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Céu lança disco com versões de pagode a rock: 'Mesmo sendo de SP, branca e com privilégios também ouvi Revelação'

'Um gosto de sol' tem Andreas Kisser, do Sepultura, dando toque de violão brasileiro: 'foi um desafio gigantesco'
A cantora Céu lança o disco de versões 'Um gosto de sol' Foto: Divulgação/Érico Toscano
A cantora Céu lança o disco de versões 'Um gosto de sol' Foto: Divulgação/Érico Toscano

No auge da pandemia, em plena reclusão forçada, muitos comemoravam cada fresta de sol como o contato possível com o mundo do lado de fora. Para a cantora e compositora Céu, além de meditações, estudos sobre perfumaria e cosmética natural, produção de pão e macarrão caseiros e passeios na praça vizinha com os filhos (Rosa Morena, de 13 anos, e Antonino, de 3), esse gosto de sol veio muito da música. Não a artesanal, criada por ela — pouco inspirada, só compôs uma canção nesse período —, mas aquela que a transportou para refúgios de afeto e segurança.

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Assim, juntando o útil ao agradável, o sentir com o trabalhar, um já planejado primeiro disco de intérprete acabou furando a fila de projetos da paulistana, consagrada como uma das grandes compositoras de sua geração — seus últimos dois álbuns autorais, “Tropix” (2016) e “Apká!” (2019), renderam Grammys Latinos. Batizado com um clássico do Clube da Esquina escrito por Milton Nascimento e Ronaldo Bastos , “Um gosto de sol” está disponível nas plataformas de streaming e ganhará lançamentos em CD e vinil no futuro.

— É um disco com canções que não são minhas, mas que contam um pouco mais de mim, do que me tornei e de onde bebi. Um repertório que traz aspectos da minha personalidade que muitos não sabem, que vão além do que eu mostro no autoral. A verdade é que eu sou tudo isso aí — resume Céu, que só fará shows do novo disco ano que vem, mas canta sucessos hoje e domingo na reabertura do Studio SP, em São Paulo, e no Circo Voador, no Rio, em 3 de dezembro.

E couberam várias facetas de personalidade nas 12 versões que entraram no álbum: a kitsch (em “Feelings”, de Morris Albert), a cantora de karaokê (“Deixa acontecer”, do grupo Revelação, e “Paradise”, da Sade), a bossa-novista (“Bim bom”, de João Gilberto, e a improvável releitura brasileiríssima de “May this be love”, de Jimi Hendrix) , a da sambista (“Ao romper da aurora”, de Ismael Silva, “Teimosa”, de Antonio Carlos e Jocafi , e “Pode esperar”, de Alcione), a mulher roqueira (“Chega mais”, de Rita Lee, e “Criminal”, de Fiona Apple )... O repertório afetivo foi escolhido a oito mãos: além de Céu, o diretor artístico Marcus Preto, o produtor e marido Pupillo e o pai (e músico) Edgard Poças.

Um retrato do momento

Nos critérios de seleção de repertório, nada de recorte estilístico: a música tinha que ter um significado pessoal, uma letra que fizesse sentido agora, que ilustrasse o momento. Céu não teve amarras para dançar respeitosamente em terrenos já pisados, nem temeu possíveis acusações de apropriação:

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— Eu não estou tomando nada de ninguém, apenas cantando e enaltecendo essas canções, esses artistas. Tudo com muito respeito e sentimento. E querendo que as novas gerações também os escutem. Um compositor como Xande de Pilares, que é puro Brasil, não fez uma canção como “Deixa acontecer” só para si. Mesmo eu sendo de São Paulo, branca, de um lugar de privilégios, eu também ouvi Revelação, Só Pra Contrariar, cantei Raça Negra no karaokê... São pontes que construímos e que são muito próprias do Brasil.

Em “Deixa acontecer”, aliás, Céu faz um dueto surpresa com o amigo Emicida (“um gênio, ele deveria ser presidente do Brasil”). Russo Passapusso, que prepara um disco com Antonio Carlos e Jocafi, também canta em “Teimosa”. Na ficha técnica de “Um gosto de sol”, além de velhos parceiros como o baixista Lucas Martins e o tecladista francês Hervé Salters e da contribuição luxuosa do maestro Jota Moraes tocando vibrafone, surge um colaborador para lá de inusitado: Andreas Kisser.

Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura, no estúdio em que gravou violões para disco da cantora Céu Foto: Reprodução/Instagram
Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura, no estúdio em que gravou violões para disco da cantora Céu Foto: Reprodução/Instagram


E é mais curioso ainda saber que foi Kisser, conhecido como guitarrista da consagrada banda de metal Sepultura, o responsável por fincar o álbum num som bem brasileiro. Sonho antigo de Céu, o orgânico “Um gosto de sol” tem como protagonista o violão de nylon, diferentemente dos seus discos recentes que são centrados no sintetizador e em sons eletrônicos. Kisser mergulhou de cabeça no projeto e até aprendeu a tocar violão de sete cordas para isso.

— Entrar num estúdio para gravar um disco somente de violão também foi um desafio gigantesco. Mas eu me preparei bem. Durante a pandemia, tive a possibilidade de ter uma rotina de estudos, uma coisa diária, para que eu pudesse me adaptar ao violão de sete — comemora Kisser, fã de Heitor Villa-Lobos, João Pernambuco e Baden Powell. — Quero muito fazer shows com a Céu. A ideia é tocar, esse é o próximo passo para desenvolver ainda mais a técnica e a parte de banda, mas vamos ver, com calma, as possibilidades.