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Atração do Lollapalooza, Inspector Cluzo concilia a calmaria da fazenda com a rebeldia do rock

Duo francês que cria gansos completa dez anos de música, cultivo orgânico e autogestão
Inspector Cluzo: o guitarrista Laurent Lacrouts, o baterista Mathieu Jordain e o bode mascote Miguel Foto: Divulgação
Inspector Cluzo: o guitarrista Laurent Lacrouts, o baterista Mathieu Jordain e o bode mascote Miguel Foto: Divulgação

RIO — É quase um caso de dupla personalidade. Num dia, os fazendeiros Laurent Lacrouts e Mathieu Jourdain dividem uma pacata rotina numa propriedade de oito hectares em Gasconha, sudoeste da França. No outro, eles encarnam o duo de rock Inspector Cluzo, que faz apresentações enérgicas, com direito a instrumentos chutados e objetos arremessados no palco. E é essa “metade artista” que está a caminho do Brasil, para tocar no Lollapalooza, em São Paulo, no dia 7 de abril.

— Você sabe, isso é o rock’n’roll — tenta explicar, aos risos, o baterista Jourdain, que não costuma ter sossego nos shows, em que o guitarrista e vocalista Lacrouts constantemente chuta longe seus bumbos e surdos. — Somos pessoas muito calmas na fazenda, viajando, conversando com as pessoas. Mas no palco botamos toda uma energia represada para fora.

Lacrouts e Jourdain se conheceram na faculdade de Física na década de 1990. A trajetória da dupla é repleta de curiosidades. Uma delas é que eles começaram a fazer sucesso no Japão. Depois de fracassarem na tentativa de formar duas bandas com outros músicos, os amigos resolveram se aventurar em terras nipônicas usando o formato guitarra-voz-bateria. As apresentações em festivais fizeram a cabeça dos jovens japoneses e, na volta, já como Inspector Cluzo, finalmente eles tiveram reconhecimento do público francês. Em dez anos, os dois já lançaram sete álbuns e fizeram mais de mil shows em 60 países diferentes.

Na fazenda, batizada de Lou Casse, Jourdain e Lacrouts criam gansos livremente para produzir o que é conhecido como “foie gras ético” — uma maneira de se fazer a iguaria amenizando o sofrimento dos animais. O espaço conta ainda com uma plantação de milho para alimentar os gansos, um galinheiro, duas ovelhas e uma horta orgânica, que serve para a subsistência dos fazendeiros. Além, claro, do bode Miguel, o mascote da banda.

— Não éramos fazendeiros quando começamos a banda, tínhamos apenas a horta para subsistência. Mas, viajando pelo mundo, percebemos que era necessário ir além e sermos autossuficientes o máximo possível. É a nossa resposta para a situação econômica do mundo e a globalização — justifica Jourdain, o mais falante da dupla que, quando está em turnê, conta com a colaboração de vizinhos e amigos para manter a fazenda em atividade.

O conceito de autossuficiência se reflete também na maneira como eles gerem a banda. Adeptos da filosofia “faça você mesmo”, eles são seus próprios agentes, empresários, selo e distribuidores. Até os shows nas edições sul-americanas do Lolla foram eles mesmos que marcaram.

— Conhecemos o principal booker do festival quando tocamos na edição de Paris, ano passado. Ele amou nosso show e perguntou se queríamos tocar na América do Sul. Fechamos ali mesmo — conta o baterista. — Achamos primordial sermos 100% livres, decidir o que queremos fazer. Quando uma companhia bota dinheiro em você, isso não é possível. Mas nossa ideia é atuar localmente para pensar globalmente.

O Inspector Cluzo vem ao Brasil com o repertório de seu mais recente disco, “We the people of the soil” — o título, traduzido como “Nós, as pessoas do solo”, remete ao estilo de vida dos amigos, retratado ainda no documentário “Rockfarmers”, disponível no YouTube. Além de artistas como Neil Young, Curtis Mayfield e James Brown, Jourdain cita a própria fazenda como fonte de inspiração:

— Quando você trabalha mexendo com o solo, limpa sua mente. No fim, às vezes Laurent pega o violão e, quando percebemos, apareceu uma música. Estamos cercados pela natureza, sem a poluição sonora e as distrações da cidade. É muito interessante para escrever músicas.

Na entrevista de pouco mais de dez minutos, a voz do cantor e guitarrista Laurent Lacrouts só é ouvida, ao fundo, citando nomes como Zico e Sócrates quando o amigo tenta responder a uma pergunta sobre futebol. Afinal, Lacrouts praticou o esporte por anos, e o Inspector Cluzo chegou a lançar uma música chamada “In love with Lilian Thuram”, uma homenagem ao zagueiro campeão do mundo pela França em 1998, numa final que dói até hoje para os brasileiros.

— Mostramos para Lilian, e ele ficou lisonjeado! Gostamos muito do que ele representa, já que ele é um jogador de defesa, não um camisa 10. Preferimos assim. Nós não gostamos do Neymar, por exemplo ( risos ). Quer dizer, ele é um ótimo jogador, mas acha que é rockstar. Ele deveria ser ator — diverte-se.

Serviço

Lollapalooza Brasil

Onde: Autódromo de Interlagos — Avenida Senador Teotônio Vilela 261, Interlagos. Quando: De 5 a 7 de abril. Quanto: De R$ 360 a R$ 1.800. Classificação: 15 anos.