RIO — "É sempre assim: a gente vai ficando velho e o mundo vai ficando novo", repetiu Gilberto Gil , 75 anos de vida e mais de 50 de carreira, ao lançar, na noite desta terça-feira, uma nova versão de "Pela internet". Há 21 anos, a canção entrava na história como a primeira música a ser transmitida ao vivo, no mundo, pela internet.
“A imperfeição é a medida do homem, então não seria a internet a abolir essa questão. Pelo contrário: as imperfeições humanas se multiplicam nessa multiplicação de possibilidades, de contato, de acesso, de informação…”
Durante evento fechado para convidados no YouTube Space, na Zona Portuária do Rio, e transmitido em seu canal na rede de vídeos, Gil cantou tanto a versão original quanto a nova, que ganhou versos sobre Facebook, Facetime, WhatsApp, Waze, Instagram, etc.
"O pensamento é nuvem/ o movimento/ O monge no convento/ Aguarda o advento de Deus pelo iPhone" (veja a letra na íntegra no fim da matéria), cantou em "Pela internet 2", uma versão mais crítica do que aquela "apologética" que fez sucesso na década de 1990.
— Nessa nova letra, a dose apologética diminuiu e a crítica aumentou. É natural que assim seja, porque a internet virou um pandemônio, um estímulo a esse narcisismo individualista que se desdobra em política de ódio — apontou Gil, em entrevista após o pocket show que fez no evento. — Evidentemente, ainda tem uma criptoelite que detém fatias mais impressionantes dessa tecnologia, mas o acesso foi horizontalizado no mundo todo. A imperfeição é a medida do homem, então não seria a internet a abolir essa questão. Pelo contrário: as imperfeições humanas se multiplicam nessa multiplicação de possibilidades, de contato, de acesso, de informação…
Ouça abaixo "Pela internet 2" (a partir de 51m8s):
GIL CONTRA OS HATERS
Entre as imperfeições citadas está, claro, o ímpeto humano de humilhar ou diminuir gratuitamente o outro — os famosos haters , na linguagem internética. Gil, assim como qualquer artista de discurso reverberante, não é poupado de mensagens maldosas nas redes sociais, nem foi quando esteve, nos últimos dois anos, em tratamento intensivo por conta de uma insuficiência renal. "Apóstolo da bondade", como se descreveu, o cantor e compositor não negou que tais ataques virtuais o afetam:
“Me mataram duas vezes! (risos) A malquerença é um sentimento muito difícil para mim. Nas duas vias: tanto eu querer mal a alguém quanto ser mal querido. Eu tenho a ilusão, e insisto nela, que o ser humano foi criado para a seguir a bondade”
— Me mataram duas vezes! (risos) A malquerença é um sentimento muito difícil para mim. Nas duas vias: tanto eu querer mal a alguém quanto ser mal querido. Eu tenho a ilusão, e insisto nela, que o ser humano foi criado para a seguir a bondade, a beleza. Então, os ataques me incomodam. Mas, evidentemente, eu tenho que descartar. O dia seguinte à ofensa já é mais restaurador. Dois, três dias depois o coração já começa a se livrar daquele veneno.
Provando, com animação e disposição, estar recuperado dos problemas de saúde de outrora, Gil tem um ano atribulado pela frente. Nesta sexta-feira, no Circo Voador, ele grava o DVD "Refavela 40", em homenagem ao clássico disco de 1977.
Os ingressos para a apresentação, que contará com Anelis Assumpção, Maíra Freitas, Moreno Veloso e Mestrinho, estão esgotados, mas o baiano radicado no Rio deve fazer outros shows da turnê — a participação no festival Bananada, em Goiânia, em maio, está confirmada. Em março, ele parte para giro na Europa acompanhado por Nando Reis e Gal Costa, com quem forma a "Trinca de ases".
Ainda em 2018, Gil estará na ópera "Negro amor", sobre o deus hindu Krishna, que compôs ao lado do maestro italiano Aldo Brizzi. E lança um novo álbum de inéditas nos próximos meses, que terá como foco criativo exatamente o longo período de idas e vindas do hospital.
— Pela primeira vez na minha vida, eu tive problemas de saúde graves que me levaram a hospitalizações longas e frequentes. Esse disco traduz muito isso, tem pelo menos cinco ou seis canções que tratam do meu médico, da minha médica, dos procedimentos a que tive que ser ser submetido. É um disco também muito ligado ao afetivo da minha família, como sempre. Minha bisneta (Sol de Maria, filha de Francisco e neta de Preta) nasceu naquele momento e eu queria muito que a vida me trouxesse a possibilidade de ser bisavô. É um disco que se posiciona nesses campos do afeto pessoal, afeto que se encerra em nosso peito juvenil - reforçou Gil, citando o Hino à Bandeira Nacional.
No YouTube Space, além das duas versões de "Pela internet", que abriram e fecharam o pocket show, Gil levou ainda um repertório temático, com canções como "Cérebro eletrônico", "Metáfora", "Futurível" e "Queremos saber". Ele foi acompanhado pelo filho Bem Gil (guitarra) e pelo neto José (bateria) na banda que contou ainda com Liminha (baixo) e Mestrinho (acordeon).
Veja a letra de "Pela internet 2":
"Criei meu website
Lancei minha homepage
Com 5 gigabytes
Já dava pra fazer
Um barco que veleje
Meu novo website
Minha nova fanpage
Agora é terabyte
Que não acaba mais
Por mais que se deseje
Se o desejo agora é navegar
Subindo o rio Tejo tenho como achar
Num site de viagem a melhor opção
Com preço camarada bem no meu padrão
Se é música o desejo a se considerar
É só clicar que a loja digital já tem
Anitta, Arnaldo Antunes, e não sei mais quem
Meu bem, o Itunes tem
De A a Z quem você possa imaginar
Estou preso na rede
Que nem peixe pescado
É zapzap, é like
É instagram, é tudo muito bem bolado
O pensamento é nuvem
O movimento é drone
O monge no convento
Aguarda o advento de Deus pelo Iphone
Cada dia nova invenção
É tanto aplicativo que eu não sei mais não
What’s app, what’s down, what’s new
Mil pratos sugestivos num novo menu
É Facebook, é Facetime, é Google Maps
Um zigue-zague diferente, um beco, um CEP
Que não consta na lista do velho correio
De qualquer lugar
Waze é um nome feio, mas é o melhor meio
De você chegar"