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Elba Ramalho e Fagner trazem lado alegre de Luiz Gonzaga em homenagem ao forró

No dia do aniversário do Rei do Baião, dias depois de o estilo ter sido declarado patrimônio cultural e imaterial do Brasil, cantores lançam o disco ‘Festa’
Os cantores Elba Ramalho e Fagner Foto: Marcos Hermes / Divulgação
Os cantores Elba Ramalho e Fagner Foto: Marcos Hermes / Divulgação

Era dia de São João no ano de 1987 e a paraibana Elba Ramalho estava em Campina Grande — onde se realiza, na noite do santo, o maior forró a céu aberto do mundo — e ela, já bem consagrada, dividia o palco com ninguém menos do que o Rei do Baião Luiz Gonzaga (1912-1989).

— Depois do show, fomos todos para a casa da minha irmã. Eu de pés descalços, com a barriga enorme, de oito meses, me acabando no forró, quando a bolsa estourou! Não tinha médico planejado, não tinha hospital preparado, não tinha enxoval, e foi aquela correria danada. O Seu Lua foi uma das primeiras pessoas a pegar meu filho Luã no colo, e deu a sua benção dizendo assim: “Cabeça grande é sinal de inteligência!” — recorda-se Elba sobre um dos seus muitos encontros com Gonzaga, celebrados agora com o lançamento de “Festa”, álbum que divide com Raimundo Fagner .

Os cantores Elba Ramalho e Luiz Gonzaga Foto: Divulgação
Os cantores Elba Ramalho e Luiz Gonzaga Foto: Divulgação

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Estrategicamente lançado  esta segunda-feira, aniversário de Luiz Gonzaga e também Dia Nacional do Forró, “Festa” é um disco que Fagner planejava gravar há pelo menos dez anos e que, em suas palavras, “só aconteceu por muita insistência”. O álbum inaugura o selo Bonus Track, do empresário Luiz Oscar Niemeyer.

— Já tinha gravado bastante Gonzaga e Elba também, mas nós buscamos fazer um disco mais alegre e mais dançável, procuramos fazer aquilo de que o Gonzaga mais gostava. Ele passava as mensagens fortes da nossa tradição, mas trazia um componente de alegria e de festa — explica o cantor, que nos anos 1980 gravou dois LPs com Luiz Gonzaga. — E é uma feliz coincidência que esse disco venha também no momento em que o forró foi declarado pelo Iphan patrimônio cultural e imaterial do país [na quinta-feira passada] . O Gonzaga foi quem mais lutou pelo forró.

Para Elba, o reconhecimento do forró pelo Iphan é resultado de “uma batalha antiga da nação nordestina”:

— É importante legitimar de fato e de direito o que o nosso povo sabe: da importância do baião, do xote, do xaxado, do chamego, da quadrilha e dos outros gêneros que estão agrupados no forró. É algo muito expressivo para a nossa cultura.

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Raimundo Fagner e Luiz Gonzaga, em 1982 Foto: Chico Jorge / Divulgação
Raimundo Fagner e Luiz Gonzaga, em 1982 Foto: Chico Jorge / Divulgação

O primeiro show que o cearense Fagner viu na vida foi de Luiz Gonzaga, na Praça do Ferreira, em Fortaleza. Anos mais tarde, como artista de sucesso, ele ajudou na gravadora CBS a lançar as carreiras de artistas do Nordeste, como Elba Ramalho, o primo Zé Ramalho e a cantora Amelinha. E ficou muito amigo não somente de Gonzaga, mas do filho deste, Gonzaguinha , que andou um bom tempo estremecido com o pai (e que tem duas de suas composições gravadas pelo Rei do Baião recuperadas em “Festa”: a faixa-título e “Pense n’eu”).

— Eu particiei ativamente desse momento da reconciliação dos dois, em Belo Horizonte. Quando eles ainda estavam rompidos, o Gonzaga jogava muito essa energia em mim, me tratava como um filho. E no dia em que eles se abraçaram, eu peguei minhas coisas e fui para um hotel, feliz por ter ajudado que fizessem as pazes — diz Fagner, até hoje chateado com a representação que os dois amigos tiveram no cinema, no filme “Gonzaga — De pai para filho”, de Breno Silveira. — O cineasta buscou retratar apenas aquela briga e não procurou as pessoas que tiveram aquela relação estreita com os dois.

Sem fronteiras

Gravado com direção artística do especialista em Gonzaga Zé Américo e participação de grandes músicos do forró, como o sanfoneiro Mestrinho (que já foi da banda de Elba), o disco tem clássicos do artista como “Vem morena”, “O cheiro da Carolina”, “Baião da Penha” e “A morte do vaqueiro” e alguns outros de sua produção mais tardia, com o parceiro João Silva, como “Danado de bom”, “Vou te matar de cheiro” e “Deixa a tanga voar” — exemplos de um repertório que teve muito apelo entre a juventude a partir dos anos 1970, quando o Rei do Baião foi redescoberto pelo público do Sudeste. Este ano, por sinal, o selo Discobertas lançou o álbum “Baião dos hippies”, com gravação do artista em 1971, tocando no então descoladíssimo Festival de Verão de Guarapari.

— A volta do Gonzaga foi quando Carlos Imperial inventou que os Beatles iam gravar “Asa Branca”. [Gilberto] Gil e os baianos começaram a falar dele, e aí veio a nossa geração, que foi cantando com ele. Vários movimentos musicais tinham deixado o Gonzaga de fora. Quando nos conhecemos, ele estava muito desanimado. Mas felizmente pudemos ajudar nessa retomada da carreira dele. E isso se completa como esse nosso projeto de Gonzaga — diz Fagner.

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Homenageado este ano por Jorge Du Peixe (vocalista da Nação Zumbi) no disco “Baião Granfino” , Luiz Gonzaga se mantém como referência até mesmo para os músicos que estouraram durante a pandemia com a nova encarnação do forró: a pisadinha (ou piseiro) , de sonoridades mais eletrônicas, muito popular graças a nomes como Barões da Pisadinha, Tarcísio do Acordeom e João Gomes .

— A nova geração deve tanto quanto eu a Luiz Gonzaga — assegura Elba Ramalho. — Ele se vestiu de Nordeste, cantou as nossas paisagens e emoldurou o sertão para o todo Brasil. Imagine uma construção que tem o seu fundamento, a sua base sólida. Depois, entram outros elementos, e a construção vai crescendo. A autenticidade e a originalidade dos grandes mestres vão ficar para sempre.

Linguagem imortal

Já, para Fagner, Luiz Gonzaga, “que sempre foi brincalhão e descontraído no palco”, consegue se conectar com as novas gerações simplesmente pela força da linguagem imortal do forró que ajudou a criar.

— Essas [piseiro e pisadinha] são outras formas de manifestação da música nordestina, faz parte — diz ele. — Tinha um ditado que dizia: “Estourou no Norte, é sucesso nacional.” Além de a gente ter uma cultura muito forte, os nordestinos estão espalhados pelo país inteiro. Quando lançamos o selo Epic [na CBS, no fim dos anos 1970] teve aquela invasão de artistas do Nordeste, anos depois da invasão do Gonzaga. Nós aquecemos o mercado, e até hoje Zé Ramalho, Elba e Amelinha estão aí.

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O desejo de Fagner com o disco “Festa” é fazer alguns shows grandes “em lugares bem simbólicos como Campina Grande, João Pessoa, Recife e Fortaleza”.

— Temos que esperar a liberação [dos protocolos de prevenção à transmissão da Covid-19] para que se possa ter presença do público e aí, sim, gravar um DVD e fechar um projeto — conta ele, na esperança de ver um São João gordo em 2022. — Está tudo muito parado, a gente precisa das festas de Caruaru e Campina Grande. É nossa tradição, são festas lindas, comparáveis ao carnaval do Rio, que precisam da presença do público, para aquecer a economia.