Cultura Música

Ira! volta à atividade, planeja disco e chega ao Rio

Após seis anos rompidos, Scandurra e Nasi levam ao Circo Voador a turnê da reconciliação, que tem sucessos e uma música nova
Em São Carlos: show lotado, para mais de 2.800 pessoas, Edgard Scandurra e Nasi recriam os hits da banda Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
Em São Carlos: show lotado, para mais de 2.800 pessoas, Edgard Scandurra e Nasi recriam os hits da banda Foto: Marcos Alves / Agência O Globo

SÃO CARLOS (SP) - Para o vocalista Marcos Valadão, o Nasi, parece que realmente a noite valeu a pena. “Nós voltamos. Nós somos o Ira!”, desabafa, ao fim de um longo setlist (23 músicas), numa apresentação há duas semanas na cidade paulista de São Carlos, com a banda que ele mesmo cuidou de desmanchar em 2007, após 28 anos de atividade. Reformado em 2014, o Ira! está no meio de uma turnê, a “Núcleo base”, que chega ao Rio neste sábado, para uma noite no Circo Voador. Por “nós”, Nasi quer dizer: ele e o guitarrista Edgard Scandurra, com quem fundou a banda (ainda sem exclamação) em São Paulo, em 1981. Depois da briga do esquentado vocalista com o Ira!, que resultou no fim, eles ficaram até o ano passado sem se falar.

Ira! volta aos palcos em nova turnê Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
Ira! volta aos palcos em nova turnê Foto: Marcos Alves / Agência O Globo

— Ali, rola um resgate cármico forte. Hoje em dia, é o Nasi que dá conselhos para o Edgard — conta Airton Valadão, o Junior, irmão de Nasi, empresário do grupo entre 1988 e 2007 (quando, numa briga, recebeu uma cabeçada de Nasi) e artífice da volta. — O Marcos e o Edgard são amigos de adolescência, não são caras que se conheceram na música. O Edgard é fundamental na inserção dele como artista. Até então, o Marcos não sabia o que ia fazer da vida.

No ginásio do Sesc de São Carlos, o público de cerca de 2.800 pessoas (que esgotou os ingressos em cinco dias) vibra a cada sucesso do Ira!. São pais quarentões, com seus filhos de todas as idades, e até alguns jovens, conquistados pela banda com o sucesso do “Acústico MTV”, de 2004. Nasi pula, toca pandeirola e elogia um solo de Scandurra (“Você tá foda, hein, meu!”). Ele está feliz. De repente, o som para a plateia some bem no refrão de “É assim que me querem”. A banda sai e volta depois de alguns minutos com ainda mais garra. Nada desse papo de anticlímax.

— Pensa que é só a seleção que dá apagão? — brinca Nasi, no show, em uma das metáforas futebolísticas, que aliás foram muitas na conversa daquela tarde, durante a viagem no ônibus que levou a banda de São Paulo a São Carlos.

Não precisa muito para notar que a escalação de músicos do Ira! não é mais a mesma. Não estão lá o baixista Gaspa e o baterista André Jung, da formação mais duradoura, de 1985 a 2007. Gaspa se dedica a outros projetos. E, com André, Nasi diz ter “diferenças pessoais e musicais”. No lugar, estão Daniel Scandurra (filho de Scandurra, no baixo), Evaristo Pádua (baterista da banda solo de Nasi) e Johnny Boy (tecladista e violonista, que tocava com o Ira! desde os anos 1990, como músico de apoio).

— Um dos segredos dessa volta do Ira! foi que mantivemos a base criativa de liderança e fizemos uma renovação no elenco. Veio até um garoto das divisões de base, o Daniel — analisa Nasi, enquanto o ônibus roda pela estrada.

Em casa de roqueiro, o espeto é de... João Gilberto. De tanto ouvir a música da banda do pai, Daniel, de 26 anos, acabou buscando a subversão juvenil na bossa nova. Especializou-se em violão e só mais tarde foi se aventurar no baixo. Fora do Ira!, ele atua como artista plástico e tem o grupo de rock experimental Eueueu.

Nasi em ação durante show do Ira! Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
Nasi em ação durante show do Ira! Foto: Marcos Alves / Agência O Globo

— Apesar de ser o mais jovem, o Daniel é um dos que mais ouviram essas músicas do Ira! — diz Scandurra, que toca com o filho também em sua carreira solo e no projeto Pequeno Cidadão.

Segundo Nasi, foram o desgaste, a falta de diálogo e de uma liderança dentro da banda as razões que fizeram com que ele resolvesse, de forma violenta e intempestiva, sair do Ira!. A feia história (o seu lado foi relatado na biografia “A ira de Nasi”, Belas Letras, 2012) deu em ações judiciais do irmão e até do próprio pai (que tentou interditá-lo judicialmente) e em acusações de que a banda queria sabotá-lo.

— O Ira! não acabou, ele implodiu — resume Edgard Scandurra, que não chegou a ler o livro de Nasi.

— Foi um alívio o Ira! ter acabado naquela época. Ele tinha que parar uns dois anos, para cada um ir fundo nos seus trabalhos solo — conta o vocalista.

Desgostoso após a briga, o irmão Junior largou a música (era empresário também de Jorge Ben Jor) e foi ser dono de restaurante. Em 2012, fez as pazes com Nasi. E, um ano depois, foi procurado por Scandurra, que estava organizando um show beneficente para a escola de música onde o filho estudava. Sabendo que o irmão queria voltar a falar com o guitarrista, Junior intermediou a reconciliação. Que se deu por telefone.

Daniel Scandurra, filho de Edgard, assume o baixo na nova formação Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
Daniel Scandurra, filho de Edgard, assume o baixo na nova formação Foto: Marcos Alves / Agência O Globo

— Reconheci a voz do Nasi antes de ele falar qualquer coisa — diz Scandurra. — A atitude de pedir desculpa, a humildade de chegar e se retratar, foi muito importante para mim. Aquela era uma página que eu não tinha virado.

Seis anos após o fim do Ira!, Nasi subiu ao palco com Scandurra e sua banda, no tal show beneficente, em SP.

— E lá, todas as acusações e rixas que a gente teve esses anos todos ficaram do lado de fora — conta o cantor.

— Aquilo deu um gás para a gente. Eu sentia muita falta de um público ávido, que ficava na frente do palco nos shows do Ira! e que, com meus outros trabalhos, eu não via — confessa Scandurra.

Instigada por Junior e pela repercussão do show na internet, a volta do Ira! aconteceu em show na Virada Cultural de São Paulo, em maio. E emendou na turnê “Núcelo base”, que deve fechar no ano que vem, com cerca de cem shows.

— Pra mostrar que a volta valeu a pena, o nosso próximo disco tem que ser, pelo menos, à altura dos melhores do Ira! — diz Nasi, com planos de lançar novo álbum em 2015 (e o grupo já incluiu uma música nova nos shows, “ABCD”).

— Queria aproveitar a volta do Ira! para transformá-lo no que a gente sempre foi: uma banda de rock. Penso nos shows dos meus ídolos, o The Who e o Led Zeppelin — sonha o guitarrista.

Silvio Essinger viajou a convite da produção do Ira!.

O IRA! NO TEMPO

1981. Nasce, com Nasi e Edgard Scandurra (mais o baterista Fabio Scattone e o baixista Adilson Fajardo), o Ira (sem exclamação)

1984. Com Charles Gavin (futuro Titãs) na bateria e Dino Nascimento no baixo, o Ira lança seu primeiro compacto

1985. Enfim como Ira!, o grupo grava o primeiro álbum, “Mudança de comportamento”. Ricardo Gaspa (baixo) e André Jung (ex-Titãs, bateria) completam a formação

1986. “Mudança” vende 60 mil cópias. O grupo grava “Vivendo e não aprendendo”, seu segundo álbum. Um colar de hits faz com que ele venda 285 mil discos

1988. O Ira! grava seu terceiro álbum, “Psicoacústica”. Fracasso comercial relativo (50 mil cópias saíram das lojas), o disco é sucesso de crítica. Airton Valadão Junior, irmão de Nasi, torna-se empresário da banda

1989. Scandurra lança álbum solo, “Amigos invisíveis”. O disco seguinte do Ira!, “Clandestino”, é gravado em meio a brigas

1993. O vocalista lança seu primeiro LP em projeto paralelo: “Nasi & Os Irmãos do Blues”

1997. Nasi se interna na Clínica Serena, em São Paulo, para se tratar do vício em cocaína

2004. A banda grava seu “Acústico MTV”, que bate recorde comercial (300 mil cópias vendidas). Desentendimentos dos integrantes são constantes

2007. Nasi briga com o irmão e com a banda, e o Ira! acaba

2013. Reconciliado com Junior um ano antes, Nasi faz as pazes com Edgard e participa, junto a ele, de um show beneficente

2014. O grupo sacramenta a sua volta, em maio, com show na Virada Cultural de São Paulo