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Cultura Música

Blue Note Rio vai reabrir sem quitar todas as dívidas trabalhistas

Ex-funcionários da casa, que fechou há um ano, criticam iniciativa. Sócio majoritário, Calainho diz que em três meses acerta as contas
Blue Note vai ocupar o segundo andar do Bar Astor, onde funcionou o Jazzmania Foto: Divulgação
Blue Note vai ocupar o segundo andar do Bar Astor, onde funcionou o Jazzmania Foto: Divulgação

RIO - Nem tudo está azul. Mas Luiz Calainho insiste que é preciso focar nas partes menos nebulosas do horizonte. Em meio a resquícios de uma grave crise financeira que levou dezenas de artistas e trabalhadores à Justiça — em processos que se arrastam até hoje —, o empresário anuncia, com otimismo, o retorno do Blue Note Rio à cidade. E garante que, nesta nova empreitada, as contas voltarão a fechar no... azul.

Filial do prestigiado clube de jazz nova-iorquino, a marca ocupou, de 2017 a 2019, o Lagoon, complexo financeiramente instável com cinemas, restaurantes e empreendimentos na Lagoa. Mas cerrou as portas ao acumular uma desafinada coleção de dívidas calculadas, à época, em R$ 1,18 milhões.

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Um ano depois do fechamento do espaço, alguns números seguem sem solução. Isso não impediu Calainho de marcar a data para a inauguração da nova casa, instalada no lugar onde anteriormente funcionaram os extintos Jazzmania, Studio RJ e Mistura Fina: no segundo andar do Bar Astor, na Avenida Vieira Souto, em Ipanema.

A reabertura acontece em 25 de março, com a apresentação do virtuose trompetista americano Keyon Harrold. Na agenda do primeiro semestre, também estão confirmadas atrações como Hermeto Pascoal, Marcos Valle, Azymuth, Leny Andrade e Tulipa Ruiz.

“As pessoas têm todo o direito de reclamar, e com razão. Mas o mais importante é que todas serão ressarcidas”

Luiz Calainho
Sócio do Blue Note

— O cenário de agora é muito distinto do anterior. Antes, havíamos embarcado na esteira de otimismo provocada pela Olimpíada, mas logo fomos atropelados por uma crise econômica aguda e um grave estado de insegurança pública, que culminou com uma intervenção militar no Rio — conta Calainho, que é sócio majoritário do projeto. — Desta vez, já iniciamos a ação com um investidor (a empresa Fábrica de Bares) e uma operação financeiramente saudável, mais enxuta, estimulada pelo capital gerado na filial do Blue Note SP (da qual Calainho também é sócio majoritário) . Nossas despesas diminuíram. Não teremos, por exemplo, mais custos com alimentação, já que o Bar Astor administrará esta parte.

Nas redes e na Justiça

Embora as perspectivas sejam favoráveis, queixas de participantes da encarnação passada do Blue Note destoam do tom otimista de Calainho. Ex-funcionários que ainda não foram devidamente indenizados não enxergam com bons olhos o atual empreendimento — e reclamam da morosidade com que seus casos são tratados.

“Estou com mixed feelings. Acho um absurdo uma casa que não quitou sua dívida abrir novamente. Mas é uma volta necessária para a cidade ”

André Oliveira
Ex-curador do Blue Note

— Eles sempre atrasaram salário por um dia ou até um mês. A desculpa é que faltava dinheiro, mas que as coisas iriam se acertar, e que precisávamos vestir a camisa da empresa — lembra Mari Cantizani, que acumulou múltiplas funções ao longo dos dois anos em que trabalhou na casa de shows. — Quando falei de minha insatisfação, com o Calainho presente, ele disse que entendia e que iria acertar tudo. Mas me demitiram duas semanas depois. Após muito custo, pagaram o nosso FGTS. Em seguida, não nos ressarciram em mais nada. Entramos com processo de penhora de bens, e eles sumiram.

Revoltada, Mari publicou textos com denúncias e reclamações no Facebook. Ela diz que recebeu ofertas de até R$ 2 mil para que apagasse as postagens — e, diante da negativa, teria sido avisada, em tom de ameaça, de que poderia ser processada por difamação.

Blue Note será reaberto no Rio, desta vez em Ipanema Foto: Divulgação
Blue Note será reaberto no Rio, desta vez em Ipanema Foto: Divulgação

Calainho diz desconhecer as acusações. Promete que, em até 90 dias, todas as dívidas trabalhistas com os 12 ex-funcionários da antiga versão do Blue Note Rio estarão inteiramente quitadas. Com relação aos pagamentos não realizados aos artistas, 96% já foram resolvidos, segundo o empresário. O restante também será solucionado em até três meses., garante ele.

— As pessoas têm todo o direito de reclamar, e com razão. Mas o mais importante é que todas serão ressarcidas, como têm que ser. Modéstia à parte, sou um empresário respeitado: jamais permitiria que as pessoas deixassem de receber seus valores — argumenta. — Não tenho dúvida de que estou assumindo novos riscos agora, com o novo Blue Note Rio. Mas ser empresário no Brasil é viver de assumir riscos. Apesar disso, acredito na atual fase do turismo da cidade. E, em Ipanema, estaremos perto de 12 grandes hotéis.

Curador e produtor do primeiro formato do Blue Note Rio, André Oliveira acredita que o empreendimento deve tomar rumos mais frutíferos desta vez. Mas com cautela.

— O Rio está numa situação particular de violência. Não dá para comparar com Nova York ou São Paulo. O fluxo é mais baixo — considera. — Sinceramente, me preocupo se eles terão capital de giro para fazer a coisa funcionar. Acho um absurdo uma casa que não quitou sua dívida abrir novamente. Mas é uma volta necessária para a cidade. Estou com mixed feelings sobre essa iniciativa.