Cultura

Michael Jackson: Após filme com acusações de pedofilia, futuro da imagem do rei do pop é tema de debate

Documentário que chocou o mundo chega neste sábado ao Brasil e põe em xeque vida e obra do astro
Michael Jackson em dois momentos, com Wade Robson e James Safechuck Foto: Reproduções
Michael Jackson em dois momentos, com Wade Robson e James Safechuck Foto: Reproduções

RIO - A partir das 20h de hoje, quando a primeira metade do documentário “Deixando Neverland” for exibida na HBO (a outra vai ao ar amanhã, no mesmo horário), os brasileiros entram oficialmente no debate que dominou as seções culturais de jornais, sites e programas de TV internacionais nas últimas semanas: afinal, os depoimentos de Wade Robson e Jimmy Safechuck, supostas vítimas de pedofilia cometida por Michael Jackson, são suficientes para condenar o Rei do Pop? E, se forem, devemos parar de consumir o que ele produziu?

Desde que o filme estreou no Festival de Sundance, em janeiro, o barulho em torno dele não parou de crescer. E ficou ensurdecedor quando a produção chegou à televisão. Estudiosos da cultura pop, fãs, covers e imitadores de Jackson ainda tentam digerir o assunto para saber como se posicionar em relação a ele.

A discussão vem junto de outra, que a internet chama de “cancelamento” de artista. Desde o início do movimento #MeToo, denúncias de assédio contra celebridades levaram à berlinda também as obras delas. E muito se discutiu sobre Kevin Spacey, Woody Allen, Roman Polanski...

Agora, Michael Jackson é o alvo da vez. Há oito dias, produtores de “Os Simpsons” baniram o episódio do desenho que contava com a voz do músico. Além disso, o astro do hip-hop Drake excluiu de seus shows a música em que Jackson fazia uma participação póstuma. E rádios tiraram do ar canções do Rei do Pop.

— Somos governados pela emoção, e é em torno dela que organizamos a linguagem — diz a escritora americana Claire Dederer, que estuda esse fenômeno dos “cancelamentos”, quando um artista vira persona non grata entre fãs e indústria por má conduta, e prepara um livro sobre como maus comportamento e boa arte se relacionam. — Inundada por revelações amargas, a plateia fica indignada repetidamente. O público se emociona com o drama de denunciar o monstro.

Íntima da história do astro, a vencedora do Pulitzer Margo Jefferson, que escreveu o livro “On Michael Jackson”, reconhece: saiu do filme tão chocada com os depoimentos que pretende fazer uma nova introdução para o livro, que analisa o espaço ocupado por Jackson na cultura. Perguntada se pararia de ouvir a obra do cantor, porém, ela ponderou à revista “The Cut”: “a admiração e a indignação não são mutualmente excludentes. Precisamos encontrar a linguagem e os sentimentos, bem como formas práticas e legais de lidar com isso”.

Michael Jackson Foto: Arte em cima de foto de divulgação
Michael Jackson Foto: Arte em cima de foto de divulgação

No caso específico de Michael Jackson — e de “Deixando Neverland” —, porém, há questões particulares. A principal é que a arte do americano morto em 2009 rende muito: até hoje, “Thriller” mantém a marca de álbum mais vendido da História. E existe todo um mercado que bebe disso, desde o pipoqueiro Seu Aílton, famoso na Tijuca pelas performances em que interpreta figuras da cultura pop para vender pipoca, passando por estátuas-vivas, DJs, festas e até covers como o paulista Rodrigo Teaser.

— Vi o documentário tentando me colocar no lugar das vítimas, mas não consegui achar que é verdade — opina Teaser, que faz turnês em tributo ao Rei do Pop, com direito a participações de coreógrafos e músicos que trabalharam com MJ em pessoa. — É um filme que não sana dúvidas, e sim planta a dúvida. Reforça a narrativa de que ele era uma pessoa esquisita, e é muito fácil culpar os esquisitos.

Um dos pontos mais questionados por fãs é a participação de Wade Robson, personalidade polêmica na indústria de entretenimento desde que surgiu como pivô da separação de Justin Timberlake e Britney Spears. Coreógrafo, Robson defendeu Michael em 2005, quando o músico foi julgado por supostamente ter molestado Gavin Arvizo, afirmando que “dormiu na mesma cama diversas vezes, mas nunca foi molestado”.

Quem é mau?

Após a morte do astro, Robson fez diversas declarações de amor e admiração por ele e ainda tentou ser o coreógrafo do musical-tributo “One”, do Cirque du Soleil, em 2011. Dois anos depois, porém, voltou atrás e afirmou ter sido abusado pelo ex-ídolo. O caso não foi adiante na época. Mas o hoje acusador disse à apresentadora de TV Oprah Winfrey que pensa em voltar à Justiça porque agora tem condições de contar o que houve.

— Quando vi que o Wade Robson participava do filme, decidi que não gastaria minha internet com isso. Ele está louco atrás de grana, vem sendo boicotado desde antes de Michael Jackson falecer — afirma Ivisson Cardoso, colunista cultural, colecionador fervoroso de discos de Michael e DJ da noite paulistana, em que atende pelo codinome Meu Caro Vinho. — Não paro de tocar músicas dele de jeito algum. E vou tocar mais ainda, agora. É diferente do caso do R. Kelly , em que seus crimes foram comprovados. O Michael morreu inocente, e o filme parece que foi feito para destruir seu legado.

Será? Há quem diga que, em se tratando de MJ, nem os fãs são inocentes.: “Por um longo tempo, muito de Michael Jackson conquistou nossa admiração, pena, perplexidade, identificação, crença de que ele era uma metáfora, uma alegoria, um farol, uma advertência para ou sobre os EUA. Para se sentir assim, só olhando muito para ele. E desviando muito o olhar, também”, escreveu Wesley Morris, no “New York Times”, defendendo que o documentário exibe uma verdade que o público passou anos evitando.

Ainda vai demorar para sabermos o real impacto de “Deixando Neverland” na imagem do Rei do Pop. O espetáculo do Cirque du Soleil em Vegas segue vendendo bem, e, segundo o “New York Times”, a repercussão não afetou o streaming, em que músicas de MJ têm 16,5 milhões de reproduções semanais. Enquanto isso, fãs levantam fundos para estampar fotos do ídolo com a hashtag #inocente em ônibus e outdoors pelo mundo.