Cultura

Minas ajudou a depurar ‘caipirice’ dos modernistas, dizem pesquisadores

Excursão pelas cidades barrocas mineiras permitiu o contato dos paulistas com arte ‘cosmopolita’
Artistas que participaram da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Dois anos depois, alguns deles "descobririam" o Brasil numa viagem a Minas Foto: Reprodução
Artistas que participaram da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Dois anos depois, alguns deles "descobririam" o Brasil numa viagem a Minas Foto: Reprodução

Em 1924, os modernistas paulistas ( Mário de Andrade , Oswald de Andrade , Tarsila do Amaral etc), juntamente com o poeta franco-suíço Blaise Cendrars, viajaram pelas cidades barrocas mineiras (Ouro Preto, Mariana, São João Del-Rey etc) para redescobrir o Brasil. À primeira vista, parecia a excursão de intelectuais escolados nas vanguardas europeias, vindos de uma metrópole desvairada, por uma região provinciana que tinha conhecido seu auge quase dois séculos antes. No entanto, segundo um grupo de pesquisadores de quatro diferentes universidades brasileiras, eram os paulistas os provincianos (caipiras) que encontraram, em Minas Gerais, uma cultura cosmopolita.

Coordenado por professores de quatro diferentes universidades brasileiras (Federal do Rio de Janeiro, Federal de Minas Gerais, Estadual de Campinas e Federal Rural do Rio de Janeiro), além da americana (Princeton), o projeto Minas Mundo pretende investigar o ingrediente cosmopolita que o estado dos inconfidentes adicionou ao modernismo brasileiro. Mais de 60 pesquisadores de 23 instituições estão envolvidos na missão.

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As cidades mineiras não só tinham uma cultura urbana muito anterior à de São Paulo, mas também já tinham dado características brasileiras a uma arte importada da Europa: o barroco. Segundo o sociólogo André Botelho, da UFRJ, os modernistas paulistas encontraram em Minas a arte “primitiva” que Pablo Picasso ia buscar nas máscaras rituais africanas.

— Eles descobriram, no nosso próprio passado, uma sensibilidade estética que permitiu a renovação da arte — diz Botelho, acrescentando que a percepção de que o barroco mineiro não era mera cópia, mas uma realização particular de um estilo artístico europeu, nos possibilita, ainda hoje, também repensar hierarquias, como centro e periferia.

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O cosmopolitismo mineiro também ajuda a repensar uma das criações modernistas paulistas mais criticada hoje: a identidade nacional, que incorporou elementos populares, negras e indígenas, mas também apagou as diferenças culturais e regionais do país. Segundo Eneida Souza, professora da Faculdade de Letras da UFMG, até Mário de Andrade enxergou essa vocação cosmopolita nas esculturas de Aleijadinho, ao dizer que ele profetizava “americanamente” o Brasil.

— A perspectiva cosmopolita permite desconstruir a noção de identidade nacional, que hoje já está muito fragmentada, rasurada, e também a construção de um novo cosmopolitismo, que não é mais aquele que almejava chegar onde os europeus chegaram — afirma ela.

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Para Botelho, as pesquisas sobre o cosmopolitismo modernista não devem se encerrar na academia. As novas interpretações que saíram do Minas Mundo, diz ele, devem também ter impacto político.

— Hoje, com o retorno do nacionalismo, o cosmopolitismo se tornou politicamente perigoso — diz.