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Cultura

Moacyr Franco: 'Ninguém fala de mim, do meu passado glorioso'

Ator, que vive aluno com Alzheimer em ‘Segunda chamada’, fala sobre o desafio de fazer drama, diz que é pouco lembrado e defende Sérgio Reis, com quem gravou canção sertaneja
Moacyr Franco: 'Fiz comédia a vida inteira. A gente cria um estilo, né? Mas não tenho uma escola, um estudo' Foto: Divulgação
Moacyr Franco: 'Fiz comédia a vida inteira. A gente cria um estilo, né? Mas não tenho uma escola, um estudo' Foto: Divulgação

Moacyr Franco está embaixo de uma mesa e, ajoelhada ao seu lado, Joana Jabace sussurra frases como: "Você está com 84 anos, todos os seus sonhos podem estar indo embora, você não calcula onde está". A provocação vai comovendo o ator num crescente até quer ele alcance o estado emocional desejado pela diretora para rodar uma passagem da nova temporada de "Segunda chamada", que estreia nesta sexta (10), no Globoplay.

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Na série, Moacyr é Seu Gilsinho, um homem que sofre de Alzheimer e que concluir os estudos antes que a doença evolua. Na cena, o personagem é tomado por um lapso total e, confuso, se esconde sob um móvel na sala da diretoria da Escola Estadual Carolina Maria de Jesus. Esse foi o momento do trabalho que mais emocionou Moacyr, "um ator aberto, que topa tudo", como define Joana.

— A gente arregaçou nessa cena! Foi tão bonito que, quando terminou, nos abraçamos sem máscara e tudo — empolga-se ele, se apressando em dizer que tomou "tudo quanto é vacina" e foi alvo de cuidados redobrados da equipe de produção por causa da idade.

Moacyr Franco é Seu Gilsinho em 'Segunda chamada' Foto: Divulgação TV Globo / Fabio Rocha
Moacyr Franco é Seu Gilsinho em 'Segunda chamada' Foto: Divulgação TV Globo / Fabio Rocha

A experiência de décadas fazendo shows em asilos e a convivência intensa com familiares mais velhos fizeram o ator de 85 anos já ancorar no personagem familiarizado com sintomas do Alzheimer. Mas o trabalho de preparação foi fundamental para ele, forjado em programas de humor, virar a chave na direção do drama.

— Fiz comédia a vida inteira, shows que são muito improvisados... A gente cria um estilo, né, mas não tenho uma escola oficial, um estudo — conta ele, que vem fazendo lives diárias em que conta causos reais e fictícios, no Instagram .

Apesar das dificuldades vividas pelo personagem, Moacyr consegue injetar um pouco de humor e até fazer suas graças em cena. Como quando, no meio de um assunto sério, comenta que o Vasco empatou. Isso com aquele seu famoso tempo de comédia que serve de referência para alguns atores da nova geração. Fã do Café com Bobagem, Porta dos Fundos e de Tom Cavalcante, Moacyr diz achar "ruim esse negócio de politicamente correto".

— Ter que escrever pensando nisso é chato. Eu não me preocupo, só em ser engraçado. Agora, sempre achei que temos obrigações como ser humano. Penso que estou na sala da casa da minha tia, com criança, avó, mãe... O que não posso dizer, não digo. Temos que ter uma autocensura. Às vezes, sugerir algo é mais proveitoso do que dizer. Embora meu personagem em "A Praça é nossa" se chamasse Jeca Gay, nunca fiz uma piada de gay.

'Fico tentando provar que eu existi'

Ao falar do passado, Moacyr parece carregar uma certa mágoa. Diz que não é "muito lembrado". Conta que, recentemente, recebeu de Bruno Mazzeo uma reportagem publicada na "Revista Intervalo", de 1963, sobre o sucesso de seu programa de auditório, "Moacyr Franco Show", na TV Excelsior. Na hora, enviou aos filhos —  ele tem seis, que vão de 19 a 63 anos.

— Fico tentando provar a eles que eu existi. Chega uma hora em que tudo se perde. Ninguém fala de mim, do meu passado glorioso. Nunca fui muito comentado. Às vezes, estou no meio de uma história e me dá uma vergonha danada, porque eles pensam que estou mentindo. Aí falo, "pode perguntar para o... ih, morreu!", "já sei, eu estava com o... morreu!". Morreram todos! Mas não tenho lamentação, eu fui trabalhando.

A pandemia, aliás, teve impacto negativo nas oportunidades de trabalho.

— Ela me tirou o emprego e o direito autoral. Fecharam os botecos, onde sempre tinha uma música minha tocando. Acabou com os shows sertanejos, que cantam minhas canções. O meu show era para velho, mas os velhos morreram... — enumera ele, contando tudo em tom bem humorado e anunciando, animado, que já retomou suas apresentações presenciais (misto de show e palestras em que conta histórias) e está com a agenda cheia em outubro.

Em defesa de Sérgio Reis

Moacyr lembra com carinho a época em que fez sucesso com canções do gênero sertanejo-raiz. Nas décadas de 1980 e 1990, compôs várias músicas que alcançaram os primeiros lugares nas paradas, como "Dia de formatura", com Nalva Aguiar, e "Seu amor ainda é tudo".

—  Naquela época, a música tinha uma história, um enredozinho e um defecho. Hoje, acho um pouco pobre o assunto. Se resume a "garçom, quero te contar minha vida, deixa eu beber outra...". É muita discussão de relacionamento.

Moacyr também gravou com Sérgio Reis (a canção "Questão de tempo"), que, recentemente, convocou manifestação antidemocrática contra o STF. Ele sai em defesa de seu “grande amigo”:

— Achei uma pena ( artistas terem desistido de participar do novo disco do artista ), porque o Sérgio não é isso. Ele é uma pessoa muito legal, companheiraço, preocupado com os outros. Depois, é um homem já doente... — diz ele, que pede para não falar de política. —  Estou evitando tocar nesse assunto. É um momento de mexida, tempos de balanço.