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Artistas como Beyoncé e Rihanna trocam fórmulas por discos elaborados

Nova leva de lançamentos surpreende por abandonar velhos formatos
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RIO — “A gente já entendeu o que é um álbum conceitual. Chega! Cadê a farofa? Eu chego na boate e só tem música de sair pra fumar. Cadê o batidão? Cadê a coreografia? Cadê a performance? Já viu alguém performar conceito na boate? achando que a gente é quem? A Björk?”, esbraveja o jovem Daniel Ricardo, em vídeo que viralizou e já ultrapassou as 500 mil visualizações no Facebook . Daniel refere-se a um zeitgeist de maturidade da música pop.

Beyoncé, a mocinha que versava sobre o sonho do casamento, transformada em feminista com o lançamento de seu álbum anterior, o homônimo “Beyoncé”, de 2013, engrossou, com o recém-lançado “Lemonade”, uma nova onda. Nela, se inserem ainda Rihanna, Miley Cyrus e, sim, por incrível que pareça, Justin Bieber e o ex-One Direction Zayn Malik. Com “Anti”, “Miley Cyrus & Her Dead Petz”, “Purpose” e “Mind of mind”, essa turma abandonou o pop de fórmulas fáceis e refrães chicletudos e vem apostando em álbuns mais parrudos, com muito mais polpa e conceito mais amarrado, como Madonna e Michael Jackson faziam no passado.

— Estou muito estimulado pelo estado atual do pop. Por um tempo, parecia que a música pop do século XXI estava crescendo mais e mais homogeneizada, com produtores e compositores produzindo material similar para todos que estão no top 10. Mas o pop continua encontrando novas maneiras de equilibrar a novidade e a familiaridade — analisa Jon Pareles, principal crítico de música popular do “New York Times” (leia o artigo completo) .

E o movimento vai além das vontades dos executivos da indústria fonográfica e dos produtores que costumam ditar as regras desse mercado.

— Hoje esses artistas estão mais preocupados com a qualidade do que vão lançar do que em lançar qualquer coisa para agradar ao mercado e suprir uma demanda. Antigamente, a gravadora batia o pé, dizia que queria um disco no Natal e ele saía. Já não é mais assim — diz Claudio Menezes, diretor de novos negócios da Tecla Music, com uma longa passagem pela Sony Music. — Agora, os artistas são muito mais donos das carreiras deles do que as gravadoras, que só distribuem seu material. Quem dá pitaco no que eles gravam são equipes montadas por eles mesmos, e não os executivos dos selos.

Diferentemente do que poderia parecer, a independência e a ousadia têm se pagado. “Lemonade”, lançado de surpresa no último dia 23 na HBO, acompanhado de um filme conceitual, estreou em primeiro lugar no top 200 da “Billboard”: foram 653 mil cópias vendidas. O disco emplacou todas as suas 12 faixas no top 100 e tornou-se o sexto álbum da cantora a atingir o primeiro lugar nas paradas. Lançado em janeiro, o álbum de Rihanna também teve ótimo desempenho. Mesmo tendo vazado antes da hora e sido disponibilizado gratuitamente pela cantora, “Anti” teve mais de um milhão de downloads legais em apenas 24 horas.

“Os artistas são muito mais donos das carreiras deles do que as gravadoras. Quem dá pitaco no que eles gravam são equipes montadas por eles mesmos, e não os executivos dos selos”

Claudio Menezes
Ex-executivo de gravadora

— A produção do mainstream sempre se apropria do que há de mais fresco no underground e fatura milhões. Na última década, esses sons mais alternativos cresceram em popularidade devido à internet, preparando terreno para os grandes arriscarem — explica o DJ e produtor Leo Justi, que já colaborou com nomes como TropKillaz e De Leve. — Para mim, essa fuga da fórmula virou uma fórmula. O mercado sempre explora as novidades até a última gota.

Para LC Ambient, DJ veterano das pistas cariocas, não é só isso:

— Beyoncé anda muito politizada, não é só um corpo que dança e bate cabelo. Rihanna tem dedo de ouro, no que ela encosta faz sucesso. Elas e outros artistas estão bebendo de novas fontes, se mexendo para outros caminhos, agindo como artistas de verdade... eles sempre tiveram produtores que faziam tudo por eles, agora eles parecem querer botar as asas pra fora, ter uma marca, fazer coisas diferentes.

Além de apontar o trabalho das poderosas divas, os entrevistados desta reportagem foram unânimes ao citar um nome: Justin Bieber. O canadense, que apareceu aos 13 anos cantando a baba “Baby” e cresceu aos olhos do público cultivando uma equivocada fama de bad boy , resolveu dar uma guinada e surpreendeu ao lançar “Purpose”, no fim do ano passado. Pelas redes sociais afora, tornou-se comum ver marmanjos(as) que não ouviam as músicas do jovem de 22 anos com bons ouvidos estranhando o fato de terem gostado de faixas como “Sorry” e “What do you mean”.

“'Formation', de Beyoncé, já é um hino da pista. Rihanna te leva pra uma festa de dancehall na Jamaica com um BPM mais lento e que ainda assim funciona. E até eu fiquei surpreso com o Bieber”

LC Ambient
DJ de música pop

— Eu fui um dos que se surpreenderam com o Bieber. Achei assustador — brinca Claudio Menezes. — Por mais que a gente saiba que ele está cercado de bons produtores, eu não imaginava que ele fosse querer fazer um disco que o colocasse em outro degrau. Ele conquistou um outro público que antes não alcançaria. Com o Zayn Malik acontece o mesmo. Muitas musicas não têm mais refrão, e isso era impensável.

Mas a ascensão do ex-One Direction vai roubar os holofotes de seu antigo grupo?

— O modelo de boyband não vai acabar nunca, há espaço para todos — aposta Menezes.

E FUNCIONA NA PISTA?

Enquanto o pop vem angariando a atenção de muitos de seus antigos detratores, alguns de seus apoiadores de primeira hora, como o Daniel Ricardo do vídeo-desabafo que abre este texto, parecem incomodados. LC Ambient, porém, discorda:

— “Formation”, de Beyoncé, já é um hino da pista. Rihanna te leva pra uma festa de dancehall na Jamaica com um BPM mais lento e que ainda assim funciona. E até eu fiquei surpreso com o Bieber. São músicas difíceis, mas que estão tendo uma aceitação bacana desta geração que está evoluindo junto. Aquele pop muito pop ficou repetitivo, essa turma quer novos sons.