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Blackyva une Shakespeare e Beyoncé em funks sobre violência

Atriz e cantora da Rocinha faz sucesso com performances nas ruas do Rio

“Juntei ‘black’ com ‘diva’ e pus um ípsilon. Minha persona negra e diva, uma diva da favela”, diz Blackyva, performer da Rocinha
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Fernando Lemos
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Agência O Globo
“Juntei ‘black’ com ‘diva’ e pus um ípsilon. Minha persona negra e diva, uma diva da favela”, diz Blackyva, performer da Rocinha Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo

RIO — “E quem me perguntar o que estou fazendo aqui/ Estou resistindo para não ter que te servir”, diz o verso com que a atriz e cantora Blackyva abre suas apresentações — geralmente feitas nas ruas, em atos políticos ou manifestações em defesa da Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna, instituição que passa por uma grave crise econômica, onde estuda a jovem de 21 anos.

Os seus olhos estão cravados no público, um deles pintado de roxo, uma clara alusão a um dos principais temas de suas performances: a violência doméstica. Mas é a plateia quem toma um soco com a sua voz grave e segura de quem diz aquelas palavras ao microfone. Com um visual andrógino metido num corpo franzino, a performer tem completo domínio de cena: canta, dança e provoca o público com versos de sua autoria contra as desigualdades de classe e gênero.

E faz isso sampleando sobre uma base de funk trechos de Shakespeare, Brecht, Beyoncé ou MC Carol. “Eu tentei correr, mas não adiantou/ Ele veio a pauladas e me arrebentou”, diz uma das letras das cerca de 20 músicas postadas no canal do YouTube “Blackyva”, criado há poucos meses.

SC Rio de Janeiro (RJ) 30/03/2016 - Blackyva, performer. Rocinha. Foto : Fernando Lemos / Agencia O Globo Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo
SC Rio de Janeiro (RJ) 30/03/2016 - Blackyva, performer. Rocinha. Foto : Fernando Lemos / Agencia O Globo Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo

Nascida William Lopes, foi na escola de teatro que Blackyva tomou coragem para deixar de ser um operador de máquina xerox e assumir a diva que inspirou seu nome artístico.

— Juntei “black” com “diva” e pus um ípsilon. Minha persona negra e diva, uma diva da favela — diz ela, que mora com a família paterna na Rocinha. — Completei o ensino médio e fui trabalhar numa xerox para ajudar em casa, mas estava muito infeliz. Eu queria estudar mais. Foi uma antiga professora que me indicou a Martins Penna. No dia do meu aniversário de 19 anos, pedi demissão, fui lá e me inscrevi. A escola foi a coisa mais maravilhosa que aconteceu na minha vida.

De Hamlet a “Mãe Beyonçã”

A composição da Blackyva nasceu nas aulas, que também funcionavam como terapia coletiva.

— A performance conta a história da minha mãe, Marinete, que foi vítima de violência doméstica — conta ela.

A primeira vez que se apresentou com um olho roxo, cantando funks que misturavam a vida e a arte, foi num dos saraus da escola. O trabalho chamou a atenção, e Blackyva foi tomando vida e começando a se apresentar em congressos de estudantes e festivais de música. Nas últimas semanas, tem participado dos atos organizados pela classe artística carioca contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. No de segunda-feira, apresentou-se logo depois de Chico Buarque, e junto a nomes como Otto, BNegão e Moacyr Luz.

— Quando ela diz que representa a preta, a favelada, a bicha, a artista, e canta “eu sou todas elas”, está citando Hamlet — explica sua professora de Teoria Dramática, Simone Kalil. — O caldo de referências do qual se apropria, juntando Medeia, Maria da Penha, Iansã ( uma das performances chama-se “Mãe Beyonçã” ), é fruto do ambiente de diversidade que a escola oferece.