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Ibeyi volta ao Rio com o indignado disco 'Ash'

Irmãs cubanas apresentam no Circo Voador as canções nas quais reagem a Donald Trump e à arbitrariedade policial
A dupla franco-cubana Ibeyi, que se apresenta quinta-feira no Circo Voador Foto: Divulgação
A dupla franco-cubana Ibeyi, que se apresenta quinta-feira no Circo Voador Foto: Divulgação

RIO — Avalizadas por Prince e por Beyoncé (que as pôs no filme que fez para o disco visual “Lemonade”), as gêmeas francesas de ascendência cubana Lisa-Kaindé e Naomi Diaz ficaram conhecidas do mundo pop pela alcunha de Ibeyi — termo que significa “gêmeas” em iorubá, língua de seus ancestrais africanos. Seu álbum de estreia, “Ibeyi” , lançado em fevereiro de 2015, encantou seus ouvintes com uma música repleta de religiosidade e de africanidade, acústica em sua origem (as duas cantam, Lisa toca piano e Naomi, percussão) mas eletronicamente reprocessada pelo produtor Richard Russel.

Em setembro do ano passado, as irmãs de 23 anos de idade lançaram seu segundo álbum, “Ash”, no qual levam adiante o seu estilo, só que num mundo bem mais convulsionado do que aquele que conheciam.

— Começamos a gravar o álbum na semana em que Donald Trump foi eleito. E a primeira música de todas foi “Ash”, que diz “podemos ver que algo está errado, mas continuamos” — contam, em entrevista conjunta, por e-mail, as duas, que se apresentam esta quinta-feira no Circo Voador, com show de abertura de Tulipa Ruiz. — No mesmo período, estávamos atravessando também a campanha eleitoral francesa, na qual o partido fascista estava surfando no drama dos refugiados e nos ataques terroristas para passar uma mensagem populista. Ficamos muito nervosas, eles poderiam ganhar as eleições. Tudo isso certamente influenciou o álbum, foi um momento elétrico, sentimos que precisávamos encontrar uma maneira de transmitir alguma esperança.

A canção de “Ash” que mais acabou refletindo o momento da sua produção foi “No man is big enough for my arms” (“Nenhum homem é grande o bastante para os meus braços”, em tradução livre), na qual as gêmeas incluíram sample de discurso da ex-primeira dama americana Michelle Obama, que respondia, em plena campanha eleitoral, a comentários descabidos de Donald Trump sobre sua relação com as mulheres.

— Como pode ser possível que, em 2017, algum candidato a presidente dos Estados Unidos da América possa dizer algo tão machista e grosseiro quanto “agarrá-las pela b*”? A canção é uma resposta a isso — protestam Lisa-Kaindé e Naomi. — Será que é necessário continuar dizendo isso para que as mulheres deixem de acreditar que são inferiores e que é normal sofrer abusos? A fala de Michelle é forte e verdadeira. Estamos muito honradas por ela ter aceitado ser sampleada na música. Tem havido muito progresso sobre os direitos das mulheres, mas o caminho para a igualdade ainda é longo.

Outra das canções do disco, “Deathless” (que tem participação do saxofonista Kamasi Washington), fala diretamante sobre uma experiência traumática que Lisa-Kaindé teve na adolescência ao ser parada pela polícia no metrô de Paris e revistada, em busca de drogas.

— Há coisas muito piores acontecendo em todo o mundo — alegam as duas. — Começamos a compor “Deathless” a partir da nossa própria experiência, mas a música é bem mais um hino para todos. Quando alguém se sente pequeno, assustado ou maltratado, esperamos que essa música dê três minutos de força e sensação de imortalidade.

Além de bem mais político, “Ash” é, também, um disco um bocado mais dançante que “Ibeyi”.

— Nosso primeiro álbum foi escrito entre nossos 14 e 19 anos. Ele era introspectivo, uma homenagem ao nossos falecidos pai e irmã. “Ash” é mais aberto sobre o mundo, sobre assuntos que são importantes para nós — dizem as duas. — O novo álbum é o resultado de dois anos em que corremos o mundo com nossos shows. Aprendemos muito, conhecemos todos os tipos de locais, de festivais e de público. Queríamos um som maior para que as pessoas pudessem dançar e cantar, mas também queríamos manter a parte orgânica da percussão, do piano e das vozes.

Em "Me voy", Lisa-Kaindé e Naomi chegaram ao ponto de passar suas vozes pelo software Auto-Tune e escolheram uma batida muito próxima do popular e sacudido reggaeton.

— Alguns ouvintes ficaram chocados, outros adoraram — revelam. — Para nós, o afinador automático oferece uma forma de brincar com nossas vozes, assim como os músicos mudam o som dos seus instrumentos com pedais. Todo mundo sabe que cantamos e que não precisamos desse recurso para ficar afinadas. Tudo depende do que a música precisa.

O Ibeyi volta ao Circo Voador um ano depois de uma memorável apresentação, em outubro de 2016.

— Aquele foi o último show de nossa turnê anterior e, sinceramente, um dos nossos favoritos até agora — elogiam. — Nunca tínhamos estado no Brasil antes, então não esperávamos que a plateia cantasse cada música e fosse tão calorosa e amorosa. Não poderíamos ter sonhado com uma maneira melhor de terminar a turnê. Infelizmente, não tivemos tempo para conhecer músicos brasileiros ou para ver a cidade, mas desta vez esperamos fazê-lo.

Ibeyi

Onde: Circo Voador — Rua dos Arcos,  s/n, Lapa (2533-0354).

Quando: Quinta-feira, às 22h.

Quanto: De R$ 80 a R$ 200.

Classificação: 18 anos.