Cultura Música

'Estou há duas semanas aqui e ainda não vi o mar', diz Amarante sobre ensaios do Los Hermanos

Apresentando show solo de seu próximo disco, integrante dos Hermanos fala de EUA, Brasil e suas músicas tocando em táxis
O cantor e compositor Rodrigo Amarante Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo
O cantor e compositor Rodrigo Amarante Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

RIO — Sentado no terraço da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rodrigo Amarante traga um cigarro e contempla o Corcovado. Pensa em levar a namorada, a cantora americana Cornelia Murr, na trilha que vai dali ao Cristo Redentor. Alertado sobre possíveis assaltos , apaga o cigarro na sola do sapato e conclui: “OK, não vai rolar”. E, na hora, já imagina uma visita às vizinhas cachoeiras do Horto.

Há 10 anos em Los Angeles, o compositor carioca está no Rio para matar saudades e realizar um projeto pessoal. Vai aproveitar a turnê de revival da banda que o projetou, Los Hermanos — que começou ontem e chega ao Maracanã em 4 de maio —, para realizar shows solo no Rio (nesta terça, no Theatro Net Rio), em São Paulo e Salvador — os dois últimos com abertura de Cornelia.

Acompanhado apenas por um violão e um piano, Amarante, 42 anos, vai revisitar sua carreira. Haverá pop do Little Joy, gafieira da Orquestra Imperial, talvez o tema da série Narcos (“Tuyo”), canções do primeiro disco solo, “Cavalo” (2013), e do novo álbum, que chega no segundo semestre e, “diferente do anterior, aposta mais no ritmo que na harmonia”. Algo de Los Hermanos? Difícil. “Se rolar, será algo que nunca tocamos em shows”.

LEIA TAMBÉM : Los Hermanos inicia turnê no Brasil com show em Salvador; saiba como foi

Abaixo, os principais trechos de um papo em que o autor de “Sentimental”, “Retrato pra Iaiá” e “Os pássaros” falou da vida nos EUA, do momento do Brasil, do carinho dos fãs e de sua meta artística: se sua música deixar alguém “com o coração mais suave (...) tá maravilhoso”.

Como está sendo a passagem pelo Rio?

Estou há duas semanas aqui e ainda não vi o mar, para você ter uma ideia da agenda. Estou vendo todo mundo, terminando meu próximo disco e ensaiando com Los Hermanos (que na terça lançaram a primeira inédita em 14 anos, “Corre corre”, de Marcelo Camelo) .

“Tem que estar todo mundo ensaiado. Uma coisa é tocar junto, outra coisa é tocar ao mesmo tempo”

Rodrigo Amarante
Sobre voltar com Los Hermanos após anos separados

A última turnê do grupo foi em 2015. Como é tocar junto após anos separados?

Todo mundo tem que fazer o dever de casa, né? Tem que chegar ensaiado. Mas, como dizia o Wilson das Neves (cantor e baterista falecido em 2017) , uma coisa é tocar junto, outra coisa é tocar ao mesmo tempo. (Risos.) Temos que caprichar, vamos nos apresentar nos maiores estádios do Brasil.

Falando nisso, que Brasil você vê lá da Califórnia?

Me parece um momento sombrio, nervoso, de frustração com a democracia, superpolarizado. Essa divisão está contra os dois lados. Nós todos somos o Brasil. Toda criança é seu filho, todo velho é seu pai, todo homem ou mulher é seu irmão ou irmã. Mesmo aqueles com as posições mais absurdas. Eu sou um compositor de canção, não tenho autoridade para falar disso, mas a conversa me interessa muito. É o nosso futuro. Juntos somos mais.

O cantor e compositor Rodrigo Amarante Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo
O cantor e compositor Rodrigo Amarante Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

Por que escolheu viver em Los Angeles?

Eu não escolhi. Em 2007, fui convidado pelo Devendra Banhart para gravar uma música com ele. Aí ele me pediu para ficar mais, fazer o disco inteiro. Depois veio o Little Joy. Aí me apaixonei, a vida seguiu, e estou lá há dez anos. Não quer dizer que eu vou ficar para sempre. Tomara que não. Adoro, mas cada lugar tem suas maravilhas e escrotices.

Quais as maravilhas e escrotices de LA?

É incrível conhecer gente criativa do mundo inteiro, diferentes culturas. Mas, exagerando e generalizando, o americano é anti-intelectual e consumista. Ele não diz “quero um café”, diz “preciso de um café”, “preciso de um carro”, “preciso de uma camisa amarela”. Quando ele não tá se divertindo, está com um problema, é sufocante. É tudo muito kitsch , muito bobo... (Pausa.) Falando essas coisas parece que eu sou um cara pedante.

Você acha que passa essa imagem?

Sou pedante? Ah... Também, caguei. Eu gosto do que eu gosto. Dane-se. (Risos.) Não tô procurando emprego. Por sorte, consigo viver da minha música.

“Nós todos somos o Brasil. Toda criança é seu filho, todo velho é seu pai, todo homem ou mulher é seu irmão ou irmã”

Rodrigo Amarante
Sobre o país em momento polarizado

Nesse momento solo, que música você busca fazer?

Acho graça porque às vezes vejo na minha música uma coisa missionária. Uma coisa da qual, sinceramente, gostaria de me afastar um pouco. Mas, sem que eu queira ou consiga controlar, sai assim: quero depurar na composição algo que possa servir ao outro. É para ser um presente, não uma isca. Quando eu encontro uma obra de arte de que eu gosto, a sensação é que aquilo me serve como ferramenta de sobrevivência. É isso que eu busco: ser útil.

Que tipo de utilidade?

Eu sei que falando assim parece uma coisa prepotente, maior do que a canção. Mas imagine um cenário em que o cara está no táxi e o taxista está lá falando, sendo chato, e o cara ficando puto, mas aí toca uma música minha e o sujeito, sei lá ... fica com o coração mais suave. É isso. Se eu prestar esse serviço, tá maravilhoso.

Voltar com Los Hermanos é prestar esse serviço?

A essa altura, já virou uma espécie de ciclo. A cada quatro anos algum de nós fala “vem cá... será que ano que vem a gente não se junta para tocar?” Para não fazer essas turnês de reunião teria que ter um motivo muito forte. É um milagre: eu, o Camelo, o (baterista Rodrigo) Barba, o (tecladista Bruno) Medina, a gente estava com 20 anos fazendo nossas coisas e ganhamos um público imenso. Celebrar isso é incrível. É um show de slides antigos com o Maracanã em volta. Só não dá para fazer todo dia.

SERVIÇO

Onde: Theatro Net Rio (Rua Siqueira Campos 143, Copacabana — 2147-8060). Quando: Ter, às 21h. Quanto: De R$ 70 a R$ 160. Classificação: Livre.