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Lulu Santos escreve ficção erótica e ganha disco de homenagem nos 40 anos de carreira: 'Como se escreve sozinho, fica masturbatório'

Entre incursões no Twitter, experiência como jurado no 'The voice' e tentativas de textos eróticos, músico comenta sua obra recriada por nova geração
O cantor, guitarrista e compositor Lulu Santos Foto: Leo Martins / Agência O Globo
O cantor, guitarrista e compositor Lulu Santos Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Na tribuna eletrônica do Twitter, Lulu Santos passou a pandemia tentando insuflar alguma esperança no público, com máximas extraídas das letras de suas músicas, como “tudo passa, tudo sempre passará” e “eu vejo a vida melhor no futuro”. Em uma ocasião, porém, arriscou-se na polêmica ao dizer que certa candidatura à presidência era “um autêntico divisor de gados” (“Eu vou lá ficar fazendo papel de comentarista político? Era uma piada, só não tirei porque estava muito quente, muito retuitada”, admite). E, em outra, fez a revelação: “Escrevo ficção erótica, só não tenho coragem de publicar.”

— Já fiz experiências [de escrita erótica] , mas fiquei com uma sensação de que, como a pessoa escreve sozinha, aquilo forçosamente fica masturbatório. A forma mais certa de fazer ficção erótica é uma troca, de preferência entre pessoas que não se conheçam. Aquilo iria enriquecer de desejo o texto — explica Lulu, de 68 anos, em entrevista exclusiva. — Mas essa não é uma possibilidade. É só mais uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor pretensão de...

“... convencer”, completaria qualquer um dos muitos que conhecem “Apenas mais uma de amor”, uma das muitas canções de Lulu Santos que estão sendo triplamente celebradas nos 40 anos de carreira solo do artista.

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A festa começou com o livro “Lulu: traço e verso” (em parceria com o ilustrador Daniel Kondo, lançado no fim do ano passado), espera uma trégua da Ômicron para seguir com a turnê retrospectiva “Alô base” e chega ao streaming nesta sexta-feira com o disco “Futuro do passado”, no qual o DJ Zé Pedro convocou a nova geração do pop brasileiro ainda subterrâneo para reler as canções de Lulu. Cada um pôde escolher a que quisesse, e a orientação do produtor foi uma só: “Esqueça a versão original, faça com que ela pareça sua e inédita.”

A convite do GLOBO, Lulu ouviu em primeira mão o disco, do qual soube poucos dias antes (foi uma surpresa muito bem guardada pelo amigo Zé Pedro). De cara, ele se animou com as frequências graves e o clima meio Pet Shop Boys que “Cadê você” (1996) ganhou nas mãos do grupo baiano Astralplane, e se interessou em perguntar quem era o artista que pegou “Telegrama” (1986) e a reconfigurou (sem abdicar das guitarras) de um jeito um tanto Depeche Mode, um tanto New Order (a obra foi do paulistano Pablo Vermell, que, como muitos dos artistas do disco, Lulu não conhecia).

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As cantoras, no entanto, foram as que mais emocionaram o artista em “Futuro do passado”. Sua interpretação favorita foi a da gaúcha Duda Brack em “A cura” (de 1988, numa gravação que já tinha sido apresentada a ele, dois anos atrás, por Preta Gil). Já o “Certas coisas” (1984) de Antonia Morais o fez exclamar: “Isso é lindo, ela tirou a harmonia e deu uma interpretação à Nara [Leão] !”. E o “Vale de lágrimas”, submetido a uma “modificação intensa” por Jennifer Souza, do grupo mineiro Moons, o levou a entregar o jogo.

— Eu teria virado a cadeira! — brincou Lulu, assumindo fora da tela o papel de jurado do programa “The Voice” , da TV Globo, no qual algumas vezes se viu diante da tarefa de emitir opiniões sobre candidatos que cantavam suas composições. — Mas elas são canções que estão disponíveis no mundo, e aquela gente precisa cantar alguma coisa! Também sei separar, não deixar que o julgamento seja mudado porque é canção minha.

Karaokê para o songbook

Uma boa perspectiva da sua obra Lulu Santos teve no mês passado, quando lançou “Traço & verso” (songbook ilustrado, com letras e cifras de 40 de suas canções, entre hits e suas preferidas) na Bienal do Livro do Rio. Foi organizado um karaokê para que os fãs se apresentassem.

— Uma moça, enfermeira do [Hospital Universitário] Gaffrée e Guinle, cantou “Como uma onda” aos prantos. As pessoas não chegaram lá para cantar, mas para extravasar. E essas canções eram o veículo para isso — conta Lulu. — Sempre achei que minhas músicas precisavam de um songbook, apostando na beleza do objeto tátil que é esse livro para você abrir, pegar seu violão e tocar.

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Compositor para quem “a inspiração é como um motor, se você desliga ele esfria”, Lulu Santos reconhece que os 40 anos como artista solo afetaram seu modus operandi .

— Com o tempo, eu fiquei muito... prático! — diz. — Quando “Hit” [um dos singles que lançou ano passado] apareceu para mim numa soneca, eu reparei que estava muito mais pronto para arriar uma ideia procurando muito menos. Se você pegar uma canção como “Casa” [hit de 1986] , ela é gongórica, difícil de tocar, uma busca de harmonias... ela tem o seu poder, a sua representatividade, eu a levo a sério, mas reconheço naquilo um excesso de forma para atingir alguma coisa. Fui simplificando para fazer da forma mais direta possível.

O cantor, guitarrista e compositor Lulu Santos Foto: Leo Martins / Agência O Globo
O cantor, guitarrista e compositor Lulu Santos Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Em 2022, por sinal, completam-se 50 anos desde que a edição brasileira da revista “Rolling Stone” anunciou: “Eles são os nossos guitarristas de vanguarda, a voz da nova geração”. Entre Pepeu Gomes, Sérgio Dias (Mutantes) e Lanny Gordin, lá estava Luiz “Lulu” Maurício, de 19 anos, do grupo Albatroz. Um garoto que, “além de estudar quatro horas diárias de violão, toma aulas de teoria, solfejo, violão e canto”.

— Parei com a busca pelo instrumentista, chegou uma hora em que eu quis ser identificável e me bastar. Você fica muito preso ao papo técnico e à execução. Eu pratico sempre que posso, mas a busca é por usar menos elementos, ser mais zen — idealiza. — Precisei me despir e perceber que a música no mundo estava indo para outro lugar e que a ideia central, o discurso, era mais importante.