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Cultura Música

Lorde: 'Cresci no feminismo e acho incrível ser feminista'

Cantora neozelandesa fala sobre as referências de seu novo álbum, 'Melodrama'
Lorde ao vivo em Las Vegas, em um show de sua “Melodrama tour”
Foto: KEVIN WINTER / Agência O Globo
Lorde ao vivo em Las Vegas, em um show de sua “Melodrama tour” Foto: KEVIN WINTER / Agência O Globo

RIO — Depois de assumir a realeza do pop aos 16 anos com o hit “Royals” e o multipremiado disco “Pure heroine” (2013) — vencedor de dois Grammy —, a neozelandesa Lorde deu um tempo. Traçou uma linha entre vida privada e pública, longe dos holofotes, se dedicou a viver. “E muita coisa aconteceu”, ela diz. Com tempo, talento, juventude etc., fez o que quis: viajou, namorou, terminou, saiu, flertou, dançou... Foi feliz como nunca e, também, sofreu um tanto. Na chegada da vida adulta, viveu o rito do primeiro amor e também o luto da primeira desilusão; e ambos transformaram a sua vida e sua música. Foi nesse purgatório, entre euforia e tristeza, descrença e superação, que um novo disco foi sendo criado e a noção de melodrama — um teatro de sentimentos extremados — se ajustou ao desejo de traduzir em canções a sua intensa jornada da vida real.

Em entrevista ao GLOBO, Lorde confirmou as referências teatrais de “Melodrama” (2017), e frisou que neste seu drama particular delírio e realidade se confundem, mas ambos se relacionam a vivências reais, a “uma jornada de descobertas, de descobrir quem se é”, diz.

— O disco tem muita carga emotiva, de dor e prazer. É meio teen nesse sentido, fatalista.

Seu olhar sobre o disco é uma boa definição do gênero teatral. No melodrama, afinal, os personagens, diante de conflitos amorosos, são fulminados pela intensidade dos seus sentimentos. Com Lorde não foi diferente. Mas em vez de camuflar sensações — como faz boa parte da sua geração —, ela encontrou no teatro o que precisava para arrancar a máscara e escancarar suas fissuras sensíveis. Melodrama, no dicionário de Lorde, é: mostrar que a gente SOFRE sim, mas não morre, e depois até dança. Como ela diz em “The Louvre”: “Megafone no peito/ Transmitir o boom, boom, boom, boom/ E fazer todos dançarem com isso”:

— A gente finge que não se importa, mas se importa sim, e eu vou mostrar — diz. — O disco mostra isso, e reúne tudo o que eu queria. Traz esse elemento teatral... É forte, ousado, cheio de cores e, ao mesmo tempo, até um pouco bobo.

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Lançado em junho passado e desde então aclamado pela crítica, “Melodrama” foi eleito o melhor disco de 2017 pela revista britânica “NME”. Nos sites agregadores de críticas, como Metacritic e Album of the Year, Lorde também está no topo, e só perde para “DAMN”, de Kendrick Lamar. O disco, cotado para receber um punhado de indicações ao Grammy amanhã, foi cuidadosamente gestado, durante quase dois anos, em parceria com o produtor Jack Antonoff (leia abaixo). “Melodrama” sofistica o minimalismo de “Pure heroine” e vai além. Ainda há a Lorde poetisa, meio solipsista, encarando a solidão num canto de quarto e confessando dores quase à capela, colada no microfone.

OBCECADA POR DETALHES TÉCNICOS

Mas o trunfo de “Melodrama” é outra persona: a Lorde festiva, que dança e delira em flertes enfumaçados na pista, na piscina ou sob o luar das madrugadas. Lorde encena a dor do rompimento e a liberdade pós-ruptura (“Green light”), o êxtase de aventuras e descobertas (“Sober” e “Homemade dynamite”), e também ilumina o estorvo que é a vida como eterno flerte, e o cansaço de ser vista como “aplicativo” feito para entreter e atender expectativas (“Liability”).

— O disco tem abismo e reconstrução. O balanço entre positivo e negativo talvez seja o que mais persigo — diz. — Crio atmosferas de intimidade... Eu só, num canto, e então tudo muda, transformo o espaço numa sala imensa, com um monte de gente. São sonhos, delírios e o outro lado...

No estúdio de Antonoff, em Nova York, a cantora e compositora também assumiu a produção musical. Obcecada por detalhes, sobretudo em relação à voz, Lorde diz que o seu papel foi o de fazer “Melodrama” soar “meu, singular e diferente de todos os trabalhos do Jack”.

— Não soa como os discos do Bleachers, ou da Taylor (Swift, que Antonoff também produziu). Isso se deve ao meu envolvimento — diz. — Meu background é música eletrônica minimalista, hip-hop, programação de bateria, então as baterias partem de mim. Os vocais também... O meu principal instrumento é a voz, então sou muito específica sobre como gravar, como afinar, equalizar... Cada microfone traz uma textura. Cuidei de tudo. Sobretudo de dizer ao Jack: “Tira isso, joga isso fora...” Ficar com o essencial. Tenho um ouvido sobrenatural para isso. É uma grande parte de mim e do meu trabalho.

A firmeza na autonomia artística também se vê nos negócios, dos quais ela faz questão de cuidar como uma empoderada feminista:

— Cresci no feminismo, e acho incrível ser feminista. Sempre tive certeza desta condição, e ela também se manifesta no trabalho. Muitas pessoas se reportam a mim, e me sinto bem nesse papel. Quando era mais nova, alguns eram mais céticos com a chefe adolescente. Hoje não. Mudou.

E diante dos recentes escândalos de sexismo e violência sexual, Lorde ainda espera mudanças:

— Não sofro diretamente, mas é óbvio que existe, e cada vez mais pessoas percebem isso. Existem, sim, grandes discrepâncias em toda a indústria do entretenimento... Relações injustas, mulheres que sofrem com isso. E é bom que algumas pessoas estejam sendo forçadas a reconsiderar suas relações com o poder, com o sexismo.