Cultura Música

Artigo: Naná Vasconcelos, a percussão como solista

Siba: ‘Posso falar que ele foi o grande herói concreto, vivo e palpável pra mim’

Naná Vasconcelos ao lado de Marisa Monte no carnaval de 2008
Foto: Hans von Manteuffel / Agência O Globo
Naná Vasconcelos ao lado de Marisa Monte no carnaval de 2008 Foto: Hans von Manteuffel / Agência O Globo

RECIFE - Naná teve uma importância tão grande, foi um artista tão cheio de facetas e com uma dimensão que resvala em tantas direções, que é difícil falar dele de modo linear. Deixou sua marca definitiva na música popular brasileira e dialogou com os grandes nomes do jazz do tempo dele, levando a marca pessoal e do Recife a tudo o que fazia.

Talvez seja difícil para alguém de fora medir a importância dele para Pernambuco. Faço parte do maracatu de baque solto, e sempre admirei muito o papel que Naná tomou para si de grande intermediador do maracatu de baque virado no carnaval, coisa que ganhou uma relevância enorme nos últimos anos.

Ele liderou um movimento de união dos grupos de baque virado, o que é algo extremamente forte levando-se em conta uma tradição tão competitiva como essa. Ainda por cima, esse movimento se dá na cerimônia de abertura do carnaval do Recife, no Marco Zero. É responsabilidade dele dar essa visibilidade a uma tradição africana, negra, de Pernambuco, que até hoje é muito discriminada. Sua presença naquele lugar simbólico enfrenta resistência política, incomoda certas pessoas.

Além disso, tem a dimensão humana, que se traduz numa preocupação constante com as crianças. Depois de toda a experiência internacional que teve ao longo da vida, talvez por ter vindo do subúrbio de Olinda, ele nunca deixou de pensar nos pequenos, de tocar projetos de ensino voltados para eles. E sempre dava um jeito de chamar os grupos formados nas aulas para participações em shows e festivais. Era uma preocupação genuína em deixar uma mensagem para o futuro.

Todos no Brasil devem a Naná a valorização do significado da palavra percussionista. Antes eles eram vistos como as figuras que complementavam o som principal, muitas vezes escondidos no fundo do palco. Naná foi um dos principais nomes a mostrar que a percussão poderia ter papel de solista nas composições e nos arranjos. Que o trabalho de um compositor como ele poderia dialogar de igual para igual com nomes grandes da música brasileira.

De um modo mais pessoal, posso falar que ele foi o grande herói concreto, vivo e palpável pra mim. No começo de minha trajetória, pensando na opção de risco de ser artista, o tive como referência muito importante, por ser um músico da minha cidade, e que tinha conseguido superar as limitações que tanta gente tem. Conseguiu conquistar um espaço único no mundo.

A gente se encontrou em várias situações, já viajei bastante com ele em festivais, e vou guardar com emoção as muitas lembranças de encontros em aeroportos e camarins do Brasil e de fora. A última vez foi em Buenos Aires e Montevidéu, onde participamos de um festival com música de Pernambuco.

* Siba é cantor e compositor de Pernambuco