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Cultura

Monark: ‘Vamos falar apenas com quem concorda com a gente?’

Condutor do podcast Flow, que só em outubro teve 27 milhões de reproduções no Spotify e 25 milhões de exibições no YouTube, é xingado e exaltado nas redes por suas opiniões polêmicas
monark Foto: Divulgação
monark Foto: Divulgação

Difícil não se perguntar como Bruno Aiub, o Monark, se sente ao ver tantas pessoas na internet fazendo críticas e duvidando de sua inteligência. Nos últimos tempos, o apresentador do podcast Flow, que há três anos entra no ar diariamente no Spotify com entrevistas de personalidades variadas, vem sendo alvo de xingamentos e ironias nas redes. Usuários do Twitter compartilham trechos de entrevistas (os “Cortes do Flow”) em que, na visão deles, os convidados pareciam destruir de forma didática os argumentos de Monark.

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Mas, na bolha ao lado, também acontece o oposto: perfis exaltam nas redes os argumentos do podcaster, corroborando seus pontos de vista. Em geral, defendem radicalmente princípios libertários como a livre circulação de ideias, mesmo que possam acabar, como efeito colateral, espalhando informações falsas. Provocando reações exaltadas em diferentes espectros da sociedade, o programa conseguiu reunir 27 milhões de reproduções no Spotify e 25 milhões de exibições no YouTube no mês de outubro. Essa visibilidade é fruto tanto da divulgação de quem ama o Flow quanto de seus haters.

— O Flow não é uma competição entre mim e o convidado. É uma conversa — diz o podcaster de 31 anos. — Se o convidado tem um argumento melhor que o meu, isso pode ser positivo. E, se alguém vier a conhecer o programa porque viu um perfil me zoando, acho positivo também.

Monark é um dos youtubers pioneiros do Brasil, fazendo vídeos sobre games nos anos 2010. Há três anos, ele e o amigo Igor tiveram a ideia de criar algo na linha do americano The Joe Rogan Experience, o podcast mais popular do mundo, também veiculado no Spotify. Assim como Joe Rogan, Monark e Igor (que coapresenta a atração) apostam na diversidade de convidados, sempre dando espaço a personalidades de diferentes posicionamentos políticos ou sociais. Um dia, podem conversar com um ícone da política de flexibilização de armas, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). No outro, com um símbolo do desarmamento, como o também deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ).

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Temas sensíveis

A troca com o primeiro ficou famosa depois que Monark chamou o presidente Jair Bolsonaro, pai de Eduardo, de “burro”. A segunda também viralizou com Freixo rebatendo uma comparação entre armas e carros feita pelo podcaster (“são duas ferramentas com capacidade letal alta que depende da escolha do indivíduo se ele vai usar pro bem ou pro mal”, disse Monark). Depois, o próprio Freixo compartilhou um trecho da troca no Twitter, elogiando a capacidade do interlocutor para o diálogo.

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— Uma das essências do Flow é conversar com pessoas de diversas tribos, pessoas muito conhecidas em geral, e não só numa bolha específica — explica Monark, defensor da liberação de drogas e usuário assumido de cannabis. — São pessoas relevantes da nossa sociedade que têm coisas relevantes para falar. Por isso nosso público vai além das bolhas: ele está na direita e na esquerda, são pessoas mais velhas e mais novas, com dinheiro ou sem.

Contudo, diversidade irrestrita também gera críticas. Programas como The Joe Rogan Experience e Flow são acusados de dar palco a personalidades com pontos de vista preconceituosos ou negacionistas. Funcionários do Spotify chegaram a questionar a manutenção do podcast americano na plataforma, depois que  ele deu espaço a uma convidada com opiniões vistas como transfóbicas. Rogan também já recebeu um convidado que jurava que o massacre na escola Sandy Hook, em 2012, onde 20 crianças de 6 e 7 anos foram assassinadas, não existiu.

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Do terraplanista ao engenheiro da Nasa

No final de outubro, o Flow perdeu um de seus principais patrocinadores após observações de Monark serem interpretadas como uma relativização do racismo. Tudo começou quando Jair Bolsonaro teve uma de suas lives retiradas de Facebook, Instagram e YouTube por associar as vacinas da Covid-19 ao HIV. O apresentador criticou a decisão das plataformas no Twitter: “É a ação que faz o crime e não a opinião”. Num debate com o advogado Augusto de Arruda Botelho, perguntou: “Ter uma opinião racista é crime?”, explicando depois: “Vocês fazem questão de supor monte de coisas a partir do que eu escrevo. Deixando claro que não estou dizendo que acho aprovável tal pensamento”.

Ao final, o patrocinador divulgou nota afirmando que a empresa e Flow quase foram tragados pela “realidade tóxica da intolerância que, infelizmente, tem se incorporado ao nosso cotidiano” e reforçando o diálogo: “Precisamos escutar o outro lado, aprender com ele, buscar andar juntos como nação que aprende e se torna melhor com as diferenças. A cultura de cancelamento e polarização das redes sociais pode dar lugar a escutar com respeito”. Monark já havia culpado a “galera canceladora” pela fuga do patrocínio. “Minha opinião ainda é que liberdade de expressão é também permitir que ideias preconceituosas sejam expressadas até para que possam ser corrigidas”, acrescentou no Twitter.

Ao GLOBO, o podcaster reafirma sua intenção de trazer tudo que é tipo de opinião a seu programa, do terraplanista ao engenheiro da Nasa.

— Que tipo de ambiente, de diálogo, a gente quer construir? Vamos falar apenas com quem concorda com a gente? — diz. — Não acredito nessa ideia de que temos que conversar só com pessoas com um certo pedigree, um currículo cultural, uma chancela... Acredito que temos que dar espaço para todas as vozes, dos mais inteligentes aos mais ignorantes, e que cabe ao público tomar uma decisão.