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Cultura

Michael Pollan: 'psicodélicos podem ajudar a lidar com a morte'

Em livro, jornalista americano conhecido por pesquisas com alimentos defende uso de substâncias alucinógenas em tratamentos que incluem até doentes terminais
O escritor americano Michael Pollan Foto: Divulgação/Jeannette Montgomery Barron / Divulgação
O escritor americano Michael Pollan Foto: Divulgação/Jeannette Montgomery Barron / Divulgação

O título completo do novo livro de Michael Pollan, “Como mudar sua mente — O que a nova ciência das substâncias psicodélicas pode nos ensinar sobre consciência, morte, vícios, depressão e transcendência”, é quase uma sinopse. A obra do jornalista americano, famoso por investigações sobre história e cultura dos alimentos, é exatamente o que anuncia.

Nos anos 1940, médicos viam no LSD uma revolução para os estudos psicológicos. Suprimida das pesquisas após a repressão nos anos 1960, a droga voltou a ganhar interesse científico desde 2006. Muito associadas ao uso recreativo, as substâncias psicodélicas estão sendo testadas, em vários tratamentos, com respostas positivas. Há quem deixe de fumar em uma única sessão com alucinógenos. Doentes terminais vêm encontrando conforto inesperado em outras experiências. Por essas e outras, Pollan acredita que a nova medicina mudará completamente nos próximos anos, conforme explica na entrevista por telefone.

Por que a pesquisa com os compostos psicodélicos ficou tanto tempo na geladeira?

Naquela época (anos 1960) , o governo americano acreditava piamente que psicodélicos eram a razão pela qual os jovens não queriam lutar na guerra, que as substâncias alimentavam o sentimento antibélico. Mas havia preocupações legítimas: muitos usavam de forma irresponsável, e coisas ruins aconteciam, como idas a emergência ou internações psiquiátricas.

O que o empolga sobre o futuro dessas pesquisas?

Há boas razões para acreditar que o uso terapêutico adequado de psicodélicos pode ajudar pessoas com problemas sérios. Na área da saúde mental, ainda não temos remédios bons o suficiente, não houve muita inovação. Antidepressivos não funcionam muito bem para pessoas com depressão, ansiedade ou obsessão. E precisamos de novas ferramentas. Os psicodélicos podem ser essas ferramentas. Ainda temos que pesquisar, mas bons sinais estão aparecendo.

E o que o preocupa mais?

A possibilidade de um novo boicote. Se essas drogas ficarem muito populares, governos podem reagir contra elas. Também me preocupo que, por causa da natureza delas, haja problemas de abuso sexual por parte dos terapeutas, já que eles têm um poder incomum sobre os pacientes que as tomam durante o tratamento.

Como os psicodélicos podem ajudar a enfrentar a morte?

Nenhuma droga é suficiente para nos ajudar a confrontar a mortalidade, mas os psicodélicos oferecem uma experiência. E essa distinção é importante: você está ministrando uma experiência nessas pessoas, não apenas um remédio. Essa experiência mística leva a um tipo de reset , que ajuda as pessoas a ver sua morte e pensar menos de forma puramente biológica, e mais espiritual. É muito profundo e emocionante, porque não temos muito o que oferecer a pessoas que têm câncer terminal, por exemplo. Mas falei com quem, após essas experiências, mudou suas perspectivas e conseguiu morrer de maneira muito mais pacífica.

Você sublinha que essas drogas trazem novas perspectivas. Isso significa mudar a abordagem em relação à vida também?

Pode haver pessoas que não querem mudar suas mentes, que acham que está ótimo assim, e respeito isso. Mas acho que a maioria de nós se sente preso em padrões de pensamento e comportamentos de que não gostamos, como obsessões improdutivas ou loops de autorreflexão que não ajudam. E uma coisa que os psicodélicos fazem é nos ajudar a quebrar esses padrões, nos dar maneiras frescas de abordar velhos problemas.

Capa do livro "Como mudar sua mente", de Michael Pollan Foto: Divulgação / Divulgação
Capa do livro "Como mudar sua mente", de Michael Pollan Foto: Divulgação / Divulgação

No livro, você diz que ainda não sabemos ao certo como as drogas agem no cérebro...

Até sabemos o que acontece psicologicamente: o sentimento de eu ou ego desaparece. Quando você perde sua noção de eu, a fronteira entre você e o mundo vai embora, há um sentimento de se misturar com algo maior do que você. Você não se sente mais isolado na sua pele, e, sim, como parte da natureza, do universo. E isso é uma experiência extática, mas, se você não se sente seguro, pode ser aterrorizante. No entanto, se você está no ambiente certo, e tem um bom guia, um xamã, um terapeuta, pode ser o pico espiritual da experiência.

Vivemos num mundo antropocêntrico. Essas drogas podem ajudar a ver além do nosso nariz?

Sim, e isso pode ser positivo. Muitos dos nossos problemas como civilização têm a ver com o fato de que construímos muros contra pessoas que são diferentes de nós. Ao derrubar os muros, sentimos esse poderoso fluxo de amor durante as experiências.

E em relação ao mundo natural?

Tendemos a objetificar a natureza, a ficar alheios a ela. Mas, nas experiências com psicodélicos, eu me senti apenas mais uma espécie em meu jardim. É o tipo de coisa que pode ter grande valor na crise ambiental, já que nossa objetificação da natureza nos leva a destruí-la. Esse tipo de perspectiva diferente em relação ao mundo natural é muito necessário nesse momento. Se isso pode alcançar um número suficiente de pessoas para fazer diferença, eu não sei. Mas me parece que é da exata medicina que nossa civilização precisa agora.