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Henry Jenkins: 'O jovem é o guardião da cultura'

O autor de "Cultura da convergência" (Editora Aleph), Henry Jenkins é um dos principais pensadores do impacto das novas tecnologias na nossa vida. A caminho do Brasil para uma série de palestras organizadas pela empresa Os Alquimistas, da qual é conselheiro, e para lançar um blog em português, o americano conversou com a Megazine, por e-mail, sobre as diferenças (e semelhanças) entre os jovens de 2000 e os de 2010. Veja o que o filósofo acha de 'Lost

MEGAZINE: Qual é a principal diferença entre os jovens de 2000 e os de hoje em dia?

HENRY JENKINS: Em primeiro lugar, os pontos em comum das gerações são muito maiores do que as diferenças. Os adolescentes hoje ouvem bandas diferentes e adquirem música através de plataformas diferentes em relação aos de uma década atrás, mas o gosto de uma pessoa por música ainda é o indicador-chave da identidade pessoal e social de alguém para os jovens. Eles usam redes sociais diferentes e se comunicam com seus amigos através de mensagens de texto, mas criar um lugar para eles mesmos dentro do ambiente das escolas permanece um objetivo central da adolescência. A maioria das novas práticas digitais, que parecem alienígenas para os mais velhos, está servindo a propósitos que eles conhecem das suas próprias experiências de adolescentes. Dito isso, também existem diferenças significativas. Como por exemplo...

JENKINS: Como é continuar conectado com seus amigos não importando onde você está no planeta? E poder formar laços sociais intensos e íntimos com pessoas que você pode nunca conhecer cara a cara? Ou saber que as fotos que você tirou numa festa quando tinha 16 poderão voltar à tona numa entrevista de emprego quando você tiver 25? Pois elas duram para sempre on-line e podem ser acessadas por pessoas que não têm a ver com você em tese. São algumas das questões diferentes que adolescentes contemporâneos encaram. O salto entre a geração de 2010 e a de 2020 vai ser significativo como o que houve entre 2000 e 2010?

JENKINS: Estamos no meio de um período profundo e prolongado de transição de mídias, que está inspirando mudanças em todos os níveis - econômico, social, cultural, político, legal... E eu não vejo o ritmo da mudança diminuindo nos próximos tempos. Os jovens são sempre os primeiros a se adaptar às tecnologias e práticas culturais emergentes. Isso ocorre porque buscam achar um lugar só deles, onde pais e professores não podem ficar espiando. O jovem, então, personifica a mudança que as mídias estão trazendo e é, portanto, o guardião da maioria das práticas culturais. Na medida em que isso acontece, vão criando marcas no estilo e no gosto que sinalizem a identidade deles. Então, sim, acho que a juventude de daqui a dez anos vai ser significativamente diferente da atual. Que aspecto da filosofia colaborativa e do "faça você mesmo", tratada pelo seu livro, parece mais relevante para você agora?

JENKINS: Nas três últimas décadas, estudei a cultura dos fãs. Fãs são pessoas inspiradas por histórias que circulam através da mídia de massa, que pegam elementos dessas histórias e os usam como material bruto para sua própria expressão criativa, e que se aproximam devido à sua devoção a esses materiais culturais ricos. Não chamo de "faça você mesmo" e sim de "façamos nós mesmos", por causa da natureza profundamente colaborativa dessas formas de produção cultural. A fan fiction é um exemplo disso?

JENKINS: Sim. Os fãs conversam sobre ideias para histórias como se estivessem batendo papo no café da manhã; leem e comentam os materiais compartilhados entre eles; e constroem as plataformas nas quais circulam as suas criações. O escritor de fan fiction existe ao lado do cosplayer, que bola roupas e encarna personagens; o fã de música que cria, grava e circula faixas; o sujeito que reedita e remixa vídeos, e por aí vai. Esse tipo de cultura participativa existe há mais de cem anos, mas a internet a tornou acessível para um leque muito maior de participantes. As transformações que a rede trouxe já estão presentes em quase todo o Ocidente, mas pais e professores parecem não estar conseguindo aceitá-las. Por quê?

JENKINS: Alguns pais estão em negação; outros, em pânico. Os primeiros não veem mudanças ocorrendo, e os segundos temem as mudanças que estão vindo. Poucos estão achando o meio termo entre os dois, o que dá aos jovens espaço de sobra para navegar entre a negligência e o constrangimento. Acabei de escutar a história de um jovem, vindo de uma família religiosa, que ouviu dos pais que não poderia assistir a "Uma família da pesada" ou qualquer outro programa da Fox exibido na TV. O garoto assistiu na internet, então, e sem culpa, já que seus pais não determinaram restrições para o que ele faz on-line. Tenho um filho de 29 anos e posso dizer que, na maioria das vezes, ser pai é algo reacionário. Você não sabe qual é a maneira certa de fazer as coisas e acaba se baseando no que os seus pais fizeram, mesmo que eles tenham lidado com situações e tempos diferentes. O videogame ainda continua a ser demonizado por pais e professores, ou isso mudou?

JENKINS: Mudou, de certo modo. A boa notícia é que a próxima geração de professores provavelmente vai ter crescido jogando "Super Mario Bros" e, portanto, terá uma noção de para que os games podem ser usados. Os professores, hoje, são criaturas do livro e estão se tornando mais defensivos a respeito das novas mídias na medida que temem que a cultura impressa possa ser substituída pela digital. Mas hoje você encontra alguns professores que entendem o valor dos games como ferramentas recreativas e de ensino, que querem ver games melhores sendo desenvolvidos para que possam usá-los em sala de aula. Pessoas que podem valorizar o conjunto de técnicas de trabalho e liderança fomentadas por "World of Warcraft"; que podem entender as simulações de história e governança oferecidos por "Civilization" e "Sim City". Ou seja, houve algum avanço...

JENKINS: Sim. Mas, por outro lado, você vê escolas excluindo a maioria das formas de cultura participativa. Banindo não só jogos mas também Facebook, YouTube e Wikipedia. Está ficando mais difícil achar professores que acham que "Grand Theft Auto" vai transformar os estudantes em assassinos, mas ainda é comum ver professores que acham que videogames são uma mera distração para o aprendizado de verdade. Ficarei feliz quando as autoridades pararem de dizer para as crianças desligarem seus Xboxs para fazer seus deveres de casa, mas vai demorar muito para isso acontecer.