Cultura

Morre, aos 88, Monarco, símbolo da Portela e do samba

Compositor e líder da Velha Guarda da escola passou por uma cirurgia no estômago em novembro e não resistiu às complicações
Monarco em 2020 Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Monarco em 2020 Foto: Ana Branco / Agência O Globo

Baluarte mais antigo da Portela, Monarco morreu neste sábado, 11, ao 88 anos. Desde novembro, o sambista estava internado no Hospital Federal Cardoso Fontes, onde passou por uma cirurgia no intestino e não resistiu às complicações. Integrantes da Portela confirmaram o falecimento ao GLOBO.  O velório de tá marcado para este domingo, a partir das 11h, na quadra da Portela, em Madureira, de acordo com a assessoria da escola. O enterro será no Cemitério de Inhaúma, em horário ainda a ser definido.

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"Sua última apresentação em público foi onde mais gostava de cantar, em casa, na quadra da Majestade do Samba!", escreveu a diretoria da Portela, em nota publicada logo após a morte. "Na ocasião, participou da edição de outubro da Feijoada da Família Portelense ao lado de seus companheiros de estrada e de vida da Velha Guarda Show".

"Perdemos nosso mestre. A Portela está triste, o mundo do samba está triste. Ele cumpriu a missão dele bacana. Deus recebe", lamentou Zeca Pagodinho, em um vídeo postado em seu perfil no Instagram.

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Referência da escola de Madureira ao lado de nomes da nata do samba, como Paulinho da Viola e Clara Nunes, Hildemar Diniz ficou conhecido por um apelido de infância, que ganhou quando ainda vivia em Nova Iguaçu. Filho do marceneiro e poeta José Felipe Diniz, chegou a ajudar a mãe, separada, nas despesas da casa, vendendo mangas na feira da cidade da Baixada Fluminense.

— Eu perdi um segundo pai e a portela perdeu o maior portelense de todos os tempos, o maior sambista que ela poderia ter— disse Serginho Procópio, compositor, filho do sambista Osmar do Cavaco e membro da Velha Guarda da Portela.

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Aos 10, o carioca do bairro de Cavalcanti voltou a morar no Rio, desta vez em Oswaldo Cruz, onde passou a frequentar as rodas de samba. Ali conheceu bambas como Paulo da Portela, fundador da Azul e Branco, de quem se tornou discípulo. Na década de 1950, ingressou na Ala de Compositores da escola, levado por Alcides Malandro Histórico, de quem se tornou parceiro. Cavaquinista e percussionista, também foi diretor de harmonia.

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Na década de 1960, chegou a trocar a Portela pela Unidos de Jacarezinho (que o homenageou em 2005 com o enredo "Monarco; Voz e memória do samba, um passado de glória"), mas retornou à Portela em 1969. Em 1970, gravou, junto à Velha-Guarda da Portela , o disco "Portela passado de glória", produzido por Paulinho da Viola.

Paulinho lembra que, quando chegou na Portela, o grande samba do momento era "Passado de glória". canção composta por Monarco, e que dexiava a quadra enlouquecida quando era tocada.

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— Monarco faz parte de uma geração que surgiu nos anos 1950, a de Candeias e Picolino, que chega um pouco antes da nossa — lembra Paulinho. — Ele tinha uma importância fundamental porque unia duas fases diferentes da Velha Guarda da Portela, já que tinha convivido com grandes membros do passado. Era sempre a pessoa que procurávamos para falar sobre coisas mais antigas referentes à composição. Além de tudo, ele era um grande compositor e uma voz especial. Você o ouvia cantando e percebia o potencial dele, a força que representava.

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É autor de alguns de sambas clássicos que exaltam a escola, como "Passado de glória", um dos "esquentas" obrigatórios da Portela antes de entrar na Avenida. O primeiro disco solo veio em 1976, com temas como "O quitandeiro" (com Paulo da Portela) e "Lenço" (com Francisco Santana). Outros de seus sucessos são "Triste desventura", "Vai vadiar" e "Coração em desalinho", essas duas últimas se tornaram grandes sucessos na voz do também portelense Zeca Pagodinho.

Em 1999, a cantora Marisa Monte, também portelense, convidou Monarco e a Velha Guarda para gravar o CD "Tudo azul". Em 2008, foi lançado o o documentário "Mistério do samba", de Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor, também produzido por Marisa Monte, tendo Monarco como um de seus principais personagens. Em 2010, grava seu primeiro DVD, "Monarco: A memória do samba", a partir de um show no Teatro Oi Casa Grande.

— Monarco sempre foi um mestre nato, de personalidade generosa que gostava de compartilhar seu saber e suas histórias —  disse Marisa Monte. — Sua memória prodigiosa guardava os melhores sambas e era nossa enciclopédia. Testemunha viva da história do samba, a ele a gente recorria quando queria saber sobre os assuntos dos bambas. Um homem generoso e gentil. Um grande brasileiro. Nesse dia eu pude dizer o quanto o amo e digo agora que o amarei para sempre. Obrigada mestre, você viverá eternamente".

Em seu aniversário de 87 anos, celebrado em 2020, durante a pandemia de Covid-19, Monarco fez uma live comemorativa com a participação de amigos como Paulinho da Viola, Marisa Monte e Maria Rita, Criolo, Nelson Sargento, Martinho da Vila, Teresa Cristina, Diogo Nogueira, Glória Pires e Orlando Moraes.

Em entrevista ao GLOBO, na época, ele afirmou que estava com saudades do público e da neta, mas não se exporia ao risco de contaminação pela Covid-19:

— Cantar é a maior alegria da minha vida. Desço do palco e as moças e os rapazes vêm me abraçar. Sem falar que estou duro, né? Mas nem tudo é dinheiro, eu estou vivo! — disse ele, completando. — Ela (a neta) diz que não quer nem saber, que vem me ver e pronto. Mas ficaremos distantes. Ela acena para mim, e eu aceno para ela. Sou esse negócio de idoso e do grupo de risco, né? Sei que um dia vou morrer, mas não vou procurar sarna para me coçar antes da hora, né? Só vou no dia que o mestre maior disser: 'Monarco, acabou, vamos subir'.

Entre "Portela Passado de Glória", de 1970, e "Monarco de todos os tempos", de 2018, o compositor lançou 16 discos em sua carreira .

Monarco também fundou uma verdadeira linhagem do samba: é pai dos compositores e cantores Marcos Diniz (Trio Calafrio) e  Mauro Diniz, idealizador do Trem do Samba. Sua neta, Juliana Diniz (filha de Mauro) é atriz e cantora.