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Cultura Música

Mr. Catra: um adeus tão acolhedor quanto ele foi em vida

Com música, amigos das mais diferentes origens foram se despedir do MC em seu enterro na manhã de terça, no Jardim da Saudade
Amigos e parentes se reuniram para uma celebração musical no enterror do MC Mr. Catra no Jardim da Saudade Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo
Amigos e parentes se reuniram para uma celebração musical no enterror do MC Mr. Catra no Jardim da Saudade Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo

RIO - "Tem gente que não gosta de funk, mas gosta de Catra", ouviu-se, em algum momento, na despedida ao MC, na manhã de terça-feira, no cemitério Jardim da Saudade, no bairro de Sulacap. Muitos foram os parentes que compareceram ao sepultamento de Mr. Catra, pai de 32 filhos, que morreu de câncer em São Paulo, no domingo . Mas, entre as cerca de 400 de pessoas que estiveram lá, a maior parte era de amigos que ele fez não só no funk, mas em diversos campos de uma vida no mínimo surpreendente .

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Ao som de um atabaque, tocado por Wellington Coelho (percussionista da banda de heavy metal de Catra, Os Templários), um grupo que incluía os MCs Doca (da dupla com Cidinho, do "Rap da felicidade") e Duda do Borel lembrou, à beira do túmulo, músicas do amigo como "Ô, simpático", "Vida na cadeia", "Adultério", "Cachorro", "Capô de Fusca" e "Retorno de Jedi". Um Catra unplugged cantado com sentimento em todas as suas — duras, escrachadas — letras.

"Festa na Terra, ele fez. Agora é festa no Céu", ouviu-se num outro momento, quando os companheiros de crença evangélica do MC fizeram orações e entoaram o hino "Faz um milagre em mim", do cantor gospel Regis Danese.

Nesse momento, o pastor Hélio Cardoso fez questão de revelar que Catra o ajudou a construir sua igreja em Vargem Grande. Uma amiga anunciou que as córneas do cantor foram doadas a uma menina de 11 anos de idade . E um amigo lembrou da conversão ao judaísmo do artista — e a coincidência (ou não) de ele ter morrido no período do Rosh Hashaná, os festejos do ano novo judaico.

Enquanto isso, o guitarrista dos Templários, Reinaldo Gore Doom, trazia ainda mais um componente de ecletismo espiritual à despedida: uma camiseta do grupo Iron Maiden, reproduzindo a tétrica capa do disco "Killers".

— Essa camiseta era do Catra, foi ele que me deu — disse.

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Doca e Duda do Borel foram alguns dos muitos amigos da música que fizeram questão de se despedir de Catra (e quem não pôde, mandou coroa de flores, como foi o caso de Mano Brown, dos Racionais MCs). Num respeitoso momento de luto, com os volumosos seios cobertos e sem suas famosas extensões capilares, a MC Jojo Todynho era das mais consternadas. Tati Quebra-Barraco, por sua vez, passou pelo Jardim da Saudade com silenciosas lágrimas. E Buchecha, colega dos primeiros tempos de bailes, compartilhou suas impressões e lembranças:

— Mesmo com aquela aparência fechada, que assustava, o Catra era um cara dócil. Ele tinha uma história controversa, era 100% favela, e por escolha dele. Também era um cara super culto e inteligente, que fazia um trabalho diferente dos demais. No funk só existe um Catra, ele é insubstituível.

Além dos MCs, o enterro de Mr. Catra promoveu a façanha de reunir três gerações de produtores de bailes funk: Rômulo Costa (da equipe de som Furacão 2000), o DJ Marlboro (da Big Mix) e Mateus Aragão (da festa Eu Amo Baile Funk).

— O legado que o Catra deixou é essa geração toda que se inspirava nele — disse Rômulo. — Ele era o nosso intelectual, em todas as brigas, em todas as guerras, ele estava lá para nos defender. O Catra era um cara culto, tudo ao contrário do que se falava do funk

Marlboro acrescentou:

— O Catra era aquilo que ele era, a liberdade dele era admirável. Ele tinha muito ainda a contribuir para o funk. Tinha esse lado brincalhão, fanfarrão dele, mas era um cara generoso, protetor, bem família.