Cultura

Morre Dona Canô, aos 105 anos

Velório da matriarca da família Velloso é aberto ao público no Memorial Caetano Veloso, em Santo Amaro
Foto de 2010: Maria Bethânia com a mãe Foto: Angeluci Figueiredo
Foto de 2010: Maria Bethânia com a mãe Foto: Angeluci Figueiredo

SALVADOR -  Dona Canô, matriarca da família Velloso, morreu aos 105 anos nesta terça-feira, 25, em sua residência localizada na cidade de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano. A mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia passou a noite de Natal ao lado dos filhos, netos e bisnetos. Segundo informações iniciais, ela teria passado mal na madrugada desta terça. Logo depois, morreu cercada pela família.

O velório da matriarca foi aberto ao público às 18h, no Memorial Caetano Veloso, em Santo Amaro. Antes disso, apenas familiares velaram o corpo de Dona Canô em casa. O sepultamento está marcado para as 10h de quarta-feira, 26, no cemitério de Santo Amaro. Antes haverá missa de corpo presente na Matriz da Purificação.

A presidente Dilam Roussef divulgou nota de pesar pela morte de dona Canô. Leia a íntegra: "Nosso Natal ficou mais triste, perdemos Dona Canô. Uma mulher rica de coragem, principalmente a coragem de ser feliz, como ela mesma gostava de dizer. Construiu uma família em torno do amor pela cultura, pela Bahia e pelo Brasil, expresso no talento de seus filhos, entre eles Caetano Veloso e Maria Bethânia. Sua alegria de viver e sua lucidez conquistaram o coração dos brasileiros. Transmito meu sentimento de pesar aos familiares de Dona Canô e aos filhos e filhas de Santo Amaro da Purificação, que hoje perderam sua maior divulgadora e fã. Dona Canô, mulher forte e sábia, nos deixa muita saudades."

A ministra da Cultura, Marta Suplicy, também divulgou nota. Segue a íntegra da nota: "Cercada de amor e religiosidade, dona Canô simbolizou a família e a fé inquebrantável. Da sua Santo Amaro da Purificação, representou a simplicidade e grandeza de espírito do povo baiano. Bethânia e Caetano são hoje a síntese da força desta grande mulher. Para toda família Veloso e brasileiros, uma perda sentida".

Dona Canô foi batizada como Claudionor Viana Telles Velloso - seu sobrenome tinha dois "l", diferentemente de Caetano, que deve a singularidade da letra a um erro de registro de cartório. O apelido foi dado por um irmão de criação que, pequeno, tinha dificuldade em pronunciar Claudionor. "Canô" era mais fácil para uma criança, e assim ficou. Foi mais fácil, também, para o Brasil.

Acontece que Dona Canô não se tornou uma figura conhecida no país simplesmente pelos filhos: ela foi um exemplo de um Brasil batalhador, que consegue superar dificuldades para vencer.

Apesar de ser de origem bem humilde, a baiana foi criada na casa de uma família rica da região. Estudou em escola particular e aprendeu cedo a falar francês e tocar piano. Ela própria, que costumava cantar para todos, sempre incentivou os filhos a gostar de música, uma das coisas que mais amava na vida. Sob sua influência, Nicinha, Clara Maria, Maria Isabel, Rodrigo, Roberto, Caetano, Maria Bethânia e Irene aprenderam a tocar instrumentos.

O diretor Andrucha Waddington dizia que seu documentário "Maria Bethânia - Pedrinha de aruanda", lançado em 2007, era uma homenagem à mãe da cantora, Dona Canô, justificando: "Ela é uma das pessoas mais doces e interessantes que conheci ao longo de toda a minha vida". Nele, Dona Canô aparece numa cena dando uma lição de canto na filha e em Caetano Veloso numa seresta que acabou se tornando o ápice do documentário.

Muitos outros casos de sua relevância para a carreira de Caetano e Bethânia foram registrados no livro "Canô Velloso, lembranças do saber viver", escrito por Antonio Guerreiro e Arthur Assis Gonçalves da Silva. Nele, os autores revelam que ela percebeu bem cedo que o filho seria um grande artista, ainda que o próprio duvidasse disso quando era adolescente.

"Era um aéreo, nunca gostou de estudar, mas desenhava muito", disse Dona Canô em entrevista ao livro. Caetano a converteu em personagem de versos de canções como "Genipapo absoluto" e "Reconvexo" ("Quem não rezou a novena de Dona Canô?").

Muito religiosa, Dona Canô acreditava ter sido abençoada com uma vida tão longa pelo fato de ter criado muito bem os filhos. Em sua casa, eram comuns os símbolos de um sincretismo religioso típico da Bahia, como colares dos santos e fitas do Senhor do Bonfim. A casa, aliás, também merece um capítulo próprio na trajetória de Dona Canô.

Ela viveu lá por mais de 60 anos, e é raro encontrar em Santo Amaro da Purificação, um município de 60 mil habitantes, alguém que não conhecesse seu endereço na Avenida Ferreira Bandeira 179. A casa tem dez quartos e mantém a arquitetura original da Bahia antiga.

Mesmo com toda a admiração que declarava pelo filho, Dona Canô não evitou discordar dele publicamente em 2009, quando o assunto foi político. O fato ocorreu depois de uma entrevista de Caetano em que declarou seu apoio à candidatura de Mariana Silva, dizendo "Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo. Ela é meio preta, é cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como Lula, que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro".

A matriarca quis, então, ligar para Lula, para pedir desculpas pelo filho. "Lula não merece isso. Quero muito bem a ele. Foi uma ofensa sem necessidade. Caetano não tinha que dizer aquilo. Vota em Lula se quiser, não precisa ofernder", afirmou Dona Canô.

Depois, foi o próprio Lula que ligou pessoalmente para ela, para dizer que não estava chateado e encerrar a polêmica. O ex-presidente também divulgou uma nota de pesar pelo falecimento de Dona Canô. Leia a íntegra: "Dona Canô foi um exemplo de mulher, de mãe e uma referência de sabedoria e generosidade para sua família, para Santo Amaro da Purificação, para a Bahia e  para o Brasil. Para nós foi também uma grande amiga, da qual sempre lembraremos com muito carinho. Nesse dia de Natal marcado pela tristeza de sua partida, estendemos nossa solidariedade a seus familiares e amigos."

A matriarca dos Velloso também era amiga de Antonio Carlos Magalhães, senador do antigo partido PFL, morto em 2007.

No último dia 15 de novembro, ela foi internada no Hospital São Rafael, em Salvador, depois de sofrer um ataque isquêmico cerebral. Ela foi levada à unidade pelo filho Rodrigo Velloso, com quem mora no município de Santo Amaro, a 80 quilômetros de Salvador. Caetano e Bethânia viajaram do Rio de Janeiro à capital baiana para visitar a mãe, que nasceu e viveu todos os 105 anos na cidade do interior baiano.

Dois meses antes, Canô teve uma infecção respiratória e foi internada no mesmo hospital por  quatro dias. Foi novamente Rodrigo Velloso quem a acompanhou. Não houve nada grave e ela se mostrou feliz com o retorno para casa. Nas redes sociais, mensagens de paz, de carinho e de saúde foram direcionadas e compartilhadas.

Em 7 de julho de 2011, a mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia também havia sido  hospitalizada com dores na coluna, dores abdominais e falta de ar. Em abril deste ano, ela esteve no hospital para realizar alguns exames de rotina e um pequeno procedimento cirúrgico para a retirada de um sinal do rosto.

A matriarca da família Velloso fez 105 anos no dia 16 de setembro. O aniversário dela foi festejado com uma missa na Igreja da Purificação seguida de uma festa na casa da família em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo baiano.

Viúva de José Teles Velloso, morto em 1983, aos 82 anos, a famosa centenária deixa oito filhos, nove netos e cinco bisnetos. Em outubro de 2011, ela perdeu a filha adotiva Eunice Veloso, aos 83 anos, que morreu com insuficiência respiratória.