Cultura

Morre de Covid-19 o imortal da ABL Alfredo Bosi, aos 84 anos

Autor de "História concisa da literatura brasileira" e leitor talentoso de poesia, professor da USP se notabilizou por seus estudos de Machado de Assis e por tentar conciliar marxismo e catolicismo
Posse de Alfredo Bosi na Academia Brasileira de Letras, em 2003 Foto: Gustavo Stephan / Agência O Globo
Posse de Alfredo Bosi na Academia Brasileira de Letras, em 2003 Foto: Gustavo Stephan / Agência O Globo

O crítico literário e ocupante da cadeira 12 da Academia Brasileira de Letras, Alfredo Bosi, morreu de Covid-19 nesta quarta-feira (7), aos 84 anos, em São Paulo. Segundo amigos, ele já estava debilitado de saúde desde a morte da esposa, a psicóloga Ecléa Bosi, em 2017, havia contraído Covid-19 e passou os últimos dias internado.

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Alfredo nasceu em 26 de agosto de 1936 e fez carreira na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) com ensino de literatura. Um dos maiores críticos literários do país, focou sua produção em grandes nomes italianos, como Luigi Pirandello e Giacomi Leopardi, e brasileiros, como Machado de Assis, Jorge de Lima, Guimarães Rosa e Cecília Meireles. Bosi também foi um dos mentores do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, o qual também dirigiu.

Aos 34 anos, ainda um professor em início de carreira, publicou uma de suas principais obras, "História concisa da literatura brasileira". O livro fora encomendado pelo poeta José Paulo Paes (1926-1998), à epoca editor na Cultrix. Editor e editado se tornaram grandes amigos. Nos anos 1980, quando a Brasiliense publicou "Um por todos", a poesia reunida de Paes, Bosi assinou o prefácio do livro e localizou o amigo na tradição da poesia modernista brasileira que remonta à jocosidade de Oswald de Andrade.

Bosi também é autor de "Dialética da colonização", "Machado de Assis: o enigma do olhar", "Brás Cubas em três dimensões" e mais de uma dezena de livros, fora colaborações e organizações. Sua última publicação foi em 2017, "Arte e conhecimento em Leonardo da Vinci".

— Ele era um dos raros historiadores da literatura — diz o professor e editor Augusto Massi, que foi aluno de Bosi desde a graduação e um dos organizadores do livro "Reflexão como resistência: homenagem a Alfredo Bosi" (Companhia das Letras) — "História concisa da literatura brasileira" não é um manual, um livro com datas, tem análises e foi escrito quando ele era muito jovem. Bosi se caracterizou sempre por ser um homem de cultura enciclopédica".

Com pensamento de esquerda, Bosi foi um dos responsáveis por introduzir o pensamento do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci no Brasil.

— Há cartas de Bosi falando dessa vocação filosófica que ele procurou alimentar — diz Massi, salientando que o professor tinha formação católica, mas era ligado à ala mais progressista da Igreja. — Havia esse aspecto de militância, de dar aula para operário e fazer trabalho humanitário. Ele não era só um cara de gabinete.

Para Fernando Paixão, poeta e professor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, Bosi foi um "intelectual pleno", que tinha "tinha uma visão muito própria da literatura" e se preocupava com os destinsos políticos do país. Leitor de Bosi desde os anos 1970, quando lhe caiu nas mãos uma edição de "O ser e o tempo na poesia", Paixão lembra que o crítico era dono de uma formação vastíssima, que reunia referências que iam da filosofia à história e à literatura. Num ensaio sobre o impacto que "O ser e o tempo na poesia" lhe causou, ele escreveu que o livro teve "o mérito de lançar as bases de um pensamento que prosperou e assumiu novos desafios" e "constituiu um passo decisivo para revelar aquele que se tornaria um dos intelectuais mais respeitados do país, além de ter se mantido como fonte essencial sobre o tema".

— Bosi foi um grande intérprete da poesia, que é uma arte difícil. A eleição da poesia como o campo para o qual ele voltaria o seu olhar crítico já aparece em "O ser e o tempo" — diz Paixão ao GLOBO.

Ele se lembra de Bosi como um homem um tanto fechado, pouco dado a arrombos e extremamente generoso e dedicado às amizades. Paixão editou alguns livros de Bosi na Ática, como "Machado de Assis: o enigma do olhar", a primeira reunião dos ensaios do crítico sobre o autor de "Dom Casmurro". O olhar de Bosi sobre Machado fez escola ao constrastar com a interpretação de Roberto Schwarz, que encontrara no autor as "ideias fora do lugar" que marcam a experiência social brasileira. Segundo Paixão, Bosi, por outro lado, procurou resgatar a "universidade" de Machado de Assis.

Ao GLOBO, Schwarz, que também deu aulas na USP, diz que Bosi era um professor muito querido entre os alunos e ressalta uma das facetas mais originais do pensamento dele: a tentativa de fundir marxismo e catolicismo, sobretudo em "Dialética da colonização". Nos anos 1970, Bosi chegou a militar ao lado de operários em Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo. Entre 1982 e 1984, presidiu o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns e, partir de 1987, passou a atuar na Comissão de Justiça e Paz da Igreja Católica.

— O livro mais original dele é "Dialética da colonização", que é uma interpretação ousada do Brasil do ponto de vista do catolicismo de esquerda — explica Schwarz. — Os intelectuais agnósticos sempre encararam as manifestações religiosas como um resto de obscurantismo. Com coragem e originalidade, Bosi promoveu uma virada interessante e polêmica ao afirmar que obscurantistas são as elites.

Bosi deixa dois filhos: Viviana Bosi, também professora da FFLCH-USP, e José Alfredo Bosi, economista com formação em ciência ambiental e médico.