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Disco abortado de Dave Matthews Band ganha releitura de violonista virtuose

Ryley Walker recria na íntegra 'The Lilywhite sessions', cultuado bootleg da banda
SC - O cantor e compositor americano Ryley Walker. Divulgação/Evan Jenkins Foto: Evan Jenkins / Divulgação
SC - O cantor e compositor americano Ryley Walker. Divulgação/Evan Jenkins Foto: Evan Jenkins / Divulgação

Atração do próximo Rock in Rio, a banda Dave Matthews Band (DMB) deixou muitos de seus fervorosos fãs com o cabelo em pé quando lançou o disco “Everyday”, em 2001, dando uma guinada pop no repertório. Foi nessa era pré-streaming que vazou na internet “The Lillywhite Sessions”. Abandonado pelo grupo americano por causa de pressão da gravadora, o álbum era recheado de canções muito lúgubres e depressivas sobre dependência de álcool, solidão e melancolia.

Logo, as sessões produzidas por Steve Lillywhite (U2, Rolling Stones e Talking Heads, entre outros) caíram nas contas do Napster e nas graças do público. Um dos muitos obcecados por elas era Ryley Walker, violonista virtuose e queridinho do folk contemporâneo nos EUA. E ele surpreendeu a cena ao regravar todas as músicas no homônimo “The Lillywhite Sessions”, com Ryan Jewell (bateria), Andrew Scott Young (baixo) e Nick Mazzarrella (saxofone).

Uma das bandas que mais lucram com turnês em todo o mundo, a DMB ainda sofre certa resistência de grande parte da crítica especializada. Por isso o espanto de sites indie quando Walker homenageou o grupo com suas versões.

— Sempre gostei da banda, eles fizeram grande música, de um mundo mais antigo, mas acho que são até bastante experimentais. E eles não recebem o crédito que merecem por isso — afirma. — Acho que a enorme popularidade deles nos anos 1990 influenciou nisso. Eles eram gigantes, pelo menos nos EUA e no Canadá. Era aquela besteira: “eles cresceram muito, não gosto mais deles”. Mas o tempo passou e muita gente hoje em dia já parou com isso e agora consegue vê-los com outros olhos.

PAIS APAVORADOS

Se na adolescência Walker andava com “gente descolada que ouvia Neu e Can” e nem sabia da existência da DMB, ele teve um longo caminho até chegar a nomes com quem seu trabalho é comparado, como John Martyn e Van Morrison.

— Eu adorava indie rock, Pavement, noise... Mas também gostava de pop e de Grateful Dead, que era coisa de hippie. Agora, por aqui, são os punks mais hardcore que gostam deles, não faz sentido. São tempos muito sombrios ( risos ). Mas fico feliz de ver que ainda tem jovem fazendo música que deixa seus pais apavorados. Isso sempre vai ser algo bom — comemora.

Sobre “The Lillywhite Sessions”, Walker defende que a alma de todo projeto de versões está no que ele carrega de menos usual. E torce o nariz para gravações de músicas de Led Zeppelin ou Black Sabbath.

— Isso já foi feito. Achei que recriar as canções da DMB seria diferente, sob uma perspectiva mais ou menos do Miles Davis em “Bitches brew”. Ou seja, esse disco nasceu de um desejo de fazer a coisa mais absurda possível — explica o músico.

Inspirado no vanguardista precursor do fusion de Davis, o absurdo do projeto está em forma de garage rock (“Diggin’ a ditch”) e soft jazz com pitadas de improviso sofisticado à la Steely Dan (“Sweet up and down”). Está também no mergulho num experimentalismo parecido com a fase “Lorca” (1970) de Tim Buckley, em números como “JTR” e “Monkey man”.

— Eu simplesmente amo o Tim Buckley, sou grande fã dele. E de Sonic Youth, John Coltrane, Dinosaur Jr., Jim O’Rourke... Essas cenas sempre se encontraram, andavam juntas, pelo menos em Chicago, onde cresci. Então, é algo muito natural, para mim, ir do folk ao noise.

Segundo Walker, apesar de faixas de “The Lillywhite Sessions” terem sido aproveitadas pela DMB no disco “Busted stuff” (2002), elas ainda seguem como um dos trabalhos mais potentes da banda:

— Há uma energia nova e sombria ali que não existe em outros, uma sensação de ser o fim do mundo. Era o fim do século, eles estavam no auge do sucesso, é aquele tipo de álbum que só faz quem sente que não tem mais nada a perder. Há um clima cru, de loucura, onde tudo está fodido e só existe raiva. É um material muito poderoso.

No fim, o artista acredita que o risco de recriar essas canções foi recompensado:

— Acho que ganhei um público novo. Muitos fãs deles ouviram o disco e passaram a ir aos meus shows. E eu acabei conhecendo o Dave Matthews em Montreal. A gente deu uma volta por lá, encheu a cara e passou um ótimo dia junto. Ele é um cara bacana — gargalha.