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Cultura Música

Entenda a explosão digital do forró eletrônico, que chega ao São João com quase metade das músicas mais tocadas do Brasil

Com a aceitação nacional da pisadinha durante a pandemia, artistas nordestinos como DJ Ivis, Zé Vaqueiro e Tarcísio do Acordeon ajudam o gênero a dominar o streaming
DJ Ivis, Xand Avião, Wesley Safadão, Zé Vaqueiro e Mari Fernandez: novos e velhos astros do forró eletrônico Foto: Divulgação
DJ Ivis, Xand Avião, Wesley Safadão, Zé Vaqueiro e Mari Fernandez: novos e velhos astros do forró eletrônico Foto: Divulgação

O mais recente ranking das músicas mais tocadas do Spotify no Brasil, divulgado na última quinta-feira, trouxe um marco: no top 50, 22 músicas eram de forró eletrônico — quase 50%. É a maior presença do gênero até hoje no streaming. O mais cético pode apontar que é algo isolado, empurrado pelo mês que se comemora as festas de São João. Mas é o contrário: cada vez menos esse subgênero depende dos eventos tradicionais da cultura nordestina.

Na verdade, em todas as semanas de 2021, até agora, o forró eletrônico emplacou pelo menos 15 músicas entre as mais tocadas, empurrado pela aceitação nacional da pisadinha — uma reinvenção ainda mais eletrônica do forró, tocada originalmente nas festas de piseiro, e marcada por solos grudentos e baterias sintéticas, ambos tocados pelo teclado, tão protagonista quanto os cantores.

Revolução: Pisadinha, o fenômeno do streaming

Se até o ano passado, a dupla Os Barões da Pisadinha — sexto artista mais ouvido do país em 2020 — podia soar para o Sudeste como fenômeno isolado, hoje eles são precursores de luxo de um verdadeiro levante do forró, que não para de lançar novos artistas e sucessos.

— É daqui para a dominação mundial (risos) — brinca o cantor potiguar Xand Avião, hoje com 6,5 milhões de ouvintes mensais no Spotify. — Eu canto forró profissionalmente há 21 anos, e posso dizer sem exagero nenhum que 2020 e 2021 foram os anos do forró. O gênero se consolidou. A gente era tratado pelo Sul e Sudeste como um ritmo só de São João, mas a quarentena trouxe uma digitalização forçado do público e artistas, o que botou o forró no mesmo patamar de ritmos como sertanejo e funk.

Xand e Wesley Safadão são uma espécie de padrinhos dessa geração. Eles fizeram movimentos parecidos: deixaram os grupos (Aviões do Forró e Garota Safada, respectivamente) e investiram na carreira solo, levantando a bandeira do forró eletrônico quando a pisadinha ainda não era entendida para além do Nordeste. Muitas vezes eram confundidos com sertanejos por ouvidos mais generalistas. Isso porque sempre estiveram próximos do mundo sertanejo, de onde tiraram lições importantes para desregionalizar o forró. Entre elas, a de que os temas das canções deveriam ser nacionais (WhatsApp, bebedeira etc, sem perder o romantismo), e também que a soma faz a força. Xand, por exemplo, agencia novas estrelas como Zé Vaqueiro, Nattan e DJ Ivis, este último também uma figura central nesta revolução.

O paraibano Ivis, de 29 anos, é considerado o primeiro super DJ do forró e aproximou a pisadinha do funk, da EDM e até da eurodance (em “A recaída”, com Zé Vaqueiro, ele usa sample de “What is love”, hit do Haddaway de 1993). Antes produtor de Xand Avião, ele sacou de antemão que o mercado do forró — um dos últimos polos de resistência do CD, já que os artistas têm o costume de gravar os shows direto da mesa de som e lançar no mercado de forma indepente — também se digitalizaria.

— Tinha uma oportunidade ali. Os artistas estavam errando não lançando os conteúdos no digital em massa, não chegava ao povão. Foi quando lancei o “Baile do DJ Ivis” e veio todo esse resultado — cita o produtor que virou artista, lançando canções próprias, e hoje tem mais ouvintes nas plataformas que o próprio patrão Xand (7,6 milhões), com que fará uma live de São João no próximo sábado.

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A primeira plataforma de streaming que pegou no meio do forró foi a Sua Música, brasileiríssima e gratuita, que já distribuía os novos repertórios de Barões da Pisadinha, Tarcísio do Acordeon, Safadão, Raí Saia Rodada e outros antes da migração para as multinacionais. Hoje, a empresa expandiu e virou agência, distribuidora e selo, com inspiração clara no sucesso do KondZilla no funk. Desde o dia 16, o Sua Música produz o festival digital São João de Todos, com mais de 40 atrações que resumem a trajetória do forró eletrônico desde a origem, de Mastruz com Leite, nos anos 1990, até Tarcísio do Acordeon, fenômeno das vaquejadas.

— O Tarcísio só foi surgir há um ano, e hoje é um fenômeno no Brasil todo. A maioria dos artistas nordestinos nem sabia o que era streaming antes da pandemia, não usavam o Spotify — explica Junior Vidal, coordenador de marketing do Sua Música Digital. — Hoje a gente tenta ajudar o cara a se profissionalizar, usar a grana para investir na carreira.

O salto digital impressiona. Todo um mercado musical que não explorava as possibilidades da indústria digital até o começo da pandemia hoje usa inclusive o TikTok, onde coreografias de piseiro (o passo de dança das festas e vaquejadas) viralizam toda semana. No mais recente sucesso de DJ Ivis, “Volta bebê, volta neném” (a segunda mais escutada do Brasil hoje), o parceiro DJ Guuga anuncia que é “a cara do TikTok”. A cantora Mari Fernandez, de 20 anos, pensou diretamente na rede social ao planejar o lançamento de “Não, não vou”, que lidera o ranking de músicas virais do Deezer e Spotify.

— A gente criou uma dancinha especialmente para o TikTok. Num primeiro momento, tinha 85 dublagens e, quando vi, 20 mil — comenta Mari, cujo vídeo de “Não, não vou” agora já tem quase 1 milhão de dublagens na rede de vídeos. — As redes são fundamentais para a gente fazer nossa divulgação, sempre tive isso em mente.

Aliás, a juventudade de grande parte desses novos nomes do forró eletrônico é um dos indicativos de que esse movimento veio para ficar por muito tempo. Muitos deles nem chegaram a fazer shows ainda, e terão todo um mercado nacional para explorar — segundo Xand Avião, a cada dez ligações que sua empresa, Vybbe, recebe para contratar shows dos artistas do casting, seis são do Sudeste.

— Muitos cantores têm 20 e poucos anos, Nattan, Zé Vaqueiro, Eric Land... Gente que está subindo ancorada por grandes escritórios, produtores calejados, imagino que terão venda casada de shows com estrelas... — cita o pesquisador sergipano Lucas Prata Fortes, cuja tese de pós-graduação foi um retrato histórico do forró eletrônico.

Será o fim do domínio de mais de uma década do sertanejo como gênero mais popular do país?

— Só saberemos quando os shows voltarem, porque na pandemia o sertanejo está com o pé no freio, enquanto o forró veio com tudo — analisa Prata. — Mas a simplicidade da pisadinha e as invenções sonoras do DJ Ivis trazem um horizonte de renovação sonora constante para o forró, que vai se manter na briga por um bom tempo.

* Colaborou Gisele Araújo, estagiária