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Conheça os fãs mais fanáticos de Justin Bieber

‘Beliebers’ do Rio prometem acampar debaixo de um viaduto até 29 de março para garantir a 1ª fila no próximo show do ídolo

Devotos. Fãs de Justin Bieber sob viaduto ao lado do Sambódromo. Ao centro, com a camisa do ídolo, Mateus César
Foto:
Hermes de Paula
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Agência O Globo
Devotos. Fãs de Justin Bieber sob viaduto ao lado do Sambódromo. Ao centro, com a camisa do ídolo, Mateus César Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

RIO – Passava do meio-dia quando Igor Artioli acordou, catou o celular e teve acesso à informação que mudaria sua vida pelos meses seguintes. Às 12h12m de 1º de novembro, o estudante de 20 anos recebeu um trecho de conversa alheia: “Já vou acampar essa semana pro show. Vai querer ir pro meu bonde?” Igor gelou: o Sambódromo, onde Justin Bieber vai se apresentar em 29 de março, seria ocupado por um grupo de fãs — e não era o seu! A reação foi imediata. Na tarde seguinte, em pleno Dia de Finados, Igor e sua amiga Victorya Maia, 19 anos, chegaram ao local (ela às 14h30, ele às 14h40) com bagagem, provisões e intenção de ficar até a data do espetáculo. Desde então, eles e cerca de cem membros da Acamp Squad têm se revezado no acampamento. O grupo rival (“que nem nome tem”, ressaltam) ameaçou aparecer. Mas nunca veio.

— Não se meta com os beliebers! — diz Victorya, usando o termo que designa “o verdadeiros fãs” de Bieber.

Trata-se de um jogo com o sobrenome “Bieber” e a palavra believer (“crente”, em inglês). Porque belieber que é belieber tem fé. Acredita, por exemplo, que o astro canadense de 22 anos é um incompreendido. Ao menor sinal de dúvida, fãs cercam o cético para convencê-lo de que Justin foi um menino-prodígio em um lar problemático, não estava pronto para a fama e se arrependeu de seus erros — a saber: quebra-quebra em hotéis, bebedeiras, infidelidades, tatuagens imprudentes. Até pichações: em 2013, quando esteve no Rio, saiu de uma mansão no Joá para pintar um muro em São Conrado. E Igor estava lá:

— Sou o único aqui que já viu ele fora do palco. Quando o carro dele saiu da mansão, ele viu nosso pequeno grupo de fãs, parou, abriu a janela, sorriu pra gente, nos saudou, perguntou “Como estão?” — conta Igor, orgulhoso. — Quando se aproximou um grupo maior, ele se assustou e saiu.

Outra crença é de que um belieber deve comparecer a todos os shows do ídolo — e “ai” do parente, amigo e conhecido que não entrou na vaquinha para completar os R$ 375 da meia-entrada de pista premium (todo mundo ali é estudante). É preciso assistir ao show na fila do gargarejo, daí primeiro acampar para comprar ingresso e depois bater ponto no Sambódromo, onde a Acamp Squad e Bieber já estiveram três anos atrás. Naquela ocasião, o grupo armou uma supresa para o cantor: eles encheram balões vermelhos que foram soltos ao final da música “Fall”. Justin, que estava concentrado tocando violão, sorriu ao levantar o rosto e ver a revoada de bexigas. Segundo todos, foi “maravilhoso”.

— O foco é a grade. Se eu já consegui ver ele bem da outra vez, imagina agora, que eu uso óculos — diz Aline Silva, 18 anos e quatro graus de miopia, que também esteve no rodízio de 2013. — Naquele acampamento bateu o Conselho Tutelar e, como eu era menor, disseram que eu não podia ficar na fila. Minha mãe ficou guardando o meu lugar.

Pois a mãe de Aline está na fila de novo. Sempre que pode, Mariana Assunção e Silva faz companhia não só à filha mas também ao filho Alan, 15 anos, outro integrante da Acamp Squad.

— Tenho que vir, meus filhos estão aqui. E não são desocupados: estudam, estão se revezando — diz a dona de casa de Lins de Vasconcelos, na Zona Norte, admitindo que ser mãe de belieber nem sempre é fácil. — Quando soube que o Justin vinha para o Brasil, comecei a chorar. Por causa do sofrimento todo: dinheiro, acampamento para comprar ingresso, para esperar o show. Mas a gente fica feliz, porque os filhos estão realizando um sonho.

A antessala do sonho não tem glamour: é a calçada vizinha à grade que dá acesso à Praça da Apoteose, embaixo de um viaduto. O ambiente, onde lençóis e colchonetes se misturam a mantimentos e objetos pessoais, não é dos mais acolhedores. No começo eles até trouxeram barracas, retiradas a pedido dos fiscais da prefeitura.

— Opinião minha? Desnecessário — diz um vigia do Sambódromo sobre acampar cinco meses antes do show. — Sei que eles querem passar Natal e réveillon aí, mas quando vier o ensaio técnico do carnaval, serão convidados a se retirar — completa o funcionário, que preferiu ficar anônimo.

— Já sabemos que vamos ter que sair no carnaval. A gente vai para cima do viaduto e fica cuidando — esclarece a estrategista Vitorya, que faz um curso preparatório para escolas militares e traz consigo o caderno com a tabela de rodízio do acampamento.

O conforto é pouco, o banheiro é o das residências próximas, o trânsito é intenso e os motoristas, nem sempre tão gentis. Principalmente à noite, carros passam buzinando e xingando.

— Eles passam dizendo “Vai estudar!”, “Vai trabalhar!”, “Bando de viado!”, “Bando de sapata!” Até a polícia às vezes passa com a sirene bem alta. Mas tudo bem, a gente responde na mesma moeda. E manda nosso grito de guerra: “You say Justin / I say Bieber / Justin / Bieber / Justin / Bieber...” — canta Luan Freitas, 19 anos, que chegou para comprar ingressos no Shopping Via Parque com R$ 300 coletados entre conhecidos e angariou os R$ 75 restantes entre outros fãs. — Depois de tudo que eu passei, não vou desistir. Como diz o Justin: “Never say never" (“Nunca diga nunca”).

A maioria dos integrantes da Acamp Squad, além de enfrentar dificuldades para adquirir seus ingressos, mora longe do Sambódromo. Jovens entre 18 e 20 anos, eles vêm de pontos distantes da Zona Oeste, da Zona Norte e da Baixada Fluminense. A maioria enfrenta oposição para estar ali, tanto em casa quanto no colégio.

— Meus colegas são contra, dizem que eu estou me passando por mendiga — lamenta Lyandra Barbosa, 15 anos.

Moradora de Nova Iguaçu, Lyandra não dorme no local, mas comparece — acompanhada de sua vigilante mãe, Adriana — para participar das festas que tomam conta do acampamento durante as noites de sexta-feira.

Se normalmente a área reúne entre três e seis abnegados fãs, nessas ocasiões a calçada se enche de entusiasmados beliebers e simpatizantes. No último dia 11, por exemplo, compareceu ao evento o namorado de uma das acampadas (“É um teste de paciência”, resumiu ele). Foi ele quem trouxe o som que noite adentro tocou pagode, funk, pop e claro, sucessos de Justin Bieber como “Let me love you”, “Love yourself” e “Sorry”. (“Baby”, única canção que a reportagem conhecia, já é muito batida). Até um morador de rua de vestido preto, que se identificou como Dominique Valéria, entrou na dança, fazendo um poste de pole dance .

Um dos mais animados, dançando tudo que tocava, era Mateus César, 18 anos. Ele ganhou o ingresso do namorado, um empresário que tem três pequenos negócios em Duque de Caxias.

— Ele me deu muito apoio por estar aqui. Quando a gente começou, eu disse: “Você vai namorar com mais uma pessoa: o Justin” — brinca Mateus, que está ansioso pelo show de Bieber, seu primeiro. — Meu sonho é tocar nele, sentir ele, poder ver ele de perto, não pelo celular, pelo computador, pela TV.

E um sonho que não tenha a ver com Justin Bieber?

— Dançar ballet em uma companhia nos Estados Unidos.

Never say never, Mateus.