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Crítica: mistério e competência na volta do Radiohead

Banda faz seu melhor em ‘A moon shaped pool’, disco lançado de supetão
Thom Yorke, vocalista do Radiohead, em show com a banda, no Trianon em Paris. Foto: Martin Bureau / AFP
Thom Yorke, vocalista do Radiohead, em show com a banda, no Trianon em Paris. Foto: Martin Bureau / AFP

RIO - Tem coisas que só o Radiohead faz por você. E uma delas é entregar, periodicamente e sob um grosso manto de mistério, alguns ótimos discos do Radiohead. Pois este foi o caso de “A moon shaped pool”, nono álbum de estúdio dessa que é uma das mais influentes e criativas bandas da história do rock, lançado ontem, em versão digital no site oficial do quinteto, no iTunes e na Apple Music.

Sem lançar álbum desde “The king of limbs”, de 2011, os ingleses foram dando pistas de que algo poderia vir em breve: na semana passada, deixaram seu site em branco e depois soltaram duas músicas, com clipes: “Burn the witch” (no dia 3) e “Daydreaming” (no dia 5). Até pouco antes do lançamento (anunciado na quinta-feira e feito religiosamente às três da tarde de ontem do Brasil) não se sabia nem mesmo o título do disco.

Repleto de canções que a banda começou a trabalhar, mas depois abandonou, “A moon shaped pool” não é lá um divisor de águas como foram os discos “Ok computer” (1997) e “Kid A” (2000), mas cumpre gloriosamente o papel de trazer aquilo que o Radiohead tem de melhor. As cordas em staccato de “Burn the witch” abrem o disco jogando na roda um punhado de preocupação: estaria o grupo enveredando pelo caminho fácil do Coldplay? A canção avança, as cordas vão ficando sombrias, a intensidade emocional do vocalista Thom Yorke dá as caras (numa letra sobre paranoias modernas) e o baixo distorcido não deixa esquecer que ali está uma banda especialista em reverter expectativas.

Capa do álbum "A moon shaped pool", do Radiohead Foto: Reprodução / Reprodução
Capa do álbum "A moon shaped pool", do Radiohead Foto: Reprodução / Reprodução

“Daydreamer” (que ganhou vídeo do diretor Paul Thomas Anderson, com quem o guitarrista Jonny Greenwood trabalhou em trilhas orquestrais) é, na essência, uma balada de piano, cheia de luz e sombras. Revestida de ambiências de guitarra e cordas luxuriantes, transforma-se num épico, daqueles que o rock só produz de vez em quando. Assim como o Pink Floyd em seu auge, o Radiohead tem sensibilidade o bastante para trabalhar em cima de sequências simples de acordes, criar transições inesperadas e oferecer faixas que põem o ouvinte num universo de beleza e segredos.

Nenhuma banda hoje em dia que não o Radiohead poderia vir com algo como “Decks dark”, com suas guitarras saturadas, corais e piano em conjunção numa música que usa imagens intergalácticas para contar sobre o fim de um amor. Ela emenda em “Desert island disk”, construída em cima de um violão meio folk, bem “Led Zeppelin III”, e direcionada para o espaço mais longínquo. Outro violão, só que mais para o Floyd, ancora “The numbers”. E um outro, dedilhado, flertando com a latinidade no acompanhamento da percussão, dá as caras em “Present tense”, faixa que aos poucos ganha um coral perigosamente brega, uma levada jazzística e as guitarras etéreas de sempre. É o Radiohead buscando caminhos.

Uma batida repetitiva, aparentada do krautrock, dá o impulso para “Ful stop”, música que ganha contornos inusitados ao longo do seu desenvolvimento e justifica o carimbo Radiohead no seu desfecho engenhosamente construído. Com batidas secas e vocais fantasmagóricos, “Identikit” dá voz às guitarras e alguns arrepios na espinha. “Tinker tailor soldier sailor rich man poor man beggar man thief” parte de um piano parecido com o da velha “Everything in the right place”, mas vai para outros lugares com os delirantes arranjos de cordas (expediente que também dá sabor especial a “Glass eyes”). O Radiohead voltou. E vai dar trabalho para a concorrência.

Cotação: ótimo