bruno Barreto) é o toque da guitarra africana que tempera o caldeirão sonoro fervido por Marina.

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O disco também traz uma gravação de “História pra ninar gente grande”, que tem entre seus compositores Manu da Cuíca , vencedora novamente da disputa pelo samba-enredo da Mangueira neste ano (“A verdade vos fará livre”, em parceria com Luiz Carlos Máximo). Amiga de Marina desde os tempos da faculdade de Letras, que as duas cursaram na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Manu assina quatro canções das 11 que formam o disco.

O espírito guerreiro e militante do trabalho também está expresso na arte de capa de “Voz bandeira”, feita pelo próprio Leandro Vieira. Inspirado nos estênceis que pipocam pelas ruas das cidades brasileiras com mensagens de<SW><YR> protesto e desenhos de arte urbana, o trabalho traz o rosto da carioca, de 35 anos, nascida no Méier.

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Sobre os sambas de hoje, a cantora não tem dúvidas:

— Estamos em um momento em que cortes de verba para o Trem do Samba, por exemplo, mostram que existem movimentos contra a cultura popular e ameaças à democracia. Por isso, o samba tem realmente voltado a ter um discurso combativo mais claro, para evitar retrocesso. E meu trabalho é de afirmação pelo enfrentamento, é o rio que enfrenta o mar.