Cultura Música

'Malvadão 3' fala de viagem de avião, mas foi gravada por Xamã durante passeio de carro pelo deserto: conheça a história do hit do momento

Atração de festival de rap, o carioca ganha o país e ensaia carreira no exterior, sem esquecer as raízes: ‘sempre tento interagir com os povos indígenas’
O rapper Xamã (REP Festival) Foto: Lucas Nogueira / Divulgação
O rapper Xamã (REP Festival) Foto: Lucas Nogueira / Divulgação

Explicar a música de Xamã ? O próprio rapper carioca, de 32 anos, dá algumas pistas.

— Sabe aquela máxima do “Abaporu”, de que você come uma coisa e vomita outra? Sou um antropofágico musical! — arrisca o ex-camelô de Sepetiba, na Zona Oeste do Rio, que depois de cinco anos de carreira fonográfica agora desponta com “Malvadão 3”, música que há mais de um mês lidera o Top 50 Brasil do Spotify e que bateu até no Top 50 Global da plataforma. — O Brasil é muito misturado, e às vezes o que impede um som de chegar a um outro local é só o estilo musical. As versões bregadeira ( de Dodô Pressão ), pisadinha ( de Biu do Piseiro) e forró ( de Nattan ) do “Malvadão 3” me fizeram me comunicar com outras regiões. É meio como se você tivesse uma roupa que todo mundo pudesse vestir, mas com um caimento diferente para cada pessoa.

Uma das atrações do REP Festival, o maior festival de rap do país , que ocupa sábado e domingo o Parque dos Atletas, no Rio, Xamã começou a carreira versando sobre as jujubas e os amendoins que vendia nos vagões dos trens da Central do Brasil. A boa repercussão de seu primeiro álbum, “Pecado capital” (2018), garantiu, no ano seguinte, um convite para o Espaço Favela do Rock in Rio. Em 2020, em menos de um mês, seu terceiro álbum, “Zodíaco” (com participações de Marília Mendonça , Gloria Groove e Luísa Sonza ) bateu a marca de 22 milhões de audições no Spotify. Lançada em novembro passado, “Malvadão 3” apenas seguiu o flow do sucesso.

— Essa música representa muito a vibe de estúdio. O primeiro “Malvadão” eu gravei em Copacabana, o segundo na Tailândia, e esse terceiro surgiu ano passado, quando eu estava em turnê nos Estados Unidos. A gente alugou um carro para ir de Los Angeles a Las Vegas e gravou ela toda nessa viagem pelo deserto. São versos livres, divertidos — explica ele, que viu esta faixa, feita na linguagem da rua, “mas com um tempero especial”, ganhar rapidamente o mundo do TikTok. — Ela tem três refrãos, tem uma parte acelerada para quem gosta das fritadas, tem a melodia... Tem de tudo. E a gente contratou uma dançarina, a Emily Ferreira, que criou uma dança. A princípio, nem era para o TikTok, mas isso fez as pessoas começarem a interagir com a música.

Baco Exu do Blues: 'Enquanto o negro não tiver autoestima, será difícil lutar'

O estouro de “Malvadão 3” colaborou para que a já atribulada rotina de Xamã ficasse ainda mais difícil de administrar, com muitas viagens pelo Brasil.

— As coisas cresceram muito rápido, a gente está tentando manter a cabeça no lugar e continuar fazendo músicas boas — diz ele, que continua a compor, mesmo na estrada. — Hoje, eu vivo mais, e anoto o que vivo. Porque, toda vez em que eu paro para escrever uma canção, não dá certo. As canções saem quando eu estou mais relaxado, num avião, ou num churrasco. A música está sempre se comunicando comigo. Se você deixa a música de lado por uma semana, ela te deixa por um mês.

Projota: ‘Já perdi muito na vida, mas ali veio tudo de uma vez’

Para Xamã, o REP Festival 2022 assinala, de certa forma, um novo momento do rap brasileiro.

— O músico sempre dependeu de uma plataforma grande, emissora de TV ou gravadora major. E o rap era sempre o primo pobre, que entrava pelos fundos — diz. — Mas a internet mudou isso, proporcionando ao rap a oportunidade de transitar livremente. E cada vez mais o brasileiro quis se identificar com um som urbano, era meio que inevitável que a gente chegasse junto. O Brasil é grande pra caramba, tem muita audiência digital, acho que no futuro a gente vai dominar essa parada.

“O Brasil é grande pra caramba, tem muita audiência digital, acho que no futuro a gente vai dominar essa parada”

Xamã
Rapper

Dia 3 de setembro, por sinal, Xamã volta ao Rock in Rio, desta vez no Palco Sunset, em noite totalmente reservada para o rap — ele se apresenta com o Brô MC’s, grupo formado por quatro jovens da Reserva Indígena Francisco Horta Barbosa, no Mato Grosso do Sul.

— O que houve aqui no Brasil foi um assassinato dos povos indígenas, de Norte a Sul, queimaram toda a história deles. E em algum momento eu comecei a prestar atenção nisso e a tentar entender o que aconteceu — conta Xamã. — Não tive a oportunidade de fazer o meu próprio resgate, já que não conheço meu pai, e não dá para saber a qual povo meus antepassados pertencem. Mas sempre tento interagir com os povos indígenas, e o Rock in Rio foi a oportunidade de chamar os amigos do Brô MC’s. Eles adaptam a linguagem dos Racionais MC’s para os que vivem na aldeia.

Com “Malvadão 3” em alta rotação nos países africanos de língua portuguesa (além de Portugal, onde foi número 1 do Spotify), Xamã começa a ensaiar uma carreira internacional, em feats com MCs de França, Dinamarca e Inglaterra. Seu plano para 2022 é fazer um disco com a cantora Agnes Nunes (“ela consegue melhorar as minhas músicas”) e “um álbum fora da curva do rap, com outro estilo musical”, que talvez seja de rock, inspirado por bandas com DNA de hip-hop como Rage Against The Machine e Linkin Park.