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'Elza Soares & João de Aquino': recém-lançado, disco gravado em 1997 é registro nu e cru de voz e violão

Álbumo enfim chega ao streaming para mostrar a força da cantora em uma sessão de estúdio com repertório escolhido ao sabor do momento
 Elza Soares e João de Aquino no Teatro João Caetano Foto: Hipólito Pereira / Agência O Globo
Elza Soares e João de Aquino no Teatro João Caetano Foto: Hipólito Pereira / Agência O Globo

“Vocês querem saber como é a verdadeira Elza?” Isso é o que o violonista João de Aquino, de 77 anos, se lembra de ouvir toda vez que Elza Soares, 91, botava para os amigos uma gravação que os dois fizeram juntos, por volta de 1997. Um voz e violão que emocionava os ouvintes e que, enfim, após mais um dos renascimentos artísticos da cantora (com os álbuns “A mulher do fim do mundo”, de 2015; e “Deus é mulher”, de 2018), chega ao grande público. Lançado ontem no streaming, “Elza Soares & João de Aquino” (Deck) é um passeio pela história da música brasileira, com direito até a uma menção marota ao “Moonlight serenade”, clássico da orquestra do americano Glenn Miller.

— A Elza sempre foi tachada de a Rainha do Samba e não tinha um disco cru, um disco à vontade. Ela inventou muita coisa nessa gravação — conta João de Aquino, produtor de memoráveis discos do samba (como “Axé”, 1978, de Candeia), compositor (parceiro de Paulo César Pinheiro na canção “Viagem”, sucesso da cantora Marisa) e arranjador. — As pessoas tinham que saber que voz é essa, só com o violão.

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Momento propício

A cantora diz que a gravação, feita mais como registro do que projeto de disco, ficou guardada porque, naquele momento de sua carreira, era muito difícil conseguir lançar qualquer coisa.

— A gente até queria, mas não havia possibilidades. Então, a gente ficou esperando uma ocasião mais propícia. Demorou esse tempo todo, mas pode ter certeza de que valeu a pena — diz ela.

Feito sem ensaio, em uma só sessão de estúdio (na mesma ampla sala, na Lapa, onde foram gravados lendários discos da gravadora Musidisc, como os dos Românticos de Cuba), “Elza Soares & João de Aquino” foi o resultado de quase duas décadas de convivência intensa. Em 1980, João trabalhou pela primeira vez com a cantora, produzindo na CBS o LP “Elza negra, negra Elza” e passou os anos seguintes a acompanhando em shows no Projeto Pixinguinha.

— Naquele dia, eu fui escolhendo as músicas com a minha cabeça louca, fui cantando, o João foi me acompanhando e deu certo — resume Elza Soares.

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E o parceiro confirma:

— Eu disse: “vai cantando, vai cantando.” Teve muita coisa que a gente não fez porque aí também a gravação não terminava. Saía praticamente no sangue, a gente passava cada música só uma vez. Nem percebíamos o que ia sendo feito.

Ao lado de boas surpresas como “Cartão de visita” (samba célebre na gravação de Doris Monteiro), “Como uma onda” (hit de Lulu Santos) e “Que maravilha” (Jorge Ben e Toquinho), o disco traz músicas que Elza há muito queria gravar, como “Drão” — composição de Gilberto Gil, que muito a lembrava da morte do filho, Garrinchinha, num acidente automobilístico, em 1986, aos 9 anos de idade. Em um improviso vocal com timbre de trompete, “Moonligh serenade” se introduz no samba “Devagar com a louça”. E o velho “Mambo da Cantareira” ganha diversos sotaques latinos na interpretação da dupla.

— Por que o “Mambo” entrou no disco? Nem sei! — diverte-se Elza, que dia 19 apresenta em Belém, no festival Psica, o show “Onda negra”, montado na pandemia com o rapper Flávio Renegado, e em janeiro, no Municipal de São Paulo, grava um DVD retrospectivo de carreira.