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Cultura Música

Os desafios que Anitta precisa ultrapassar para se firmar no mercado americano

Sotaque, concorrência de fenômenos pop estrangeiros e necessidade de um estilo mais icônico são listados como obstáculos por especialistas
Anitta no clipe "Girl from Rio" . Foto Mar+Vin Foto: Foto Mar+Vin / Montagem de André Mello
Anitta no clipe "Girl from Rio" . Foto Mar+Vin Foto: Foto Mar+Vin / Montagem de André Mello

A dubiedade da frase “gringo canta, todo mundo canta”, em português, no meio dos versos em inglês da música “ Girl from Rio”, de Anitta , resume bem o caminho da cantora, que dá agora sua tacada mais ousada no mercado internacional . Seria uma reflexão sorrateira sobre como precisamos do estrangeiro na legitimação do sucesso? Ou apenas uma constatação de que a mistura da bossa nova com o trap deixa apaixonado até o anglófono mais bairrista? A interpretação fica por conta do ouvinte, mas o fato é que faz 15 dias que a carioca, de 28 anos, lançou uma música em inglês sem a participação de outros grandes nomes (como nas parcerias com Cardi B, J Balvin e outros). Fez de Miami sua base e tem aparecido em importantes espaços da mídia americana: foi dos programas de TV “Today Show” e “Jimmy Kimmel Live” à capa da edição de maio da badalada revista de beleza “Allure”.

Leia mais: Anitta relembra planos para mercado internacional: 'Sozinha, fui correndo atrás de contatos no exterior'

Mas, até o momento, fazer o gringo cantar tem sido um processo lento. No lançamento de “Girl from Rio”, a música entrou na 58ª posição do top 200 do Spotify; nos dias seguintes caiu para 101º, 170º, 198º e saiu de vez. Não figurou nas paradas da Billboard, como ela conseguiu com “Me Gusta”, parceria com Cardi B e Myke Towers, lançada no ano passado e que chegou à 38ª posição. No YouTube, nos últimos sete dias, seus vídeos foram vistos 11,7 milhões de vezes no Brasil, contra 482 mil nos Estados Unidos.

— Ela está em crescimento constante aqui, mas não em explosão — diz K. E. Goldschmitt, professor de etnomusicologia da Wellesley College, nos EUA, e autor de “Bossa Mundo: Brazilian Music in Transnational Media Industries”. Como exemplo desse caminho, ele cita que ela está no 25º lugar da playlist “Pop Rising” do Spotify.

Mas por que é tão difícil explodir nesse mercado? Especialistas citam a língua. Por mais que o artista não anglófono fale inglês (e Anitta faz isso muito bem), o ouvinte é exigente.

— Cantar em inglês é difícil. Ela já tem um certo poder entre as pessoas que falam espanhol, mas não entre os anglófonos, especialmente entre os que não saem da própria bolha — diz Goldschmitt. — Anitta está concorrendo com The Weeknd, Maroon 5, Miley Cyrus.

Se a sonoridade do idioma é uma questão, o que logo vem à cabeça, no entanto, é Shakira. Como, então, explicar o sucesso dela?

— Shakira aparece, junto com Ricky Martin e Enrique Iglesias, no início dos anos 2000. Havia uma mania de música latina cantada em inglês, com sotaque, para celebrar uma “fantasia tropical” — diz Goldschmitt.

Made in Korea

A maré anda em alta mesmo é para o K-Pop. Os estrangeiros que mais têm se dado bem no mercado americano são os coreanos, cujas músicas têm coreografias estrategicamente pensadas para viralizarem no TikTok.

— Eles copiaram muito bem a fórmula anglo-saxônica, todos os elementos foram apropriados — diz Simone Pereira de Sá, professora de Estudos de Mídia da UFF, com pesquisas em música pop e internet. — Fora que há um crescente interesse pela cultura asiática no mundo.

A estratégia de Anitta em misturar a bossa nova, um ritmo cultuado, com o trap, uma das batidas globais mais incensadas do momento, é vista como original e ousada por especialistas. A primeira é sinal de refinamento; o segundo indica sintonia com o universo pop.

— Ela recorre à bossa nova, que está no imaginário do exterior sobre o Brasil e traz legitimidade. Mas é um ritmo que tem um limite de segmento, que nunca foi consumido pela juventude americana — diz Simone. — O desafio se torna falar para quem não sente o impacto desse som. Aí entra o trap e o clipe, com o erotismo das divas internacionais.

São tantas camadas que ainda é cedo para dizer como será a recepção de Anitta pelo público anglófono. Dizer o plano “flopou” (termo nas redes sociais para algo que não fez sucesso), por ora, é precipitado.

— Ela está se cercando de empresários internacionais. Tem tudo para decolar, mas é um trabalho de formiguinha — pondera Simone.

Segundo Tom Corson, co-presidente e diretor de operações da Warner Records, um dos nomes “gringos” por trás do marketing da carioca no exterior, o esquema foi facilitado, de certa forma, pela pandemia.

— Em tempos sem Covid, as maiores dificuldades de um cantor não anglófono, além da língua, era geografia e distância. É muito caro levar artistas aos EUA para turnês, promoções e aparições na TV. Não é o ideal ter o mundo preso em casa, mas isso tornou-se o grande equalizador. Eles puderam filmar produções incríveis, incluindo performances de televisão, shows ao vivo de sua cidade natal para uma audiência global — diz Tom.

Além da música

Sucesso no exterior não significa apenas ter músicas reproduzidas à exaustão. Numa sociedade altamente imagética, ser um ícone de estilo faz parte do que se entende por “chegar lá”.

Jessica Chia, uma das editoras da “Allure”, vê muitos pontos em comum entre a personalidade de Anitta e a de uma superestrela global: moderna, corajosa e ousada.

— Isso se encaixa totalmente no que entendemos sobre o que vem a ser uma celebridade.

Porém, Jessica ainda sente falta de algo mais, já que o desafio comum a todos os candidatos a celebridade é desenvolver um estilo icônico, “que faz as pessoas comentarem”.

— Anitta é linda, sexy, mas já passamos disso. Hoje, você precisa ser vanguarda na moda, como Rosalia e Billie Eilish, artistas muito cool.