Cultura Música

Após ganhar o Eurovision, banda italiana Maneskin quer conquistar o mundo

Grupo de rock entra no Top 10 Global do Spotify, contrariando tradição dos vencedores do Eurovision de serem esquecidos assim que a competição termina
A banda italiana Maneskin, a partir da esquerda: Victoria De Angelis, Ethan Torchio, Damiano David e Thomas Raggi Foto: VALERIO MEZZANOTTI / NYT
A banda italiana Maneskin, a partir da esquerda: Victoria De Angelis, Ethan Torchio, Damiano David e Thomas Raggi Foto: VALERIO MEZZANOTTI / NYT

ROMA - Quando o grupo de rock Maneskin venceu o Eurovision deste ano, ainda era pouco conhecido fora da Itália. Mas a competição catapultou a banda para 180 milhões de telespectadores e impulsionou sua canção "Zitti e Buoni" ao Top 10 Global do Spotify, algo inédito para um grupo italiana. Com quase 18 milhões de ouvintes no último mês, a Maneskin ultrapassou, no mesmo período, bandas consagradas como Foo Fighters e Kings of Leon.

As atrações da competição musical europeia normalmente desaparecem dos holofotes assim que a disputa termina. Mas os membros do Maneskin esperam desenvolver sua fama na Itália e aproveitar o recém-conquistado  interesse internacional para se tornar uma rara história de sucesso de longo prazo do Eurovision.

Maneskin - 'Zitti e Buoni'

Uma polêmica surgida logo após a vitória só aumentou a notoriedade da banda. Naquela noite, um vídeo mostrando o vocalista Damiano David curvado sobre uma mesa se espalhou pela internet. Numa entrevista coletiva, um jornalista sueco perguntou se David estava cheirando cocaína ao vivo na TV. O cantor negou o uso de drogas e fez um teste que deu negativo. A European Broadcasting Union emitiu um comunicado dizendo que “não houve uso de drogas” e que “considera o assunto encerrado”.

Elegância andrógina

Damiano David, Thomas Raggi e Victoria De Angelis, da banda italiana Maneskin Foto: VALERIO MEZZANOTTI / NYT
Damiano David, Thomas Raggi e Victoria De Angelis, da banda italiana Maneskin Foto: VALERIO MEZZANOTTI / NYT

Portanto, foi uma estreia conturbada para o quarteto de jovens músicos — David tem 22 anos; a baixista Victoria De Angelis, 21; e o guitarrista Thomas Raggi e o baterista Ethan Torchio, 20. “Para nós”, disse De Angelis em uma entrevista recente, “música é paixão, diversão, algo que nos permite desabafar”. Nenhuma surpresa para quem já viu a Maneskin ao vivo. A banda é uma bomba de carisma e energia jovem no palco.

Um crítico de música italiano comparou Maneskin — que significa luar em dinamarquês — ao coelho das propagandas de pilha. Isso pode explicar em parte porque “Zitti e Buoni” transcendeu o que poderia ter sido uma barreira linguística intransponível (embora já exista uma versão em finlandês).

Com sua indiferença andrógina elegante e cuidadosamente planejada, com direito a saltos altos, esmalte preto e olhos delineados, a Maneskin quebra as barreiras de gênero e defende a auto-expressão. A banda foi formada em 2015. David, De Angelis e Raggi se conheciam desde o ensino médio, em Roma. Torchio, cuja família mora perto da cidade, juntou-se ao grupo depois de responder a um anúncio em um grupo do Facebook.

Não havia muitos locais para bandas de rock incipientes se apresentarem, então eles tocavam nas ruas, em escolas e em restaurantes "onde se esperava que você levasse seu próprio público", lembra David. Depois de alguns anos de luta para conseguir shows, a banda participou da edição italiana do “X Factor”, em 2017.

Rock, moda e carisma

A banda italiana Maneskin durante a competição do Eurovision Foto: ILVY NJIOKIKTJIEN / NYT
A banda italiana Maneskin durante a competição do Eurovision Foto: ILVY NJIOKIKTJIEN / NYT

Anna Curia, de 24 anos, diz que “foi amor a primeira vista” quando viu o grupo no programa — poucas semanas depois, ela fundou o fã-clube oficial da banda.  Outros fãs-clubes logo o seguiram. Existe até um, chamado Mammeskin, para mulheres mais velhas. A passagem pelo “X Factor” também chamou a atenção de Veronica Etro, da grife Etro.

— Eles tinham algo diferente — diz a diretora criativa da marca de moda feminina. — Fiquei enfeitiçada.

A casa de moda procurou o grupo e passou a vesti-los para as capas de álbuns e vídeos. Foram eles também que forneceram as roupas usadas no Eurovision, onde os looks de couro vermelho laminado cravejado do lembraram uma mistura de "Jimi Hendrix com 'Velvet Goldmine'", segundo a crítica Vanessa Friedman, do "New York Times".

— O que mais gosto é como eles misturam roupas masculinas e femininas — disse Etro em entrevista por telefone. — Há algo muito revolucionário neles, a maneira como não têm medo e se divertem com as roupas.

Manuel Agnelli, um dos jurados do “X Factor” em 2107, decidiu cuidar da carreira da Maneskin. No início, eles não eram musicalmente maduros, diz ele, "mas tinham qualidades que não podem ser ensinadas, na personalidade deles".

— A imagem é uma parte importante do que eles são, a sexualidade, o carisma, os corpos. É parte do rock, é parte da performance — defende Agnelli.

Fenômeno da televisão

Members of Maneskin, the Italian rock band, from left: Ethan Torchio, Damiano David and Thomas Raggi, in Milan, June 10, 2021. Maneskin is a hit on the charts, and its members want to become a rare long-term Eurovision success story. (Valerio Mezzanotti/The New York Times) Foto: VALERIO MEZZANOTTI / NYT
Members of Maneskin, the Italian rock band, from left: Ethan Torchio, Damiano David and Thomas Raggi, in Milan, June 10, 2021. Maneskin is a hit on the charts, and its members want to become a rare long-term Eurovision success story. (Valerio Mezzanotti/The New York Times) Foto: VALERIO MEZZANOTTI / NYT

A Maneskin ficou em segundo lugar no "X Factor", perdendo para Lorenzo Licitra, um tenor cujo estilo está mais em sincronia com a tendência italiana para grandes baladas melódicas. Ainda assim, o programa provou ser um trampolim para eles.

— Eles são um fenômeno da televisão —  diz Andrea Andrei, jornalista do jornal "Il Messaggero", de Roma. — Sem o "X Factor" e a máquina por trás do programa, a Maneskin teria precisava lutar por muito mais tempo, como acontece com outras bandas de rock.

A verdadeira surpresa, para muitos comentaristas italianos, foi a vitória da Maneskin no Festival da Canção de Sanremo, em março passado. Esse é o evento nacional que define o participante italiano no Eurovision. Até alguns anos atrás, Sanremo atraía principalmente artistas cujo apogeu musical antecede Woodstock, mas as edições recentes alcançaram o público mais jovem, envolvendo os vencedores de programas de talento como o “X-Factor”.

— A Itália nunca teve uma relação próxima com o rock, o estilo nunca se tornou popular — diz Andrei. — A vitória do Maneskin foi inesperada, porque eles são uma verdadeira banda de rock.

Produtos ligados ao álbum mais recentes da banda esgotaram em minutos. Uma música foi parar em um comercial da Pepsi. E, no início deste mês, a banda se separou de Marta Donà, sua empresária desde 2017, e o nome de Simon Cowell, o mentor por trás do “X-Factor ” original, surgiu como um possível sucessor. O grupo não anunciou quem vai substituir Donà.

Agnelli, o juiz italiano do “X-Factor”, deu ao quarteto alguns conselhos para aproveitar o momento atual: façam o máximo possível de shows, ganhem experiência e continuem a ser eles mesmos.

— É a maior força deles — resume.