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Fagner e Zé Ramalho unem experiência e repertório em disco e DVD conjuntos

Em disco, dupla recupera uma parceria estabelecida há mais de 30 anos

Fagner e Zé Ramalho
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Divulgação
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Marcos Hermes
Fagner e Zé Ramalho Foto: Divulgação / Marcos Hermes

RIO — Ao lado de Fagner no palco, Zé Ramalho traz em seu violão a inscrição “Nação nordestina” — nome de seu disco lançado em 2000, cuja capa, que emula a de “Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, traz vários personagens do Nordeste, entre eles Fagner. Mais que a referência ao álbum, há ali uma sinalização de que essa região do país está representada naquele momento, na música e nas décadas de carreira de cada um, celebradas no show, lançado agora no CD e DVD “Ao vivo” (Sony) — gravado em julho, no Teatro Net Rio. Uma afirmação do orgulho e da cultura de suas origens que fazia sentido quando eles iniciaram sua trajetória, e talvez, como eles notam, faça ainda mais sentido hoje — num contexto no qual alguns eleitores manifestaram nas redes sociais um discurso de ódio e preconceito contra os nordestinos, dando a eles a “responsabilidade” pela reeleição de Dilma Rousseff.

— Temos um papel com relação ao Nordeste, afirmar e fortalecer uma autoestima nordestina, num momento politicamente importante, após as eleições mais pobres de ideias que tivemos — afirma Fagner. — Temos uma relação forte com o Nordeste, nossa obra representa o Nordeste. Temos esse papel social.

Zé Ramalho concorda, lembrando que a geração deles apresentou um novo Nordeste para o restante do Brasil quando começaram suas carreiras, na década de 1960.

— Era o Nordeste pós- Gonzaga, pós-Jackson, pós-Marinês. O Nordeste pós os inventores. Trazíamos, eu, Fagner, Alceu ( Valença ), aquela bagagem deles e também nossas coisas, nossa ligação com a música pop. Mas nada era estudado. Fazíamos um tipo de show que ninguém fazia, mas não tínhamos as roupas extravagantes dos tropicalistas.

Fagner faz graça:

— A gente vinha mal vestido mesmo.

“BICHO PREGUIÇOSO”

A brincadeira reflete o clima de intimidade da dupla, construído desde a década de 1970, quando eles se conheceram num evento no Parque Lage (“Você me perguntou sobre ‘Paêbiru’”, lembra Zé). Ao longo da entrevista, outras falas são ditas no mesmo tom (“Lamentei não termos feito uma inédita para o disco, mas esse bicho tá preguiçoso”, diz Fagner, apontando para o amigo). Os dois — hoje vizinhos do mesmo prédio no Leblon e que compartilham o hábito da caminhada matinal na praia — desenvolveram a amizade tocando juntos por horas a fio, naqueles primeiros tempos da relação. Aquelas sessões de violões ecoam hoje no encontro dos dois registrado em “Ao vivo” — o violão cancionista, de nylon, mais MPBístico de Fagner de um lado, e as cordas de aço de Zé, mais folk, roqueiro, ao mesmo tempo com sabor mais nordestino.

— O violão do Fagner é tocado mais com os dedos, o meu é com palheta. Coisa de músico de baile, eu era guitarrista — conta Zé. — Não tenho nenhum problema em me adaptar, eu vou atrás dele, me contenho, entendo a batida e me encaixo ali.

A afinidade também se deu na voz:

— Zé trabalha no grave, eu no agudo e médio. Não tem desconforto, nossas vozes casam bem — explica Fagner.

“Ao vivo” foi gravado no Teatro Net Rio, que traz lembranças para Zé Ramalho — foi lá, no antigo Teresa Rachel, que foi gravado “Vivo”, de Alceu Valença, com participação dele. Outro palco carioca tradicional, o João Caetano e seu projeto “Seis e meia”, registrou o primeiro show da dupla Zé e Fagner:

— Fiz o projeto com o grupo Flor de Cactus, e Fagner participou — lembra Zé. — Na época, “Fanatismo” ( sucesso de Fagner, lançada em 1981 ) estava estourando. O sucesso de segunda a sexta foi tão grande que no fim de semana foi armado um palco na Praça Tiradentes e fizemos um show inteiro, nós dois.

CINCO MÚSICAS JÁ EXISTIAM

A parceria no palco reapareceu agora, mas no caminho os dois gravaram juntos algumas vezes. Zé juntou essas gravações e viu que a dupla já tinha cinco fonogramas juntos (“Era a metade de um disco, era só fazermos mais algumas”, diz o paraibano). Quando a Sony se interessou pela ideia, Zé lançou outra: os dois cantando seus sucessos juntos, o que acabaria desembocando no “Ao vivo”, cujo repertório inclui “Noturno (Coração alado)”, “Garoto de aluguel”, “Fanatismo” e “Admirável gado novo”, entre outras.

— Gostei muito de cantar “Mucuripe”. Cantar uma música como essa do lado do autor me dá arrepio. É como quando cantei “Asa branca” com Luiz Gonzaga — cita Zé.

Fagner também elege suas preferidas:

— “Eternas ondas” (composta por Zé e sucesso na voz de Fagner) é a que mais representa nosso encontro. Há uma emoção ali que não passa despercebida. Mas adorei cantar “Terceira onda” e ter a possibilidade de resgatar uma canção bonita como “Kamikaze” (do paraibano), que foi pouco tocada.