Cultura

Morre o escritor Rubem Fonseca, aos 94 anos

Um dos maiores autores brasileiros, escritor teve um infarto em sua casa, no Leblon
Rubem Fonseca em 2005, pela lente do filho Zeca Fonseca Foto: Divulgação/Zeca Fonseca
Rubem Fonseca em 2005, pela lente do filho Zeca Fonseca Foto: Divulgação/Zeca Fonseca

Morreu nesta quarta-feira, 15, aos 94 anos, no Rio de Janeiro, o escritor Rubem Fonseca . De acordo com a coluna de Lauro Jardim, ele sofreu um infarto na hora do almoço , em sua casa, no Leblon, Zona Sul da cidade. Levado às pressas para o Hospital Samaritano, em Botafogo, não resistiu.

Autor de alguns dos livros mais emblemáticos da literatura brasileira , como " Agosto " e " Feliz ano novo ", ele completaria 95 anos em maio ( Leia aqui material especial sobre os 90 anos do escritor ).

Zuenir Ventura: Rubem Fonseca e o seu medo de virar celebridade

Nascido em 1925, em Juiz de Fora (Minas Gerais), Fonseca se mudou para o Rio ainda na infância. No início dos anos 1950, tornou-se comissário em um Distrito Policial do bairro de São Cristovão. Embora fosse essencialmente um funcionário de gabinete e não frequentasse a rua, a vivência na polícia foi matéria prima essencial para as suas primeiras narrativas.

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A partir dos anos 1960, consolidou-se  como um observador da violência urbana e da miséria humana. Sua estreia, a coletânea de contos “Os prisioneiros” (1963), foi saudada como “revelação do ano” pelo “Jornal do Brasil”, inaugurando o que o crítico Alfredo Bosi chamaria de corrente “brutalista”. O autor reinventou a narrativa policial, colocando os efeitos das rápidas e brutais transformações das grandes metrópoles brasileiras no centro de seus livros.

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Em 1975, lançou "Feliz ano novo", um best-seller instantâneo que chegou a ser proibido pela ditadura militar. Reconhecido como um dos melhores contistas da história da literatura brasileira, Fonseca também deixou romances marcantes. O histórico "Agosto" (1990), que tem o suicídio de Getúlio Vargas como pano de fundo, é um dos seus maiores sucessos.

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Para muitos, ele foi o responsável por trazer uma mentalidade urbana para a literatura brasileira. Embora tenha iniciado a carreira nos anos 1960, sua obra continuava sendo uma influência maior para autores contemporâneos.  “É um escritor que, de certa maneira, organizou a literatura brasileira, sobretudo nos primeiros livros de contos. São obras-primas. Eu releio ‘A coleira do cão’ e falo: não é possível, ele escreveu e publicou isso em 62!", observou o escritor Marçal Aquino.

Paralelamente ao sucesso comercial, Fonseca colecionou prêmios, culminando com o Camões, o mais importante da língua portuguesa, em 2003. Também ganhou nada menos do que seis Jabutis (1969, 1983, 1996, 2002, 2003, 2014) em diferentes categorias (romance e contos). E recebeu um Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional pelo conjunto da obra, em 2014.

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Rubem Fonseca não concedia entrevistas há mais de 50 anos. Muito antes do isolamento social causado pelo surto de Covid-19, a reclusão do autor se tornou folclórica na cena literária e também na cultura popular. Virou um personagem folclórico no imaginário do Rio. Mas também em outros países; afinal, era um dos escritores brasileiros mais conhecidos e traduzidos no exterior.

O jornalista Zuenir Ventura lembrava que o amigo tinha "medo de virar celebridade". Em 2000, Zuenir presenciou as comemoração dos 70 anos de Fonseca em Havana, onde foi recebido com bolo, velinhas e “parabéns pra você” e chamado de "comandante" pelos amigos cubanos. Chegou a ser recebido no palácio presidencial por Fidel Castro, que disse "já ter ouvido falar" no escritor.

Na capital cubana, Fonseca virou outra pessoa. Extrovertido e animado, leu trechos de seus livros para uma plateia de cem pessoas — uma cena impensável no Brasil. Também na cidade, teve uma queda de pressão na rua e, para não cair, sentou-se no meio-fio. Zuenir recorda que uma pedestre local passou e o reconheceu. O que fez o escritor imaginá-la comentando com as amigas: “‘Encontrei o Rubem Fonseca bêbado, numa sarjeta’. Isso é que é desagradável. Não sou recluso, a celebridade é que me chateia”.

Segundo a sua filha, Bia Correa do Lago, a presença limitada na mídia lhe permitia circular mais à vontade pelas ruas do Leblon.

— Meu pai diz que a vantagem de não ser uma pessoa conhecida é poder olhar as coisas sem ser incomodado. Para ele, o escritor tem que observar, não ser observado —  disse ela em uma entrevista de 2015, quando o pai completou 90 anos.

O escritor continuou com uma produção ativa no fim da vida. Tanto que publicou cinco livros de contos nos ultimos dez anos: "Axilas e outras histórias indecorosas" (2011), "Amálgama" (2013), "Histórias curtas" (2015), "Calibre 22" (2017), e "Carne crua" (2018), sua obra derradeira.