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Crítica: Volta de Nile Rodgers a novo álbum com o Chic deixa a desejar

Guitarrista acerta ao buscar sonoridade mais contemporânea, mas desperdiça estrelas em faixas menos inspiradas
O guitarrista e produtor Nile Rodgers, do grupo Chic Foto: Jill Furmanovsky / Divulgação
O guitarrista e produtor Nile Rodgers, do grupo Chic Foto: Jill Furmanovsky / Divulgação

RIO — A discotheque e toda a dance music que veio depois dela devem ao Chic um bom pedaço do seu DNA. A forma com que o trio americano de guitarra-baixo-bateria reformatou o funk com vocais femininos está representada num conjunto de obras que vai dos primórdios do rap (o que é "Rapper's delight", do Sugarhill Gang, senão uma reelaboração de "Good times"?) ao novo disco da Ariana Grande . "It's about time", que sai enfim nesta sexta-feira, é o primeiro álbum do grupo em 26 anos. Se a espera valeu a pena? Mais ou menos.

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Do irregular "CHIC-ism" (1992) para cá, o grupo se esfacelou com as mortes do baixista Bernard Edwards (em 1996) e do baterista Tony Thompson (em 2003). O que resistiu como Chic foi a banda de baile que o guitarrista Nile Rodgers montou, com outros músicos, para tocar ao vivo os sucessos do grupo em festivais. Produtor de grandes álbuns dos anos 1980 ("Like a virgin", de Madonna; "Let's dance", de David Bowie), Rodgers aos poucos se conformou ao papel de figura histórica sem grandes interferências na contemporaneidade.

Mas isso foi só até ele ser convidado pelo Daft Punk para tocar sua guitarra nas músicas "Get lucky", "Lose yourself to dance" e "Give life back to music", sucessos do disco "Random access memories" (2013).  Foi o impulso de que Nile Rodgers precisava para entrar em nova fase da vida — em seguida, ele venceu um câncer, publicou uma autobiografia ("Le freak", de 2015), levou o Chic ao Rock and Roll Hall of Fame (em 2016) e brilhou em histórico show no Rock in Rio de 2017 .

Detalhe da capa de "It's about time", álbum de Nile Rodgers & Chic Foto: Reprodução
Detalhe da capa de "It's about time", álbum de Nile Rodgers & Chic Foto: Reprodução

"It's about time" é um disco que, como diz o título, já deveria ter saído há um bom tempo. Com as modelos Duckie Thot e Jazzelle Zanaughtti, Rodgers tentou recriar, nele, a capa do primeiro álbum do grupo, de 1977. Musicalmente, a ideia foi parecida: fazer exercícios do som inconfundível do Chic em novos saltos plataforma. Gravado no mítico estúdio Abbey Road, o disco reuniu vários colaboradores que pudessem dar outros sabores à música do grupo. O que funcionou, mas só em parte.

Um exemplo de como a coisa foi bem: a faixa de abertura, "Till the world falls", que tem o produtor inglês revelação Mura Masa, o rapper Vic Mensa e, na parceria de composição, o astro do novo soul Anderson .Paak. Juntos, eles levaram o Chic, com suas vocalistas afinadas e sexy, pelos caminhos de uma sonoridade mais crocante, dos nossos tempos. "O mundo enlouqueceu, talvez estejamos mais seguros na pista de dança", diz a letra desta que é candidata a trilha eterna para o borbulhar das taças de champanhe.

Em "Boogie all night", que tem vocais da musa britânica do neosoul NAO, Rodgers desmonta um pouco o som clássico do Chic, em prol de algumas bem vindas modernidades. Mas quando chega a "Sober", vê-se que o passo foi para trás: para o new jack swing e o 2 step, com o cantor Craig David e a rapper Stefflon Don, ambos ingleses. O disco ainda tem um remix "new jack" da música, feito por um dos mestres do estilo dos anos 1990, Teddy Riley.

Daí em diante, as faixas pouco trazem de novo em relação ao catálogo do Chic. Os temas de sempre embalam "Do you wanna party" (com Lunchmoney Lewis), "Dance with me" (com a atriz e cantora Hailee Steinfeld) e "I dance my dance". Há espaço para a elegância instrumental com a jazzy "State of mind", número meio George Benson, em que brincam a guitarra de Nile e o piano do francês de jazz Philippe Saisse.

Às participações mais estelares do disco couberam faixas bem aquém: r&b romântico padrão, "Queen", reuniu Elton John e a cantora Emeli Sandé. E uma regravação sem muita graça de "I need your love" foi com o que Lady Gaga teve que se virar.

Como "It's about time" é apenas a primeira parte do conjunto de gravações que Nile Rodgers planejou lançar com o Chic (há um outro álbum previsto para o ano que vem), espera-se que ele tenha muitos coelhos guardados na cartola.

Cotação: Regular