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Priscilla Alcantara: 'Quero que partes da minha vida permaneçam misteriosas'

Ganhadora do 'The masked singer Brasil', ex-cantora gospel faz transição para o pop e diz que não compõe só sobre suas experiências: 'Tento captar a visão de outras pessoas e uso muito a imaginação'
A cantora Priscilla Alcantara Foto: Gabriela Schmidt / Divulgação
A cantora Priscilla Alcantara Foto: Gabriela Schmidt / Divulgação

Aos 25 anos, a cantora Priscilla Alcantara é daquelas estrelas que brilham ao desafiar as expectativas. Filha de músicos líderes de louvor e ex-apresentadora infantil no SBT (do programa “Bom dia & cia”), ela se consagrou como grande nome da música gospel que atrai mais ouvintes a cada ano no país . Mas a partir do último dia 19, tudo mudou: fantasiada de Unicórnio, Priscilla foi a vencedora da primeira edição do programa “The masked singer Brasil” , da TV Globo. E, três dias depois, lançou o seu primeiro álbum de transição para o pop secular, “Você aprendeu a amar?”, com canções que compôs e produziu com Lucas Silveira (líder da banda de rock Fresno) ao longo da pandemia que passou em casa com os pais, a irmã e a cachorra, a Golden retriever Menina.

— Lançar um álbum pop não foi só uma experiência, quero encontrar um lugar que faça sentido para mim, para as pessoas e para o mercado. Quero ser feliz fazendo o que eu amo, já que Deus me deu essa oportunidade. Vou lançar músicas até não aguentar mais e construir um relacionamento com o público do pop, quero entrar nos grandes festivais de música — conta a cantora, muito elogiada por artistas como o rapper Emicida , com quem vai ainda vai lançar a música que dá título ao álbum (“ele me inspira muito e tem me dado muitos conselhos”, diz).

Você chegou a dizer que, por causa do “Masked singer”, nesses últimos meses voltou a viver música como um sonho, não só como um emprego...

Foi um reencontro com a Priscilla de seis anos de idade, que sonhava em ser o que ela se tornou hoje. Me reconectei com esse sonho, entendendo que apesar de eu ter o privilégio de pagar minhas contas fazendo o que eu amo, aquilo não era o meu emprego apenas. Eu entendi que precisava desfrutar disso e expandir isso em forma de mensagem para alcançar outras pessoas. A experiência de viver um unicórnio, que é um ser mágico, ajudou a reavivar o meu sonho.

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Você tem mais de seis milhões de seguidores no Instagram. O quanto o fato de poder estar ali, no programa, sem as pessoas saberem que era você, foi um estímulo para participar?

Eu relutei muito em entrar num reality show, já fui convidada para vários, mas quando me contaram que a proposta era essa, que nada além da voz seria levado em consideração, eu falei: é desse tipo de reality que eu gostaria de participar! O “Masked Singer” promove uma reflexão muito interessante: de que vale o nome que a gente construiu, de que vale esse rosto? Na verdade, o que vale é a arte, é a música e todo sentimento e emoção que a gente é capaz de levar para as pessoas. Não depende da minha imagem ou do branding Priscilla Alcântara.

Priscilla Alcantara com a fantasia de unicórnio com a qual foi a primeira vencedora do programa 'The masked singer Brasil' Foto: Foto Fabio Rocha/TV Globo / Divulgação
Priscilla Alcantara com a fantasia de unicórnio com a qual foi a primeira vencedora do programa 'The masked singer Brasil' Foto: Foto Fabio Rocha/TV Globo / Divulgação

Você sabia que ia ganhar?

Olha, eu sou competitiva... e dentro do coraçãozinho eu carregava esse sentimento. Mas eu não deixava isso ser o foco, porque a ambição pode consumir muito a gente e trazer frustração. Minha maior motivação era dar o meu melhor, para que tanto eu quanto o público ficassem satisfeitos.

Sabemos que o mistério é a alma do negócio do artista, mas você poderia falar um pouco dos simbolismos do título do seu disco?

Ele veio de uma reflexão que eu ouvi: e se, na hora de a gente ir lá para o Céu, a única pergunta que fosse feita para poder entrar fosse “Você aprendeu a amar?” Isso foi muito forte. A gente fica focado em produzir tanta coisa e de repente a única coisa que vai importar é se aprendeu a amar.

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E você, aprendeu amar?

Eu tô tentando a cada dia aprender a amar melhor. O amor, apesar de parecer simples, é uma coisa tão complexa que talvez até o final de nossas vidas não aprendamos a amar de fato. Existem muitas formas de se falar sobre o amor, e eu adoro escrever sobre romances. Mas aproveito o disco para trazer também a abordagem do amor como princípio, como um algo que a gente precisa exercer todos os dias, com todo mundo com quem a gente se relaciona. É o amor que sustenta a nossa existência.

Você escreveu todas as letras do disco?

Em algumas músicas, eu tive ajuda do Lucas porque eu não estava habituada a compor para o pop. Descobri que podia evoluir nas minhas canções, fazer com que elas fossem mais... corretas. Eu mandava algumas composições e ele me devolvia com alguns feedbacks muito bons. O Lucas me ensinou a fazer aqueles refrãos-chiclete, que são curtos e que têm sempre uma frase musical que vai ficar na cabeça. E me mostrou como usar palavras-chave, essas que conversam mais com o dia a dia da galera. O jeito com que eu escrevo é muito mais poético do que literal.

Em que medida “Você aprendeu a amar?” é um diário seu?

Algumas letras são, sim, histórias pessoais – sobre mim e para mim. E gosto de pensar em coisas que podem ser comuns a outras pessoas. Imagino histórias que alguém pode estar passando e às vezes me inspiro no que alguém perto de mim esteja vivendo. Tento captar a visão de outras pessoas e uso muito a imaginação, não gosto de me prender às minhas próprias experiências. Nunca vou fazer um álbum que fale só sobre romance, ou que só tenha músicas para o entretenimento. Gosto de fazer esse 360º na vida humana, os sentimentos tristes e os alegres.

Em “Correntes”, você canta “querem me destruir / podem até tentar / sugiro que juntem-se a mim / pois não vão me parar”. Forte, não?

É... mais afiado. Nunca escrevi de uma forma tão aberta sobre esses sentimentos, sobre esse posicionamento, digamos... mais justiceiro. Eu sempre fui mais doce nas minhas composições e desta vez eu quis ser mais direta, sem fazer curvas, sem florear demais. Quis escrever sobre o sentimento bruto, como ele é. A liberdade artística me dá espaço para isso, é uma oportunidade de as pessoas me verem escrevendo de uma outra forma.

Você, como diz a letra de “Correntes”, já bateu de frente para se manter coerente?

Bati de frente não com pessoas, mas com ideias, no sentido de resistir naquilo em que acredito, independentemente das expectativas que se tem sobre mim. Evito levar para o lado pessoal, porque desgasta muito.

E quando você canta “chamei o espelho de inimigo / só porque ele foi sincero comigo” (em “Tem dias”), isso vem da experiência, observação ou imaginação?

Essa veio de uma experiência minha durante a pandemia, que foi difícil não só para mim, mas para todo mundo, principalmente ao lidar com questões de saúde mental. Foi um momento que me esticou bastante através da dor e do sofrimento. Foi o momento em que realmente eu olhei para o espelho e ele mostrou todas as verdades que a gente evita enxergar. Às vezes, a primeira reação é chamar o espelho de inimigo só porque ele está sendo sincero. Foi uma luz.

O que foi que mais te angustiou na pandemia?

Ah, com certeza o isolamento. Eu sou uma pessoa muito sociável, na minha vida eu sempre me relacionei com muitas pessoas ao mesmo tempo. Minha casa sempre estava cheia e isso sempre foi minha fonte de inspiração na hora de produzir arte. Sem tudo isso, eu só me vi comigo... e não foi tão legal. Passei por um momento de autodescoberta que foi muito profundo e nem sempre tão confortável. Mas nessa solitude eu pude também me reencontrar e restabelecer coisas que estavam erradas, no final das contas eu tive muitos aprendizados.

Aliás, quando você lançou a música “Boyzinho”, o trend topic do Twitter foi “Quem é o namorado de Priscilla Alcântara?”...

Eu fiz uma brincadeira, porque sou muito reservada na vida pessoal. Minha vida amorosa é uma incógnita para as pessoas, nunca falo sobre isso. Já tenho tanto da minha vida exposto que o máximo que posso eu guardo para mim. Quis brincar com a curiosidade das pessoas, aquela postagem foi só eu e meu maquiador, tirando uma foto promocional.

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Desde criança que você vive sob o olhar do público. Algum dia sonhou em ter uma vida normal, de pessoa não famosa?

Gosto muito da minha vida como ela é. Tem alguns contras, mas eu amo os prós. Eu não penso no que poderia estar fazendo se não fosse famosa, e sim no que eu posso fazer com essa plataforma que tenho. Gosto que existam mistérios sobre algumas áreas da minha vida porque amo o que faço, amo ter pessoas que me ouvem.

Dois anos atrás, você dizia que sua meta na vida era “influenciar pessoas”. E hoje?

Continua sendo. Na minha jornada, entre popularidade e influência, eu sempre escolhi a segunda opção. A popularidade pode ser momentânea, já a influência pode ser eterna. Através da arte eu procuro compartilhar o que tenho de melhor, o centro do meu mundo é sempre o meu próximo. Pego minhas experiências e traduzo para as outras pessoas se enxergarem nelas e não se sentirem mais sozinhas. Para que, desses testemunhos, elas vejam uma luz, uma esperança.

O quanto das suas ideias você ainda traz da formação evangélica e dos tempos no gospel?

A fé não é só uma parcela da minha experiência, é o centro da minha vida. Tudo que eu entrego às pessoas vem dela.

Muitos foram os comentários dos seus seguidores no Instagram para a foto da sua vacinação. Você escreveu “obrigada SUS e ciência” e teve gente que perguntou “e Jesus?”...

Para mim, de forma alguma a fé anula a ciência, uma coisa respalda a outra. Partindo do princípio de que Deus é o criador de todas as coisas e de que Ele nos fez à Sua imagem e semelhança, eu celebro a ciência porque eu sei de onde ela vem. Quando faço isso, estou glorificando o Criador, que é quem, segundo a minha cosmovisão cristã, nos deu a habilidade de construir todas essas coisas. Eu creio que o próprio Criador se alegra em nos ver usando todas essas ferramentas para o bem.

O que a passagem para o mercado secular te trouxe de bom até agora?

Trouxe pessoas novas, que eu não conhecia e que não me conheciam, é mais gente com as quem posso me conectar através da arte. Mas é tudo muito novo, eu estou chegando ainda a esse universo ao qual tinha acesso, mas não vivia nele. Estou começando a criar uma relação com o pop, esse gênero que é novo para mim. Vou experimentando e entendendo como ele funciona.

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Quantas tatuagens você tem hoje?

Ixi, tenho que parar para contar, mas acho que já passou de 15. Eu nem tenho muitas, é que elas são bem grandes e fica muito visível.

Tem uma na qual se lê “you make a fool of death with your beauty” (“você faz a morte de bobo com sua beleza”, em tradução livre). Esse é um verso de “Hunger”, música da Florence + The Machine...

Sim, eu amo muito essa música! Quando a ouvi pela primeira vez e prestei atenção nessa frase, comecei a chorar, porque era o que eu falaria para Jesus se estivesse na frente d’Ele. Não sei qual foi a inspiração da Florence na hora de compor, mas eu me vi podendo recitar ela para pessoa que eu mais amo. E então tatuei ela no braço.