Cultura

'Monark é um debatedor que ganhou importância baseado em nada. Defender o nazismo é crime', diz pesquisadora do Holocausto

Maria Visconti, do Núcleo Brasileiro de Estudos de Nazismo e Holocausto, defende uma resposta adequada à fala do locutor Bruno Aiub: 'As pessoas vão pensar que não há problema em criar um partido nazista no Brasil'
Maria Visconti, do Núcleo Brasileiro de Estudos de Nazismo e Holocausto Foto: Reprodução/Internet
Maria Visconti, do Núcleo Brasileiro de Estudos de Nazismo e Holocausto Foto: Reprodução/Internet

Uma declaração de Bruno Aiub, conhecido como Monark, apresentador do Flow Podcast, revoltou associações judaicas, patrocinadores e ex-convidados do programa. Em um episódio que foi ao ar na segunda-feira (7) ele defendeu a criação de um partido nazista reconhecido pela lei. A declaração foi feita em conversa com os deputados federais Kim Kataguiri (DEM) e Tabata Amaral (PSB).

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"A esquerda radical tem muito mais espaço que a direita radical, na minha opinião. Eu sou muito mais louco que todos vocês. Acho que o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido", disse Monark, rebatido por Tabata, que lembrou que a apologia ao nazismo coloca os judeus em risco de vida.

Com a repercusssão negativa do caso entre o público, incluindo patrocinadores e outros convidados do programa, os estúdios Flow anunciaram na terça-feira (8) a demissão de Monark . O Ministério Público de São Paulo decidiu investigar o apresentador por apologia ao nazismo e discriminação contra judeus.

Em entrevista a pesquisadora Maria Visconti, coordenadora do Núcleo Brasileiro de Estudos de Nazismo e Holocausto e criadora do podcast Desnazificando, explica por que a fala do apresentador é grave e defende uma resposta adequada: "Milhões de pessoas que assistiram a esse podcast vão pensar que não há problema em criar um partido nazista no Brasil, que isso pode fazer parte da representação política".

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Por que esse discurso que banaliza o nazismo se tornou muito mais comum recentemente?

É importante pontuar a responsabilidade da própria plataforma em colocar o podcast no ar. O podcast se baseia em um pressuposto de igualdade política, de debate. Todo mundo pode falar o que quer. Só que ela prega uma imparcialidade e uma liberdade que na verdade não existe. Não foi a primeira vez que o Monark falou algo do tipo. Ele já disse, por exemplo, que conversaria diretamente com Hitler. Disse que as pessoas têm direito de serem racistas. E tudo isso está sendo embasado por uma pessoa que ganhou uma notoriedade apenas por sua postura nas redes sociais. Ele não é um estudioso de História. É um debatedor que ganhou importância baseado em nada. E as plataformas não são responsabilizadas em função dessa falsa liberdade de expressão.  Elas continuam ganhando dinheiro com esse tipo de discurso.

O que mais lhe chocou na conversa?

Monark diz que a pessoa pode ser antijudeu e isso não é um crime, aí a Tabata lembra que os judeus foram exterminados porque o nazismo era contra a existência de um grupo de pessoas. Mas não era só isso. O nazismo era um projeto de reengenharia social. Não se voltava apenas contra os judeus, mas contra todas as outras pessoas que não pertenciam à chamada raça ariana, como a comunidade LGBTQIA+, ciganos, negros, etc. É importante entender que o nazismo diz respeito à humanidade toda e não apenas ao antissemitismo. Defendê-lo é um crime, até porque não afeta apenas uma comunidade, mas a todos nós. É bom ter em mente que a Declaração dos Direitos Humanos foi feita por causa do Holocausto.

Na terça-feira (9), Monark pediu desculpas e alegou estar bêbado durante o programa...

Beber não transforma ninguém em nazista. Monark chamou as comunidades judaicas para que elas ensinassem ele. Mas a sociedade não tem nada a ensinar a ele. Não é como se ele não soubesse o que estava falando. E também não estava falando para pouca gente. Temos que entender as falas dele como algo grave que vai ter consequências graves.

O nazismo não é levado a sério no Brasil?

Professar o nazismo é crime no Brasil, mas as pessoas não costumam ser punidas por isso. Isso tem que parar. O que se ouve é que é pouca gente, que não representam perigo porque são minorias, como aliás o próprio Monark falou. Mas não é pouca gente e eles estão cada vez se organizando mais. Não adianta querer conversar com essas pessoas. Não deve haver diálogo com quem defende ideologia racista.

Você coordena um núcleo de estudos brasileiros sobre o nazismo. Percebe um crescimento de adeptos dessa ideologia por aqui?

Isso é algo que já era detectado antes da eleição de Jair Bolsonaro, mas que cresceu ainda mais depois dela. As pessoas estão perdendo o medo de se expressar e falar esse tipo de coisa. Não é um caso aqui ou ali, são vários que vão se acumulando e ajudando a banalizar este discurso. Se não houver uma resposta adequada, as milhões de pessoas que assistiram a esse podcast vão pensar que não há problema em criar um partido nazista no Brasil, que isso pode fazer parte da representação política. Não podemos deixar isso acontecer.