SÃO PAULO E RIO — Aglomeração do público transforma um showzinho num showzaço, com milhares de pessoas juntas cantando a plenos pulmões. Por isso, os shows devem ser a última atividade cultural a ser retomada após a pandemia. E o seu “novo normal” promete ser muito diferente do que conhecemos:
— Medição de temperatura na entrada, máscaras obrigatórias e personalizadas à venda no estandes, fim do meet & greet [encontro programado de artista e fãs nos bastidores] e ambientes pensados para evitar o contato entre o público— aposta Arthur Deucher Figueiredo, advogado de entretenimento da Câmara de Comércio Brasil-Califórnia.
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Gigantes do mercado de espetáculos musicais como Live Nation e AEG formaram uma força-tarefa global em março para elaborar novos protocolos de proteção para o setor, com adiamento de todos eventos.
— Os shows continuam firmes e com pedidos de devolução de ingressos próximos de zero — diz William Crunfli, diretor da Move Concerts.
Drive-ins e residências
Associações do setor no Brasil trabalham em sugestões para as autoridades sobre a retomada do mercado, como uso inicial de um terço da capacidade dos locais, a depender do declínio do número de infectados pela Covid-19 e da capacidade hospitalar. O Allianz Parque, arena paulista que adiou para 2021 apresentações de estrelas como Billie Eilish e Taylor Swift, tenta alvará para fazer shows em formato de drive-in, com telas de LED de alta definição.
Empresários de artistas também já repensam estratégias para além das onipresentes lives de agora. A dupla Anavitória cancelou shows que faria neste ano nos EUA e na França. A pandemia também alterou os planos da cantora e ex-BBB Manu Gavassi: ela sairia da casa direto para uma turnê nacional.
— Assim como as lives, shows em drive-in ou com distanciamento não substituirão a experiência catártica de um show. Mas as lives serão uma opção na agenda: marcaremos turnê de norte a sul e uma ou outra data na internet também — diz Felipe Simas, empresário do duo e de Manu.
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Para os artistas, o desafio do momento é incomparável. O português Cristóvam, cantor de “Andrà tutto bene”, faixa que viralizou em março com um clipe sobre a luta de médicos durante a pandemia, estuda substituir a turnê que faria por residências artísticas em casas com público reduzido.
— Teremos ambientes mais intimistas, as pessoas estarão mais focadas em viver o momento e aproveitar as experiências — aposta.
Outro termo que ganhará notoriedade é o spot touring , shows em locais em que a incidência do vírus foi baixa ou nula. Lugares como Nova Zelândia, Grécia e o centro-oeste americano poderão retomar atividades antes.
— Nesses locais podem surgir novas rotas estratégicas para o entretenimento ao vivo. Mas permitir prematuramente eventos como eram antes pode arriscar vidas e prejudicar a imagem do mercado por décadas — alerta Figueiredo.
No Arkansas, EUA, o show que o cantor de country-rock Travis McCready havia marcado para 8 de maio seria um dos primeiros com distanciamento social e novas medidas sanitárias do mundo, mas foi cancelado. A a apresentação não foi autorizada — a recomendação segue sendo de eventos até 50 pessoas.
‘Salvar e ser salvo’
Conhecido como Rolinha, Alexandre Rossi, produtor do Circo Voador, questiona a viabilidade de abertura parcial.
— Só voltaremos quando for totalmente seguro receber o público. Qual é a graça de sair sem poder interagir? Se ficar o tempo todo preocupado de pegar uma doença, a experiência perde o sentido — pondera.
Vizinha do Circo, a Fundição Progresso criou a campanha “Salve salve, Fundição”, com vouchers que poderão ser trocados ao fim da pandemia por ingressos para shows de nomes como Maria Rita e Criolo.
— O momento é de ficar em casa. Mas conversamos com artistas, e todo mundo foi abraçando a ideia: salvar e ser salvo. Não resolve, mas é um alento — diz o diretor Uirá Fortuna.
Na Orquestra Petrobras Sinfônica, que segue ativa publicando vídeos em suas redes, o momento é de usar a experiência com a solidão a favor dos espetáculos.
— Estudamos muito em casa, a reclusão faz parte da nossa vida — diz o violinista Felipe Prazeres. — Mas a gente torce para fazer logo o que mais gosta: tocar para uma plateia.
Nos próximos dias, o cenário pós-coronavírus de teatro, artes plásticas, cinema, mercado editorial e tv.