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Crítica: Kendrick Lamar não precisou de muito para fazer o grande show do Lollapalooza 2019 (e de outros tantos)

Rapper californiano justificou, em cerca de 1h15m, que mereceu a aposta do festival
Kendrick Lamar se apresenta no Lollapalooza Foto: Rodrigo Gianesi / Agência O GLOBO
Kendrick Lamar se apresenta no Lollapalooza Foto: Rodrigo Gianesi / Agência O GLOBO

SÃO PAULO — Red Hot Chili Peppers, The Killers, Pearl Jam, Metallica, The Strokes, Florence + The Machine. Headliners da últimas três edições do Lollapalooza Brasil, as bandas citadas trazem um ponto em comum: nenhuma delas causa grande espanto quando anuncia show no país, por serem tão habituadas com o calor dos fãs brasileiros. Por essas e por outras, a escalação do rapper Kendrick Lamar, um estreante por aqui, para a oitava edição do evento, causou tanto alvoroço nas redes sociais.

No Autódromo de Interlagos, Kendrick fez o mais curto show entre os três headliners desta edição (cerca de 1h15m), e se apresentou diante do menor público (76 mil pessoas estiveram no evento neste domingo) - visivelmente, até a pouco justificável escalação do Kings of Leon levou mais gente. Mas os 75 minutos em questão foram mais do que suficientes para que o rapper de Cmopton fizesse o grande show do festival.

Logo no início, o telão exibiu os dizeres "Pulitzer Kenny", uma referência à honraria conquistada por Kendrick com o repertório de "DAMN." (2017), disco que centralizou a apresentação em São Paulo. E o público foi o grande termômetro para provar que tamanho pode não ser documento neste caso: apesar de versos de rap serem mais difíceis de cantar que um bom hit de indie rock, como os de Arctic Monkeys e Kings of Leon, nenhum outro headliner soube causar o mesmo clima de comunhão que Kendrick - ou Kung Fu Kenny, o personagem que interpreta nos vídeos projetados no telão ao longo da apresentação -, que teve estrofes inteiras de canções como as premiadas "Alright" e "HUMBLE" ecoando pela plateia.

A grande surpresa da noite, até para os fãs, foi o acompanhamento de uma banda ao vivo no show - por muitas vezes, Kendrick se apresenta apenas com DJ. Bateria, guitarra, baixo, teclado e programações perfeitamente executados, com grave bombando, ajudavam a incendear a apresentação de um rapper visivelmente empolgado com a recepção - que contou com coros de "Olê olê olá Kendrick Lamar". Encapuzado e vestindo um robe de boxe vermelho, o americano de 1,68m se agigantava no centro do palco ao destilar versos sobre a realidade que cresceu, suas conquistas e o que ainda precisa ser consertado, e exaltar alguns dos seus pares, como SZA ("All the stars"), Travis Scott (em "Goosebumps" e "Big shot") e ScHoolboy Q ("Collard greens").

Ao mesmo tempo, exaltava o público do país, repetindo diversas vezes que "demorou uma vida inteira para ir a Brasil, mas finalmente ali estava" e prometendo não demorar para voltar. Homem de poucas palavras (e muitas rimas), Kendrick surpreendeu também pelas interações, chegando a promover uma inocente batalha de barulho na plateia em "HUMBLE".

Outro fato curioso na apresentação é que os fãs eram tão devotos que, por mais bem aceito que "DAMN" tenha sido por público e crítica, eram as músicas antigas, como "m.A.A.d city", "Bitch, don't kill my vibe" e "Swimming pools (Drank)" que mais empolgavam o coletivo. Misto de rap com pop bem acessível para as rádios, "All the stars", indicada ao Oscar, foi escolhida para o bis, mas acabou tendo a reação mais morna entre as 18 músicas do setlist.

Mais uma vez, a escalação de Kendrick Lamar pelo Lollapalooza era uma aposta, e o fato de ter sido o dia menos vendido entre os três indica que este público, que tem condições de pagar um ingresso caro para o festival, pode não se empolgar tanto - em termos numéricos - com um show de rap, por mais exaltado que o artista e a performance sejam. Mas, para aqueles que esperaram "uma vida", como Kendrick tanto apontou, este foi um dos shows mais inesquecíveis das oito edições de Lollapalooza.

Cotação : ótimo

LOLLAPALOZA 2019

Em sua edição menos calorosa desde que aportou no Autódromo de Interlagos, o Lollapalooza Brasil iniciou seu último dia com público bem aquém da capacidade. Apesar do céu fechado e de nuvens alarmantes, a chuva praticamente não deu as caras, diferentemente do sábado.

No público, era possível ver mais pessoas com apetrechos e camisas ligadas ao duo Twenty One Pilots do que ao rapper Kendrick Lamar, atração principal do dia — mais um reforço de que foi uma edição jovem, quase juvenil.

Algumas das primeiras atrações dos dias, BK e Gabriel, O Pensador mostraram gerações diferentes do rap carioca. Enquanto BK tem versos e beats mais atualizados com o momento da cena — do qual é expoente —, Pensador se apoiou em seus grandes clássicos, como “Astronauta”, “Até quando?” e “2345meia78”. Ainda homenageou o Charlie Brown Jr com “Zóio de Lula” e “Dias de glória”, num show animado, iniciada pela simbólica “Matei o presidente”.

O grande público da tarde foi o da também carioca Iza, num show pop de primeira linha, com balé, banda e backing vocals. Dona de ótima presença de palco, Iza soube reger o público tanto em canções autorais, como “Ginga” e “Dona de mim”, quanto nos doces covers de Lady Gaga (“Bad romance”) e Rihanna (“What’s my name”), acompanhada apenas por piano e violão, respectivamente. No seu maior hit, “Pesadão”, ainda contou com participação especial de Marcelo Falcão.

O Interpol, porém, não repetiu a energia da performance de 2015. Desafiada por fãs na grade que aguardavam o Twenty One Pilots e por alguns problemas técnicos no som, a elegante banda liderada por Paul Banks fez um show morno, por vezes até baixo demais, típico show que não combina com festivais, ainda mais com canções introspectivas como “If you really love nothing”. As mais animadas, “The rover” e “Slow dance” foram pequenas e divertidas exceções.

No mesmo palco, poucas horas depois, o duo americano Twenty One Pilots teve recepção completamente oposta. Amados pelo público brasileiro, Josh Dunn e Tyler Joseph tiveram um upgrade e tanto desde sua estreia no festival, em 2016. Antes escalados para tocar no início da tarde, sob sol escaldante, a dupla se tornou um dos nomes mais badalados do pop rock mundial com o lançamento do álbum "Trench" (2018) e foi catapultada para a vaga de coheadliner, à noite - algo exaltado pelo vocalista, letrista e faz-tudo Joseph no palco do Lollapalooza.

E a banda mostrou que fez por parecer o novo status, diante de um palco tomado por fãs devidamente adornados com alguns apetrechos visuais da banda, como bandanas, camisetas amarelas e tintas pretas nas mãos. Em um show em alta voltagem e de puro entretenimento, que reuniu pirotecnia, cambalhotas e fantasias, o Twenty One Pilots tocou canções como "Jumpsuit", "Heathens", "My blood", "Nico and the niners" e "Stressed out" mostrando um pouco de seu caldeirão que mistura rock, reggae, rap e EDM (muitas vezes na mesma música). Esquizofrênico, na prática, mas prontamente aceito pela geração streaming.

Em sua oitava edição, a sexta seguida no Autódromo de Interlagos, o Lollapalooza recebeu um público total de 246 mil pessoas, 54 mil a menos do que no ano passado.