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'Até nas rádios já toca putaria', diz MC Kevin o Chris, autor da música mais ouvida no YouTube no Brasil

Cantor de 'Ela é do tipo' busca emplacar hits fora do universo do Baile da Gaiola
Gravação do clipe do MC Kevin o Chris Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo
Gravação do clipe do MC Kevin o Chris Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

RIO — Kevin o Chris “evoluiu”. Conhecido pelos hits que levaram o nome do Baile da Gaiola para o Brasil inteiro, o funkeiro de 22 anos vem ganhando novos ares — literalmente. Após algumas cervejas e cigarros para ficar calibrado, o autor de “Dentro do carro” embarcou em um helicóptero no Heliponto do Pontal, Zona Oeste do Rio, para sobrevoar a cidade. Tudo isso durante as gravações do seu novo clipe,  “Evoluiu”, que será lançado na sexta-feira (19) no YouTube.

De cabelo cortado "na régua" e bigodinho fininho, Kevin aparece no vídeo no melhor estilo ostentação, celebrizado pelo funk paulista. Entre um gole e outro de Stella Artois, tentava se acostumar com o novo personagem, distante do passado pobre e de sua visível timidez. Em outro take, ao lado do funkeiro Sodré e do DJ Juninho 22, cantava e fazia poses entre o helicóptero, um conversível luxuoso e quatro dançarinas rebolando.

Atualmente em primeiro lugar no YouTube e no Spotify com " Ela é do tipo ", o cantor famoso pelos funks lascivos e sobre o Baile da Gaiola, atinge um novo patamar na carreira. Com mais dois clipes em fase de produção,  ele assinou recentemente com o selo K2l, por onde passaram nomes como Anitta e Valesca Popozuda. E parte dessa nova fase passa por se descolar justamente do baile que jogou seu nome na linha de frente do funk 150 bpm no Rio.

— Eu fiquei conhecido através da Gaiola e sou grato pra caramba ao baile. Só que eu sou um artista que tem um milhão de coisas pra soltar, tá ligado? — diz Kevin.

Apesar de estourar com hits que celebram o extinto evento, como "Vamos pra gaiola", "Tu tá na gaiola", e "Eu vou pro baile da Gaiola ", a relação de Kevin com o famoso batidão da Penha é menos intensa do que aparenta. Nascido em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, começou como DJ no baile da comunidade do Barro Vermelho.

Ele conta que passou a compor músicas sobre o Baile da Gaiola por influência de um de seus empresários,  que viu no crescimento da festa uma chance de emplacar hits. Passou a frequentar o evento no ano passado, mas não tocava. Diz ter falado poucas vezes com o DJ Rennan da Penha , com quem teria uma relação "mais de mandar músicas". Ele  lamenta tentativas de criminalizar ou proibir a Gaiola.

—  A gente não é criminoso, a gente fala na música sobre o que vê, sobre onde a gente nasceu. Se a gente nascesse na Barra da Tijuca, ia escrever música sobre a praia — diz.

MC Kevin o Chris em gravação no Heliponto do Pontal Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo
MC Kevin o Chris em gravação no Heliponto do Pontal Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

Porém, diferente de outros MCs que falam da realidade do tráfico de drogas e armas nas favelas, Kevin gosta mesmo é da putaria. "Rasta a pepeca no chão", "Eu dou aquela sarradinha" ou "Senta, senta, senta" são versos que se repetem em suas letras. Ele acredita que o excesso de pornografia é cada vez menos uma barreira para sua obra se expandir por um público ainda maior.

— Para chegar na playboyzada, chegar nas pessoas ricas, isso acabou. Só existe na televisão ainda essa parada aí. Até nas rádios já toca putaria mesmo.

O músico reclama que no Brasil ainda não há um "livre-arbítrio" para escrever "o que se quer escrever". Segundo Kevin, marginalizar artistas que cantam músicas de conteúdo explícito é algo que não acontece na indústria americana, por exemplo.

— Vejo as traduções de rap, trap, são todas loucas, falam a parada e não tem caô. Ficar fantasiando as coisas já está sem graça. A gente nasceu de uma putaria. Foi sexo que criou a gente — afirma o funkeiro.  — Velhinha de 80 anos já transou, teve uma neta, tá ligado? Isso é natural do ser humano. Ainda mais a gente que escreve pro lado mundano da vida. Senão a gente cantava gospel sobre a vida eterna.

Falar de sexo sem rédeas, assim como faz em seu cotidiano, é a tônica de suas composições. Kevin defende que uma maior liberdade para tratar livremente de qualquer assunto através da música pode fazer artistas do funk avançarem ainda mais.

— Isso que vai fazer a gente da comunidade chegar lá. Igual os caras lá de fora, que eram traficantes e ficaram milionários fazendo música— diz.

Com melodias que grudam na cabeça, o funkeiro vem mostrando que sabe fazer sucesso fora da gaiola. Depois de protagonizar o maior coro de vozes visto no Lollapalooza, em sua participação especial no show do rapper Post Malone , ele emplacou "Ela é do tipo" entre os virais internacionais do Spotify (8º lugar em Portugal e 17º no Paraguai).

Kevin o Chris em sua nova fase ostentação Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo
Kevin o Chris em sua nova fase ostentação Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

Aliás, Kevin confessa que antes de subir ao palco do Lolla, não sabia quem era Post Malone.

— Claro que conhecia todas as músicas, mas não ligava à imagem dele. Porque eu também sou como? Meio "jupirado" — conta rodando o indicador ao redor da cabeça — Depois que fui ver que o bagulho era de verdade. Quando vi já estava lá em cima do palco

Agora, afinal, por que "Kevin o Chris" ? O nome artístico do funkeiro de Caxias é inspirado na série de TV " Todo mundo odeia o Chris ". Antes de estourar com os hits do Baile da Gaiola, ele tocava junto com um amigo, também DJ, com quem formava a dupla Chris e Greg, em referência aos personagens da série. Assim que partiu para a carreira solo, manteve o "Chris" e juntou ao seu nome de batismo, Kevin.

Ele participa ativamente de todas etapas da produção de suas músicas (compõe, produz e canta). É fã de outros produtores-compositores como Umberto Tavares e Dennis DJ.

Durante as gravações de "Evoluiu", Kevin não escondia a excitação juvenil ao trocar risadas eufóricas com a equipe e amigos que acompanhavam a produção. Em alguns momentos, parecia ainda não acreditar no sucesso e na projeção repentina. Em outros, deixava no ar sonhos de menino, como após dar uma acelerada no conversível alugado para o clipe.

— No fim do ano quero comprar um desses pra mim— disse Kevin o Chris.