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Lulu Santos: ‘Me incomoda a perda do conhecimento’

Músico, que faz live sábado, lança com o Melim ‘Inocentes’, canção sobre mundo que ainda discute ‘coisas que a humanidade tinha resolvido na idade média’
SC - Lulu Santos e o grupo Melim Foto: Leo Aversa / Divulgação
SC - Lulu Santos e o grupo Melim Foto: Leo Aversa / Divulgação

Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia — bem sabia Lulu Santos em 1983 quando cantava “Como uma onda”, música de seu segundo LP, “O ritmo do momento”. No indo e vindo da vida, assim como no das ondas do mar, ele não se deixou levar. Passou por muitas fases em sua carreira solo que já se estende por cinco décadas, e na quinta-feira lança seu quarto single apenas este ano: “Inocentes”, com a participação dos três irmãos de Niterói do grupo Melim .

Na canção, do mais inconfundível pop Lulu, o músico e personalidade televisiva (como jurado do “The voice” ) pede ajuda, aos 69 anos: “Será que alguém aqui consegue explicar quando é que a gente abriu mão de tanta conquista, de tudo que caminhamos pra nos libertar?”

— É uma pergunta mesmo, até porque eu mesmo não recebi o memorando. Não combinaram nada comigo e eu também não combinaria nada nesse sentido! — brinca Lulu, que no sábado aproveita o embalo para fazer a “Lulu live”, a partir das 20h, com transmissão do Globoplay (na apresentação, ele antecipa o repertório de sua próxima turnê, “Alô base”). — O que mais me incomoda hoje em dia é a perda de conhecimento. No Brasil, a partir dos últimos dois anos, se discutiu coisas como o terraplanismo que a Humanidade já tinha resolvido na Idade Média!

Um discurso no ar

Palavras da terminologia religiosa — típicas do neopentecostalismo em expansão no país — fazem-se presentes na letra da nova canção de Lulu, em versos como “inocentes vão marchando para o precipício / convencidos de encontrar um paraíso”.

— É o discurso que está no ar, é o que a gente ouve e percebe, e eu reinterpreto isso do meu ponto de vista — argumenta o cantor. — Conscientemente ou não, “Inocentes” é uma forma de resistência, do tipo “bitch, don’t kill my vibe”. O primeiro single dessa sequência [de canções de Lulu em 2021] , a minha metacanção “Hit”, dizia a mesma coisa: não importa o que esteja acontecendo, eu não vou ser sequestrado por esse ralo, por esse pântano emocional.

Mas no sábado, com “Alô base”, o cantor deixa de lado as agruras atuais para comemorar 40 anos de carreira solo. Sim, foi em 1981, depois de um falso começo em um disquinho com o nome de Luís Maurício, que Lulu Santos lançou seus dois primeiros singles (na época, chamados de compactos): “Tesouros da juventude” e “Areias escaldantes”.

— O “Alô base” é uma forma de reconexão. Nesses últimos 40 anos, experimentei muito, andei muito com a minha música e minha sonoridade. Aplaquei minhas curiosidades e meus interesses. E me aproximei de coisas que, para quem me acompanhava desde o início, podem ter parecido o oposto daquilo que eu comecei a propor — diz. — Para mim, “Alô base” é o meu inteiro, o “sou como sou”. A proposta agora é retomar o discurso todo para ver se ele ainda faz sentido.

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Artista que começou profissionalmente na música há quase 50 anos, com o grupo Veludo Elétrico (e levou uma década para gravar seu primeiro LP solo), Lulu Santos diz apreciar essa “nova forma de fazer as coisas” em 2021, que é a de lançar músicas no streaming sempre que dá na telha, sem a necessidade de esperar até ter composições suficientes para um álbum.

— Depois de 25 ou 26, nem sei, álbuns lançados, muitas vezes me dá a sensação de que eu entreguei mais do que era necessário. E agora essa forma conta-gotas de fazer a coisa me cai muito bem — explica Lulu, que este ano lançou, além de “Hit”, a regravação de “A Cura” (com “Vitor Kley) e “Também não sei de nada :D” (com Luísa Sonza ). — Essas colaborações me vieram como convites, e se o convite é bom eu não tenho por que não atendê-los.

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Para 2022, além da turnê “Alô base”, Lulu Santos pretende lançar o seu aguardado songbook. O que vai ficar na gaveta é “Relux”, disco que gravou no ano passado.

— Ele tem uma porção de coisas que eu nunca tinha regravado, como “Tesouros da juventude”, e coisas inéditas, entre as quais “Inocentes”, a única canção que eu fiz em 2020 — conta. — Mas depois percebi que nenhuma das regravações era mais expressiva do que as originais.