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Em ‘Vesúvio’, Djavan busca o desafio de fazer melodias, letras e arranjos mais simples

Compositor mantém sua assinatura, mas procura explorar terrenos novos num 'disco pop', 'mais fluido'
Djavan. ‘Vesúvio’ tem canções inspiradas por questões políticas: ‘Acredito que o Brasil vai ser um país legal. Uma esperança no Brasil, não no governo’
Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Djavan. ‘Vesúvio’ tem canções inspiradas por questões políticas: ‘Acredito que o Brasil vai ser um país legal. Uma esperança no Brasil, não no governo’ Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO - A certa altura de “Vesúvio” (Luanda/ Sony), seu novo disco (o lançamento é amanhã), Djavan canta que “O meu lugar/ É aonde ainda não fui”. Em certo sentido, o disco reflete o lema. Aos 69 anos, o compositor reconhece que podia viver dedicado a projetos de releituras de sua obra — são dezenas de sucessos cujo apelo alcança públicos vastos e intérpretes que vão da cool Rosa Passos ao popularíssimo Thiaguinho. Prefere, porém, se lançar na aventura das canções inéditas. Há sinais de que a escolha compensa: seus shows seguem cheios, seu público se renova e, em 2016, sua “Vidas pra contar” ganhou o Grammy Latino de Melhor Canção Brasileira. “Vesúvio” traz mais 12, e há outras em discos como o recém-lançado “A pele do futuro”, de Gal Costa.

Mas a aventura de “Vesúvio” vai além de apresentar uma safra de inéditas. Djavan conta que, ao buscar os tais lugares onde ainda não foi, se propôs o exercício de fazer um disco pop. Pop à la Djavan, claro. O suingue pessoal, as melodias que encontram maneiras não óbvias de se fazerem assoviáveis, a companhia de músicos que ajudaram a formatar o chamado som-do-Djavan (como Paulo Calasans e Torcuato Mariano), o desejo de brincar com palavras inusitadas (“Orquídea” tem versos como “Lembra aquela Phalaenopsis/ Que você me deu/ Me deixou com Sophronitis/ Por um beijo seu”) — tudo isso está lá. Mas com outra fluidez , para usarmos um termo do próprio compositor.

— Queria um disco mais fluido do ponto de vista sonoro e literário. Soar mais claro, mais simples. Um disco pop nesse sentido. Mas nada para atender ao mercado, mas apenas para me desafiar. Faço canções há mais de 40 anos, a gente precisa encontrar motivação, buscar sensações novas— diz Djavan, que mesmo com tudo que já ergueu, se refere à sua obra no gerúndio. — Tô construindo minha obra. Cada disco me coloca na margem da estrada que vai me levar pra esse meu lugar aonde ainda não fui.

Djavan dá o exemplo de “Solitude” como uma das mais evidentemente diretas (“No meu universo, ela é algo novo”). Mas ele sabe que na comparação com o disco de qualquer artista fundamentalmente pop, ficam claras as diferenças:

— O dele vai ser certamente melhor como um disco pop, mas o meu é mais interessante — afirma, rindo. — Não tem só que ser simples, tem que ser bom. “Só louco”, de Caymmi, é simples mas profunda demais na simplicidade. Meu natural é ser elaborado, soar simples é um esforço. Por isso tenho dificuldade de gostar de coisas simples que eu faço. Mas toda hora gosto de algo pop que ouço no rádio. Passei dias maravilhado com “A danada sou eu”, da Ludmilla. Até porque o Brasil tem uma riqueza musical natural, uma diversidade que se reflete mesmo no pop.

“Solitude” também traz outro aspecto do disco, raro na obra de Djavan: o comentário político (“Um mundo louco/ Evolui aos poucos/ Pela contramão/ O erro invade/ Tudo o que é cidade”).

— Quando componho não me esquivo de nenhum assunto, e estamos agora envolvidos em questões políticas. Em “Solitude” queria fazer uma canção apartidária, no qual a esperança é o foco. Porque acredito que o Brasil vai ser um país legal. Uma esperança no Brasil, não no governo. Vai acontecer muita coisa ruim, transformação dói. Você vê esse aspecto terrível da migração, isso é uma reorganização do mundo. Os países ricos construíram riqueza explorando os mais pobres, agora tá vindo a conta.

Orquídea 'Javanica'

Apesar da observação política, o disco é essencialmente de canções de amor. No desejo de soar simples, Djavan compôs alguns exemplares certeiros do gênero. O nome do álbum, “Vesúvio”, que carrega em seu sentido força, beleza e destruição, além de uma sonoridade que amarra isso, sintetiza bem o espírito de faixas como “Tenho medo de ficar só”, “Um quase amor”, “Madressilva” (exceção de requinte clássico num disco pop) e a canção-título.

— Nunca tive a preocupação de me repetir cantando o amor, porque ele é dinâmico cada um é único — avalia Djavan. — “Tenho medo de ficar só”, por exemplo, traz essa coisa do “Não importa se amado eu for/ Só me vale o que eu sinto”, uma reflexão, um tipo de relação com o amor que alcancei ali naquele momento, que nunca tinha abordado.

Uma dessas, “Meu romance”, ganhou uma segunda versão. A convite de Djavan, o uruguaio Jorge Drexler escreveu versos em espanhol para ela, que se tornou “Esplendor” e é cantada em dueto.

Em meio aos versos de amor e de política, entre o rebuscamento (palavra que Djavan não gosta, por sugerir uma intenção em algo que para ele é natural) e a clareza pop, talvez nada represente mais o disco do que a canção romântica que lista nomes de orquídeas, polissilabos em latim à primeira vista antimusicais. Mais especificamente, o verso no qual ele encaixa a espécie Javanica, que soa como “djavânica” — a arquitetura complexa e de apelo direto da flor, o objetivo primeiro de “Vesúvio”.