Cultura

Morre Domingos Oliveira, aos 82 anos

Cineasta, dramaturgo e ator se consagrou com filmes como 'Todas as mulheres do mundo' e 'Barata Ribeiro, 716' em quase seis décadas de carreira
O cineasta Domingos de Oliveira Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
O cineasta Domingos de Oliveira Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

RIO - Morreu, na tarde deste sábado, o cineasta, diretor de teatro, roteirista, dramaturgo e ator Domingos Oliveira, aos 82 anos. Com vasta produção no cinema — são dele filmes como "Todas as mulheres do mundo" (1966), "Separações" (2002) e "Barata Ribeiro, 716" (2016) —, o artista teve uma baixa de pressão em casa, seguida por intensa falta de ar. De acordo com familiares, uma ambulância foi acionada, mas não houve tempo suficiente para que o problema fosse contornado pelos médicos. O velório acontece, ainda neste sábado, a partir das 22h, no Planetário da Gávea, na Zona Sul do Rio. Amigos preparam uma homenagem musical para a ocasião, com a reprodução de canções marcantes de peças e filmes com a assinatura de Domingos. O enterro acontecerá no domingo, no Cemitério São João Batista, em Botafogo.

Dono de mais de 120 obras ao longo da carreira no teatro, no cinema e na TV, ele lançou em 2016 a autobiografia "Vida minha" (Record), com muitas páginas dedicadas às mulheres que marcaram sua existência, mas também a lances emocionantes, como a descoberta do mal de Parkinson, que o acompanhava há mais de duas décadas.

— Tentei fazer pelos anos. Ficou chatíssimo. Pelas obras. Não ia. Foi quando eu dividi por mulheres que começou a ficar interessante (dos 14 capítulos, sete são para ex-mulheres e a filha, sendo dois para a atual companheira, Priscilla Rozembaum) . Sou o que as mulheres que eu amei fizeram de mim  — disse Domingos ao GLOBO à época do lançamento do livro.

Formação em Engenharia

Antes de acumular as funções de escritor, ator, dramaturgo e cineasta, Domingos se formou em Engenharia Elétrica, mas nunca trabalhou na área. O primeiro flerte com as artes aconteceu ainda na infância, aos 12 anos, quando ingressou no grupo de teatro da escola e interpretou um cardeal português na peça "A ceia dos cardeiais", de Júlio Dantas.

Mais tarde, dois anos após concluir a faculdade de Engenharia, matriculou-se num curso de teatro com um diretor americano recém-chegado do Actor’s Studio, associação de atores profissionais, diretores de teatro e roteiristas em Nova York. Em seguida, em 1966, montou sua primeira peça de teatro, "Somos todos do jardim de infância", em espetáculo encenado na varanda do apartamento onde morava. Sucesso de crítica, a montagem lançou a atriz Leila Diniz, com quem Domingos era casado na época — mais à frente, a trama seria adaptada para a TV, como parte do programa "Caso especial" (1972), da Globo.

Na emissora carioca, aliás, Domingos foi o segundo produtor a ser contratado (o primeiro foi Haroldo Costa). Em 1963, depois de trabalhar como redator da extinta revista "Manchete", foi convidado por Abdon Torres para fazer a programação da Globo, que estrearia dois anos mais tarde.  Quinze dias antes da inauguração do canal, no entanto, Abdon Torres foi substituído por Mauro Salles na direção da emissora, e grande parte da programação até então desenvolvida não entrou no ar.

Mas Domingos permaneceu na Globo, à frente do programa "Show da Noite", apresentado por Glaúcio Gil. Ele produzia e dirigia a atração transmitida ao vivo de segunda a sexta-feira, ao lado de Renato Consorte, Haroldo Costa, Oswaldo Waddington e Wilson Rocha. A carreira como roteirista na emissora foi marcada por trabalhos como os especiais e seriados "Romance na tarde" (1965), "Ciranda cirandinha" (1978) e "Amizade colorida" (1981).

Paralelamente à profissão na televisão, desenvolveu uma carreira promissora no teatro, com espetáculos de sucesso que acabaram adaptados para o cinema: "Todas as mulheres do mundo" (1966), com Leila Diniz e Paulo José, foi sua primeira produção que ganhou as telona. E uma série de prêmios, tornando-se obra-prima do diretor. Foram 12 troféus somente no Festival de Brasília. Outros textos seguiram o mesmo caminho dos palcos para a sétima arte, sempre roteirizados e dirigidos por ele: "Separações" (2002); e "Amores" (1998) — no teatro, a trama foi contemplada com o Prêmio Shell na categoria autor.

Festa de três dias, aos 80 anos

Quando completou 80 anos, em 2016, Domingos fez uma festa de três dias, com a trilha sonora de sua vida. O primeiro dia englobou músicas de 1936 a 1966; o segundo, de 1967 a 1996; e o terceiro, as últimas duas décadas. Com duas a três canções representativas de cada ano, a playlist chegava a quase 12 horas. Na pista, as músicas eram acompanhadas quase sempre de vídeos, entre filmes de sua autoria, imagens de arquivo, clipes antigos ou cenas históricas do Brasil.

— As piores partes da vida são o princípio e o fim. A mocidade e a velhice — disse ele, à época.  — Na mocidade você despende muita energia para encontrar o seu lugar no mundo e não tem tempo de aproveitar a vida. Na velhice, o corpo vai embora, e tampouco dá para aproveitar direito. O melhor é o meio. Você já entendeu mais ou menos as coisas, não faz xixi na cama, não tem tantas culpas, e a vida fica uma delícia.

O artista deixa a mulher, Priscilla Rozembaum, com quem esteve casado durante 38 anos, e quatro filhos — Maria Mariana, Daniele de Oliveira, Frederico de Oliveira e Igor de Oliveira.