Cultura Música

Lô Borges lembra bastidores da produção do cultuado ‘disco do tênis’

Em conversa com músicos do Dônica, músico conta histórias por trás de sua estreia solo

45 anos. Álbum de 1972 ganha reedição em vinil e é lembrado por Lô em show hoje, com abertura do Dônica ( acima, com o mineiro)
Foto:
Monica Imbuzeiro
45 anos. Álbum de 1972 ganha reedição em vinil e é lembrado por Lô em show hoje, com abertura do Dônica ( acima, com o mineiro) Foto: Monica Imbuzeiro

RIO - Era 1972, e o garoto tinha 20 anos quando recebeu o convite da gravadora para fazer seu primeiro disco solo. Suas gavetas de compositor estavam vazias — todas as suas canções haviam sido gravadas no disco “Clube da esquina”, que ele assinava com ninguém menos que Milton Nascimento. Sem músicas na manga ou a menor garantia de que ia tê-las, Lô Borges não teve dúvidas:

— Disse “sim”, com 20 anos a gente topa qualquer coisa — diz Lô, observado pelos músicos do Dônica, que abre o show que o mineiro faz no Circo Voador hoje celebrando os 45 anos do “disco do tênis", como ficou conhecida sua estreia solo.

Circundando a casa dos 20 anos, os integrantes do Dônica ouvem as histórias com atenção. A música produzida pelos artistas do Clube da Esquina costuma ser apontada como uma das influências centrais da banda — não por acaso, Milton participa do álbum de estreia deles.

— O Clube da Esquina foi bastante decisivo para nossa formação — diz José Ibarra, vocalista e tecladista da banda.

O guitarrista Lucas Nunes lembra:

— Ouvíamos várias coisas juntos. No dia que alguém botou o “Clube da esquina”, a gente descobriu uma conexão nossa ali. O “Clube da esquina”, o disco do tênis,tudo isso tem muito a ver com a nossa música, sobretudo pelos acordes. E o disco do tênis, especificamente, tem essa liberdade que queremos também.

Liberdade é uma palavra central do disco, como o próprio Lô explica ao falar do álbum “que não tem nenhum hit, quando a gravadora esperava um ‘Girassol da cor do seu cabelo’, um ‘Trem azul’".

— O disco num momento vai para o progressivo, em outro vai para o baião... “Você fica melhor assim” eu fiz depois de ouvir “Axis: bold as love”, de Jimi Hendrix, meti aquelas guitarras ali. Como meu filho definiu aos 10 anos, esse disco reúne coisas malucas de lugares distantes — diz, referindo-se ao álbum que tem seus arranjos fielmente recriados no palco pela banda comandada pelo músico e compositor mineiro Pablo Castro.

O processo de criação do disco (que agora ganha reedição em vinil) diz muito da liberdade que se ouve ao longo de suas 15 faixas — que Lô assina sozinho ou com parceiros como seu irmão Márcio Borges, Ronaldo Bastos e Tavinho Moura:

— Muitas vezes eu fazia as músicas de manhã, meu irmão botava a letra de tarde e gravávamos à noite. “Eu sou como você é” fala “Mais de mil abismos me esperam no jantar”. Esses abismos eram essa incerteza do que teríamos no estúdio.

Lô conta que, como não tinha nenhuma música pronta, teve que “casar com o violão" pra ter um disco pronto no prazo.

— E com o baseado, claro — diz Lô, que conta ter mergulhado de cabeça na lisergia. — Tomava ácido de manhã e ficava sob efeito o dia todo. “Pensa você” eu fiz no estúdio, com uma garrafa de uísque, gravei com voz de bêbado.

Lô nota que tudo isso testemunhava de seu tempo, vivido “em meio a tantos gases lacrimogêneos”(outra possível ligação com o Brasil de 2017).

A capa (assinada por Ronaldo Bastos e Cafi) também é representativa daquele período do país e do jovem Lô:

— Estava botando o pé na estrada, não queria passar minha vida gravando discos sem parar. Até hoje, todas as dedicatórias que faço nesse disco são iguais: “Com o pé na estrada, Lô Borges.